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Volkswagen manteve por 12 anos fazenda com trabalho escravo no PA financiada pela ditadura - Mundo News
1 de Fevereiro, 2025

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Volkswagen manteve por 12 anos fazenda com trabalho escravo no PA financiada pela ditadura

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Trabalhadores denunciam mortes, agressões e ameaças. Volkswagen rejeitou acordo, e indenização chegaria a R$ 165 milhões...

Pela primeira vez, a cumplicidade entre empresas e a ditadura civil-militar de 1964 será objeto de estudo da Justiça. O Ministério Público do Trabalho (MPT) ajuizou em dezembro de 2024 uma ação social pública contra a Volkswagen do Brasil por trabalho servo e tráfico de pessoas, posteriormente ter tentado, por mais de um ano, um convenção com a montadora. O pedido é para que a empresa seja condenada a assumir a responsabilidade pelos fatos e a remunerar uma indenização de R$ 165 milhões. 

O caso tramita na Vara do Trabalho de Resgate, no sul do Pará, a 190 km de Santana do Araguaia (PA), onde era localizada a rancho Vale do Rio Cristalino, conhecida porquê Herdade Volkswagen. O imóvel ostentava em suas porteiras a logomarca da companhia, que manteve o empreendimento entre 1974 e 1986. A proeza da montadora no mercado madeireiro e agropecuário foi bancada com subsídios da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e financiada pelo Banco da Amazônia S.A. (Basa).

Por que isso importa

  • Unicamente 60 anos posteriormente o início da ditadura, segmento dos responsáveis passa a responder por abusos no período de repressão militar. Responsabilizar empresas milionárias ainda em operação no país que se beneficiaram do regime poderia estugar o processo de indemnização histórica às vítimas desse período.

Até o momento, além da Volks, 14 empresas são investigadas pelo Ministério Público Federalista (MPF) e pelo MPT por cumplicidade com a ditadura. Unicamente um caso, que trata das violações de direitos humanos na fábrica da montadora, em São Bernardo do Campo (SP), resultou em um convenção que prevê o pagamento de R$ 36 milhões em indenizações pela multinacional alemã. Segmento desse moeda financiou pesquisas coordenadas pelo Meio de Antropologia e Arqueologia Judiciario da Universidade Federalista de São Paulo (Caaf/Unifesp) sobre dez empresas. 

Dos casos em curso, os ministérios públicos já se reuniram com segmento das companhias investigadas, caso do porto de Santos, mas ainda não houve pregão de novos acordos. A Escritório Pública contou o que foi perfeito pelos pesquisadores na série Empresas Cúmplices da Ditadura

A Herdade Volkswagen tinha 139 milénio hectares, uma dimensão que corresponde a 90% do município de São Paulo e 15% maior que toda a cidade do Rio de Janeiro. Oficialmente, tinha 300 empregados, entre dimensão administrativa e vaqueiros, que contavam com posto de saúde e até um clube. A lida muito mais pesada, porém, que incluía a derrubada da vegetação nativa para a transformação em pastagens, era realizada por trabalhadores sem vínculo com a Companhia Vale do Rio Cristalino (CVRC), subsidiária criada pela montadora para gerir seu braço madeireiro-agropecuário, do qual diretor-presidente era o boche Wolfgang Sauer, que presidiu a Volks do Brasil entre 1973 e 1989.

Segundo a ação do MPT, esses trabalhadores sem vínculo, muitos deles menores de 18 anos, eram traficados por “gatos” (recrutadores de mão de obra, que trabalhavam diretamente para a montadora) em vários estados, com promessas de ganhos supra do mercado, e eram levados na caçamba de caminhonetes ou caminhões paus de arara até a rancho, onde eram vendidos. 

Os procuradores concluíram que a Volkswagen “praticou condutas que configuram exploração de trabalho servo e tráfico de pessoas” e que a multinacional, que controlava a “subsidiária extinta, é responsável pelas violações generalizadas e sistemáticas aos direitos humanos de centenas de trabalhadores rurais que prestaram serviços de roçagem e derrubada na Herdade Vale do Rio Cristalino”. 

Escravidão, comunismo e igreja na floresta

A investigação que gerou a ação foi oportunidade em 2019 e baseia-se em depoimentos de pelo menos 42 vítimas e 11 testemunhas, a maioria colhida na quadra dos fatos pelo professor doutor Ricardo Rezende Figueira, da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi padre durante 20 anos na Diocese de Conceição do Araguaia (PA) e integrava a Percentagem Pastoral da Terreno (CPT). O MPT entrevistou segmento dessas pessoas e um “gato”, que admitiu o tráfico de pessoas e a escravidão por dívida.

