Património para a população usufruir
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ANTÓNIO RODRIGUES DE ASSUNÇÃO
Teve lugar, recentemente, um debate pré-eleitoral entre as candidaturas às próximas eleições autárquicas e de quem tema foi a cultura e o património. Saúda-se a iniciativa e fica o registo das muitas declarações, envolvendo juras de promessas, que se espera sejam cumpridas. Uma vez que já escrevi, a cultura é o respirar da vida de uma cidade e de um concelho. Habitualmente, e uma vez que acontece, aliás, também ao nível do Poder Mediano, a cultura e o património são, uma vez que se costuma expressar com muita razão, “o parente pobre da política”. E para escaparem ao escrutínio dos eleitores, que ingenuamente deram o favor da incerteza aos promitentes, os senhores do poder costumam lançar mão de uns tantos artifícios discursivos dos quais o mais fluente é uma sempre alegada falta de meios financeiros e mesmo as crises que regularmente atacam a sociedade. Remando sabiamente contra leste tipo de embuste político, alguém, nos idos anos da pandemia, escreveu que é precisamente em conjunturas de crise – olhem, digo eu, uma vez que as crises várias que hoje nos afrontam – que a cultura e o usufruto do património (em todas as suas dimensões) devem assumir a primazia do seu lugar na vida da pólis. Porque a cultura e o património contribuem para dar sentido à vida de uma comunidade.
No dito debate, a que por motivos pessoais e familiares não pude observar, os candidatos promitentes falaram muito de cultura e de património. E até avançaram com as sempre presentes, inevitáveis e largas listas de “medidas”, que nunca terão o virtude de ressuscitar no momento oportuno do escrutínio horizonte e final.
Pelo que li, nenhuma das famosas “medidas” teria a minha não legalização, pois em si todas são boas, fazem falta – uma vez que um programador cultural, cuja promessa quem sabe se não terá provocado alguma esperançosa “salivação” à maneira do famoso “Cão de Pavlov”… Eu digo: pois que haja programador cultural, mas, senhores, supra de tudo, que haja cultura e usufruto do património na cidade e no seu concelho. Porque se há cidade com vasto e riquíssimo património é a Covilhã– património material e intocável, arquitectónico, religioso e temporal (não sei se se deve separar os dois…), um riquíssimo patrimómio histórico que atravessa toda a já longa história da Covilhã, com marcas que ainda permanecem, marcas não só físicas, mas também insítas na memória colectiva do povo. E também muitos estudos, teses, artigos de elevada qualidade que há que retirar dos arquivos e trazer á colação dos apreciadores.
Voltando à dita reunião de debate, talvez dali tenha estado ausente uma “medida” (já que se está a falar de medidas…) e esta é que urge terebrar ao usufruto das pessoas, de forma permanente, embora programada de forma atenta, o património e a cultura. O património da Covilhã, pode dizer-se embora arriscando um pouco, está inventariado, muito dele já classificado segundo as categorias em vigor; em muitos dos seus exemplares nota-se a falta de diagnóstico prospectivo, pois que em muitos deles a degradação vai alastrando, sem mão que o ampare. É o caso da nossa capela de S. Martinho, que dói só de olhar para ela, que goza do regime de caso único do estilo românico entre nós. E mais, muito mais. O património deve ser inventariado, sim. Mas o melhor do património é a sua permanente divulgação e “entrega” à população, sua verdadeira proprietária. Disponibilizá-lo às escolas para que nos seus projectos educativos o integrem em actividades de visitas e de estudo. A núcleo do património é o seu feitio de pertença a uma comunidade. Não pode estar fechado, pois isso é a sua negação e condu-lo ao envelhecimento, por olvido. Abri-lo a toda a população, que adora e se orgulha dele, e que apreciará que o horizonte executivo vai tratar dele e abri-lo. E depois, há os muitos turistas que nos visitam todos os anos. Há um “público turístico” que nos procura para procurar e fruir do nosso património. Mas já repararam que não podem visitar a Capela de S. Martinho? Por obséquio, não esqueçam que turismo, sendo diligência económica de relevo, ele não é unicamente isso…Cuidemos do nosso património, portanto.
Só espero que as longas listas de “medidas” que já se avizinham para esta extensão da nossa vida colectiva sejam beneficiadas com esta reflexão primacial: entregar o nosso património ao usufruto das pessoas.
O teor Património para a população usufruir aparece primeiro em Jornal Notícias da Covilhã.
Natividade: https://noticiasdacovilha.pt/patrimonio-para-a-populacao-usufruir/