COP30: Brasil aposta em fundo para preservar florestas contra impasse sobre financiamento

“Rútilo”, “ousada”, “transformadora”. É com adjetivos mal autoridades estrangeiras de diferentes países têm se referido à proposta do governo do Brasil de gerar um fundo global para financiar a conservação de florestas tropicais ao volta do mundo.

A teoria, a princípio, é simples: implementar um fundo de investimentos que gere recursos para realizar pagamentos anuais aos países em desenvolvimento com desmatamento sob controle. Esses países receberiam um valor fixo por cada hectare de floresta em pé. O que, se der manifesto, pode simbolizar o maior volume de recursos na história talhado às florestas tropicais, uma vez que a Amazônia e a Mata Atlântica. 

Não à toa, o “Fundo Florestas Tropicais Para Sempre” – que apesar de ser uma teoria originalmente brasileira é mais publicado por sua {sigla} em inglês, “TFFF” (Tropical Forest Forever Facility) – é uma das prioridades da presidência da Conferência do Clima da ONU, a COP30, que será realizada em novembro no Pará, e pode se tornar uma taxa positiva na complicada conversa global sobre financiamento climatológico.

Verba para floresta que ainda está de pé 

“Essa é uma das inovações: é um mecanismo que valoriza a floresta em pé. O pagamento é balizado em quanto de floresta você tem”, resumiu à Dependência Pública Garo Batmanian, diretor-geral do Serviço Florestal Brasílico (SFB) e um dos arquitetos da teoria. 

Apesar da valor cultural, social e econômica das florestas tropicais, além do papel fundamental que elas desempenham na regularização do clima e manutenção da biodiversidade, 25% delas já foram destruídas em todo o mundo, conforme uma pesquisa da Wildlife Conservation Society. E não há, hoje, moeda na mesa global para preservar os 4,3 bilhões de hectares restantes e atingir os compromissos coletivos assumidos pelos países em diferentes acordos globais de frear o desmatamento até 2030. 

Números ainda preliminares levantados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Envolvente apontam que para evitar e reduzir o desmatamento ao volta do mundo até 2030 seriam necessários 8,9 bilhões de dólares por ano. Se viabilizado, o TFFF pode simbolizar quase metade desse valor – segundo estimativas do governo brasiliano, ele pode gerar 4 bilhões de dólares anuais. 

“Isso é quase três vezes o volume de financiamento internacional de doações para florestas tropicais”, disse André Aquino, assessor privativo de Economia do Ministério do Meio Envolvente e Mudança do Clima (MMA), em uma apresentação sobre o fundo nesta quarta-feira, 20 de agosto. 

“Quatro bilhões de dólares por ano que, em tese, poderiam beneficiar mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais. Isso é alguma coisa inexistente hoje”, disse à Pública Carlos Rittl, diretor na Wildlife Conservation Society, uma das organizações que contribuiu com o desenvolvimento da teoria.

Um novo mecanismo para financiar florestas

A graduação da iniciativa é uma das principais diferenças em relação a outros mecanismos existentes hoje que, de diferentes maneiras, também procuram realizar pagamentos para promover a redução do desmatamento e a conservação de florestas. 

A questão é que muitos dos mecanismos que já existem são baseados em doações, sujeitas, portanto, à visão política do momento do país doador – basta lembrar que, com uma canetada, o presidente americano Donald Trump acabou com a principal filial americana de ajuda externa, que despejava bilhões de dólares em doações ao volta do mundo todos os anos. 

No caso do TFFF, é dissemelhante: os países que alocarem recursos no fundo vão receber esse moeda de volta depois de alguns anos e a juros baixos. Trata-se, portanto, de um investimento (ainda que pouco rentável) – e não de uma doação. 

Há outra diferença fundamental. Hoje, um dos principais mecanismos de financiamento para florestas é voltado para redução de emissões por desmatamento e degradação. Ou seja, eles remuneram países, projetos ou comunidades que estejam diminuindo o desmatamento.

“[Os países] têm que fazer isso e continuar a fazer isso. Mas o que acontece quando um país já controlou o desmatamento, chegou ao desmatamento zero ou, uma vez que é o caso de alguns países, que não está desmatando e nem nunca desmatou? Em princípio, esses países não recebem mais moeda desses mecanismos, porque não estão mais reduzindo as emissões do desmatamento”, explicou Batmanian.