Esses intermediários mantinham “cantinas”, empórios dentro das fazendas, onde os trabalhadores compravam comida, ferramentas, calçados e lonas para montar as barracas nas frentes de trabalho. Os valores dos produtos seriam maiores que os praticados no mercado. Os trabalhadores relatam também que peões doentes eram tratados no sítio. Em universal, recebiam injeções ou “azulão” (soro com azul de metileno) na veia e depois eram cobrados pelo serviço. 

Posteriormente o início das tarefas, além de dormirem em barracas sem vedação, junto a animais selvagens e peçonhentos, sem atendimento médico adequado, e lidando com o risco de malária, endêmica, os trabalhadores recebiam remuneração aquém do combinado no recrutamento. A situação impedia que deixassem o sítio, pois, ao pedirem para ir embora, eram informados de que deviam na cantina mais do que o saldo a receber. 

Apesar do potente esquema de vigilância com capatazes armados contratados e a vigilância institucional da companhia, alguns trabalhadores conseguiam fugir. Enfrentavam quilômetros de floresta e pediam caronas nas poucas estradas que havia na quadra. Algumas das vítimas encontraram o padre Ricardo, que ouvia seus relatos, anotava tudo e depois levava as vítimas ao cartório ou à polícia para oficializar os depoimentos. 

“Nós éramos vistos pelo governo porquê comunistas, terroristas, a Igreja era malvista. Uma vez que não gozávamos de crédito por segmento do Estado, algumas vezes nós levávamos os trabalhadores para prestar testemunho em cartório ou na própria polícia”, afirmou Figueira. 

“Eu tinha muita vontade de chorar”

Os depoimentos apontam quatro casos de morte por preterição de socorro (dois trabalhadores por malária sem tratamento adequado e dois bebês), quatro casos de trabalhadores executados para dar exemplo aos demais, sete casos de agressões, um estupro e um desaparecimento. 

Raimundo Batista de Souza conta que foi traficado para a Herdade Volkswagen aos 14 anos, em 1984, junto com os irmãos Raul e Juldemar e outros jovens de Porto Pátrio (TO). “Fomos de pau de arara num caminhão para Santana do Araguaia. Depois de uns dias de trabalho, o gato deu a informação que eu e meus irmãos iríamos ser separados. Entendo que eles queriam evitar que os trabalhadores que se conheciam se unissem para reclamar das más condições”, lembra.

“Eu tinha muita vontade de chorar; lembrava de lar, com saudade dos pais, as notícias de Raul zeraram, e eu pensava coisa ruim. No trabalho, adoeci e consegui chegar na sede da rancho e me deram o tal azulão na veia, aplicado pelo cantineiro. Ficamos [Raimundo e Juldemar] quase um mês doentes, comendo comida ruim da cantina. Comia pouco e fiquei tão fraco que desmaiei várias vezes. Eu tremia muito”, contou Souza em testemunho ao MPT.

“Juldemar nunca se recuperou plenamente. Ele voltou a trabalhar um tempo, mas piorou muito e foi jubilado e tomava remédios psiquiátricos”, finalizou o varão sobre o irmão, que morreu em junho de 2021. 

História de poucos e com pouco espaço na prelo

Aos poucos, os relatos dos trabalhadores que fugiam chegavam à prelo sítio, depois, com o tempo, começaram a chegar à prelo vernáculo. Quando o caso estourou na prelo alemã é que algumas investigações começaram a proceder no Brasil, tocadas por parlamentares de oposição à ditadura.

Em 1983, uma percentagem mista de parlamentares, jornalistas, sindicalistas e o padre estiveram na rancho a invitação do presidente da Volks, Wolfgang Sauer, que fez uma visitante ao governador do Pará na quadra, Jader Barbalho, que havia mandado a Polícia Social do Pará investigar o caso. 

Apesar da visitante a invitação e do evidente pânico dos trabalhadores de contarem um tanto mais comprometedor, os integrantes da comitiva entrevistaram dois gatos que atuavam na rancho. Um deles, Francisco Andrade Chagas, o Chicô, admitiu que ele e seu irmão, que administrava uma cantina, andavam armados e que os peões que tentavam fugir eram amarrados e entregues à polícia, onde recebiam “sermões”. 

Os gatos ouvidos pela comitiva se referiam aos trabalhadores porquê “vagabundos”. Questionado sobre a violência utilizada para impedir que trabalhadores deixassem a rancho, a comitiva registrou que o logo diretor da rancho Friedrich Brügger, eleito por Sauer para escoltar as oitivas, disse: “Não é problema meu”. Um relatório com sugestões para coibir a violência foi elaborado, mas não há registro de que tenham sido colocadas em prática.