É aí que o TFFF entra em cena – não para competir com os mecanismos existentes, mas para atuar de forma complementar a eles, mobilizando recursos para as florestas em pé. 

Floresta financiada: uma vez que o fundo deve funcionar

O fundo é fundamentado em desempenho. Ou seja, os países que quiserem se candidatar – a princípio, são mais de 70 países em desenvolvimento com florestas tropicais – precisarão ter uma taxa de desmatamento baixa, de menos de 0,5%. E, para manter os pagamentos, deverão impedir que ela suba de um ano para o outro. 

O estampa atual do fundo prevê levantar um volume de recursos que, ao ser reinvestido, vai render o suficiente para remunerar muro de 4 dólares por hectare de floresta tropical conservada para cada país. 

Haverá descontos para cada hectare desmatado ou degradado por lume a depender da taxa de desmatamento. Para países com até 0,3% de taxa de desmatamento, por exemplo, cada hectare derrubado representará um desconto equivalente a 100 hectares preservados, ou seja, de 400 dólares por hectare desmatado. 

Os países precisarão apresentar uma lista de políticas e programas que podem ser beneficiados pelos recursos do fundo. Não haverá exigências específicas, porque cada país têm desafios diferentes para a conservação de suas florestas. Mas será preciso provar que os recursos não vão substituir o orçamento já existente das políticas nacionais. 

Essa mandamento foi defendida pelo Ministério do Meio Envolvente primeiro para impedir que o moeda do TFFF entre no caixa do Tesouro do país e seja direcionado para outras áreas, uma vez que o pagamento da dívida pública. E, segundo, para evitar que aconteça o que aconteceu com o Fundo Amazônia, que ao longo dos anos passou a financiar ações e programas que eram de responsabilidade dos governos. 

Em um cenário de desmatamento zero e de queimadas controladas, o Brasil pode receber muro de R$ 7 bilhões, segundo cálculos do governo, o que representaria cinco vezes o orçamento que hoje o Ministério do Meio Envolvente (MMA) tem disponível para suas políticas e órgãos, conforme Aquino.  

O desmatamento na Amazônia vem caindo desde 2022. Entre agosto de 2023 e julho de 2024 (último oferecido disponível pelo sistema Prodes, do Instituto Vernáculo de Pesquisas Espaciais) atingiu a menor dimensão desde 2015, uma queda de 30,6% em relação aos 12 meses anteriores. Já na Mata Atlântica, a derrubada também está em queda, ainda que de forma menos expressiva. 

Do totalidade de recursos que o país receber, pelo menos 20% deles obrigatoriamente deverão ser repassados para povos indígenas e comunidades tradicionais – uma vez que quilombolas e ribeirinhas, no caso do Brasil. Esse é outro grande diferencial do fundo, fruto da fala dos povos tradicionais, representados pela Federação Global de Comunidades Territoriais (GATC), que participou do desenvolvimento da iniciativa.

“Essa foi uma das nossas grandes conquistas nesse processo: arrancar esse compromisso efetivo de que no mínimo 20% dos recursos do TFFF serão destinados aos povos indígenas e comunidades locais a nível global, o que, antes, não estava guardado”, afirma Kleber Karipuna, co-presidente da GATC.

Povos indígenas e comunidades tradicionais devem receber secção do moeda

Para ele, o TFFF pode vir a inspirar outros fundos globais a mudarem sua arquitetura financeira para envolver, diretamente, os povos tradicionais e fazer o financiamento da forma mais direta provável para esses povos.

Trata-se de uma das principais demandas do movimento indígena no Brasil. Ainda que administrem 54% das áreas de florestas intactas no mundo, os povos indígenas e tradicionais não estão sendo devidamente remunerados por isso.

Um estudo recente mostrou que, nos últimos dez anos, os povos indígenas e comunidades tradicionais receberam uma parcela ínfima do financiamento internacional, exclusivamente 270 milhões de dólares na média, o que equivale a menos de 1% da verba solene para mitigação e adaptação climática no período. 