Entre os mais de 50 depoimentos, há exclusivamente dois casos de trabalhadores que conseguiram transpor pela porta da frente. Um é o de um grupo de cinco trabalhadores, recrutados ainda adolescentes, de Luciara (MT), que inventaram ter se comprometido com um coronel para se inventariar no serviço militar. “O gato ficou assustado, pois não queria ter um problema com o Tropa”, Figueira contou à Pública.  

O segundo caso é exposto pelo trabalhador João Aires da Silva, traficado para a Herdade Volkswagen aos 17 anos. Segundo ele, um colega, Divino Ferreira Matos, conseguiu licença para buscar tratamento para o fruto recém-nascido. A mulher, do qual nome não é mencionado, deu à luz sem ajuda médica em um brejo. A petiz, conta Aires, estava doente. O bebê acabou não resistindo. Diante da oportunidade de deixar a rancho, o parelha acabou deixando tudo para trás, inclusive um fruto de 6 anos. A ação não conta se Divino, a esposa e o fruto se reencontraram. 

Ditadura é deixada de lado, mas convenção segue longe de concretizado

Apesar da intrínseca relação entre a Volks e a ditadura e o veste de que a rancho só existiu graças ao escora do governo militar, o MPT optou por não abordar diretamente o relacionamento da montadora com a ditadura nessa ação. 

“Nesse caso, porquê não teve uma participação direta da ditadura em episódios de repressão e perseguição de trabalhadores, a gente fez uma opção de não tratar sob o enfoque da ditadura”, afirmou o procurador do trabalho Rafael Garcia Rodrigues, um dos autores da ação. 

A Pública consultou tanto o TAC assinado em 2020 quanto o relatório final da investigação sobre a Volks. Nenhum dos documentos versa sobre qualquer atividade da companhia ou subsidiárias da montadora na Amazônia. 

A ação do MPT foi ajuizada em 5 de dezembro de 2024, e o juiz Otavio Bruno da Silva Ferreira, da Vara do Trabalho de Resgate, designou audiência de tentativa de conciliação online para o dia 24 de janeiro e atendeu a pedido do órgão para tramitação prioritária do processo. A Volkswagen pediu o delonga da audiência de conciliação, o que foi rejeitado pelo juiz. Em 16 de dezembro, a Volks solicitou que a Justiça do Trabalho do Pará seja declarada incompetente para atuar no caso. O juiz cancelou a audiência de conciliação e pediu a revelação do MPT. 

O MPT afirma ter se reunido cinco vezes com a montadora entre 2022 e 2023 em procura de uma conciliação. Em março de 2023, a Volks anunciou sua saída das negociações. Segundo a ação, a montadora nega responsabilidade no que foi perfeito pelo MPT e sustenta que, ainda que os fatos fossem verdadeiros, não estariam abrangidos pelo TAC festejado em 2020 com MPF, Ministério Público de São Paulo (MPSP) e MPT. “O convenção diz saudação às perseguições políticas e ideológicas a ex-trabalhadores da empresa durante a ditadura militar, o que não se confunde com o objeto da presente demanda”, afirma o MPT. 

Subsidiária já condenada e o silêncio da Volkswagen

Em 1984, quatro dos cinco trabalhadores de Luciara que fugiram da rancho com o argumento de que iriam prestar serviço militar ajuizaram uma ação trabalhista contra a CVRC. A ação reconheceu o vínculo empregatício. 

Em sua resguardo, a CVRC juntou contrato entre a rancho e a empresa Andrade Desmatamento, do gato Chicô, com o intuito de mostrar que os trabalhadores eram terceirizados, mas, para o MPT, o documento serviu “para provar o controle da Herdade Volkswagen sobre o esquema premeditado para tráfico de pessoas e exploração de trabalho servo”.

A Justiça do Trabalho condenou a CVRC ao pagamento de verbas trabalhistas e rescisórias, porquê salários retidos em duplo, horas extras, repouso semanal remunerado, férias, décimo terceiro, aviso prévio e que tudo fosse anotado na carteira de trabalho dos autores da ação. 

Em 1986, a rancho foi vendida ao grupo Matsubara, que herdou as dívidas da companhia e propôs aos quatro trabalhadores que recebessem duas máquinas do espólio da CVRC, mas eles rejeitaram o convenção, pois as máquinas já eram sucata. Em 1995, foi definido que cada um dos autores receberia R$ 1.049,65 (o equivalente hoje a R$ 11,7 milénio), e a rancho foi à penhora. 

A Pública entrou em contato com a Volkswagen com uma série de perguntas sobre a ação. A montadora não respondeu aos questionamentos, mas confirmou ter sido notificada. “A Volkswagen do Brasil informa que foi notificada da ação iniciada pelo Ministério Público Federalista do Trabalho, porém não comenta processos em curso.”

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