Os países que participarem do TFFF poderão repassar os 20% dos recursos diretamente para comitês nacionais (a serem formados com os representantes de seus povos tradicionais) ou para uma instituição internacional que, por sua vez, fará os repasses de harmonia com as determinações do comitê pátrio. Essa estrato intermediária foi pensada para países em que há dificuldades na relação entre os povos locais e os governos. 

“Indígenas de outros países trouxeram essa imposto: de que a gente construa um mecanismo que blinde os 20% daquele país de possíveis maus usos”, explica Karipuna. “E um alerta universal de todos nós também foi para encontrarmos um formato que blinde os recursos de possíveis mudanças de governos”. 

No caso brasiliano, além da remuneração direta dos 20% para povos tradicionais, o libido do Ministério do Meio Envolvente é de que os 80% também sejam direcionados o supremo provável para quem está na ponta (e não para órgãos de comando e controle). Isso seria feito via políticas públicas, uma vez que o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e programas uma vez que o Bolsa Verdejante e o Projeto Floresta+. 

Segundo Aquino, a teoria é que o moeda chegue para aqueles que colaboram para a conservação das florestas, seja em territórios coletivos, seja em propriedades particulares. Outra possibilidade seria a de usar os recursos para incentivar a prisão produtiva de produtos da bioeconomia. 

No longo prazo, a expectativa é que esses pagamentos venham a provocar uma mudança estrutural na direção de, enfim, a floresta em pé ter mais valor econômico do que a floresta derrubada.

Expectativa para a COP30

Além da GATC, que representa os povos tradicionais a nível global, muitas outras organizações e diferentes governos vêm colaborando no estampa do TFFF. A teoria está sendo trabalhada há quase dois anos, desde que foi apresentada inicialmente na COP28, em Dubai. 

No ano pretérito, o Brasil instituiu um comitê diretivo interino formado por representantes de 12 países para trabalhar conjuntamente na arquitetura do mecanismo: seis com florestas tropicais (Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia) e seis que podem fazer os aportes iniciais (França, Alemanha, Noruega, Reino Uno, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos).

Nesta quinta-feira, 21 de agosto, o governo brasiliano publicou a novidade versão do documento que descreve o mecanismo, seus princípios e principais critérios. 

O projecto, agora, é lançar o TFFF de forma solene na COP30, presidida pelo Brasil, país que deu origem à proposta, e realizada em uma cidade de floresta tropical: Belém, no Pará. 

“Os países com floresta sempre falaram que precisavam de mecanismos novos e inovadores para proteger as florestas. Bom, se a gente está fazendo uma proposta de mecanismo inovador, que reconhece o valor e paga pelas florestas, zero mais originário que quem liderou as conversas venha a lançá-lo quando vai ter uma COP no país que tem a maior secção das florestas tropicais do mundo”, disse Batmanian. 

A expectativa do governo brasiliano é chegar ao palco global da COP, quando representantes de 197 países estarão em Belém, com a estrutura institucional do fundo totalmente pronta e anunciar os primeiros países investidores, além da adesão de países tropicais.

BRICS, EUA: quais países devem participar do fundo? 

Os principais candidatos para os aportes iniciais de moeda ao TFFF seriam os 12 países que fazem secção do comitê: Colômbia, República Democrática do Congo, Gana, Indonésia e Malásia, França, Alemanha, Noruega, Reino Uno e Emirados Árabes Unidos. Na verdade, 12 menos um, já os Estados Unidos se ausentaram das negociações desde que Trump assumiu a presidência. 

Há ainda esperança no governo brasiliano de que outros países possam vir a investir no fundo, uma vez que a China. Em julho, os líderes dos BRICS (grupo inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) assinaram uma enunciação conjunta sobre financiamento, no qual mencionaram diretamente o TFFF uma vez que um “instrumento promissor para gerar um fluxo previsível e de longo prazo para financiar a conservação de florestas”. 

No caso dos EUA, permanecer de fora à essa profundidade do campeonato é o de menos. O importante é que o país não atrapalhe a viabilização da iniciativa, uma vez que sinalizou André Aquino, do MMA. Isso porque estão em curso conversas para que o Banco Mundial, que desde o início colaborou com o desenvolvimento da proposta, seja a instituição que vai acoitar e operacionalizar o TFFF, o que daria mais segurança aos países investidores. Acontece que o país com mais peso e poder de voto no juízo que administra o banco é, justamente, os Estados Unidos, que, portanto, poderia atuar para impedir que o TFFF seja hospedado na instituição.  

Diante das últimas sinalizações do banco, trata-se de uma hipótese improvável, segundo o assessor do Ministério do Meio Envolvente André Aquino. E, de qualquer forma, o fundo teria planos B, uma vez que outros bancos multilaterais de desenvolvimento. 

Mas o Banco Mundial “agrega muita crédito aos investidores”, uma vez que explicou Aquino. A instituição desempenharia papéis fundamentais para a operação do fundo, que pretende chegar a um capital de 125 bilhões de dólares a serem reinvestidos para gerar a receita que vai remunerar os países tropicais. 

O maior repto é chegar a esses 125 bilhões de dólares. O objetivo é, primeiro, atrair 25 bilhões de dólares de países que colocaram moeda no TFFF a juros baixos, para, no longo prazo, receber esse moeda de volta. Isso poderia ser feito por meio dos fundos soberanos dos países – o da Noruega, por exemplo, administra quase 2 trilhões de dólares , já os diferentes fundos dos Emirados Árabes Unidos somam muro de 2,5 trilhões de dólares.  

Esse aporte inicial servirá de garantia para a capitalização do fundo por meio da emissão de títulos, o que seria feito pelo Banco Mundial, para chegar aos 125 bilhões de dólares. Esses títulos seriam classificados uma vez que de reles risco e de boa qualidade a termo de serem colocados no mercado financeiro para serem adquiridos por investidores privados com potencial de render muro de 7,5% a 8% ao ano. O montante que resultar da diferença entre os juros a serem pagos aos investidores iniciais e os do rendimento do fundo é o que seria pago aos países tropicais. 

O TFFF pode ser um resultado mais manipresto para conservação de florestas, defende presidente da COP30

Apesar da previsão de lançamento na COP, o TFFF não fará secção da agenda de negociação da conferência e nem estará atrelado às convenções internacionais da ONU sobre clima (tema da COP30), biodiversidade e desertificação, o que evita ter que discutir as regras do fundo com mais de 190 países. 

“Se o TFFF fosse um mecanismo que passasse a ser negociado no contexto de qualquer convenção, a gente provavelmente passaria os próximos muitos anos, se não uma dezena, discutindo uma vez que ele deve funcionar”, diz Rittl, da WCS. “E talvez nem chegássemos a um consenso sobre as regras, ou ele se tornaria muito multíplice”, complementa. 

Ainda assim, o diagnóstico dos entrevistados pela reportagem é o de que os recursos levantados pelo fundo podem ajudar os países a alcançarem os compromissos assumidos nessas convenções, uma vez que, no caso do Brasil, o de zerar o desmatamento até 2030. 

“Esse fundo se fortaleceu muito. E eu acredito que [ele] também possa ser um grande resultado [da COP]”, afirmou o legado André Corrêa do Lago, que preside a COP30, em audiência na Câmara dos Deputados no início de agosto.

O lançamento na conferência em Belém também é uma oportunidade de trazer uma taxa positiva para inspirar as tensas discussões sobre financiamento. 

Na última COP, no Azerbaijão, os países concordaram em uma meta de 300 bilhões de dólares que os países ricos, os responsáveis históricos pelo aquecimento global, precisam mobilizar para financiar ações de mitigação e adaptação dos países em desenvolvimento. O valor, porém, ficou muito aquém da urgência real dos países em desenvolvimento, estimada em 1,3 trilhão de dólares. E ninguém definiu de onde sairá o moeda – e nem a “forma” dele (doação ou empréstimo, por exemplo).

“Porquê a gente cria novas formas de mobilizar recursos? Nesse sentido, o TFFF traz novas ideias e formas de olhar para o financiamento”, explica Rittl. “Ele não pode, lógico, substituir a obrigação lítico [de financiamento] dos países ricos. Mas acho que em um momento de muita tensão geopolítica, o TFFF tende a distensionar um pouco”. 

Vai depender de quanto moeda países investidores vão colocar no fundo.