Sem acordo na comissão do Marco Temporal, indígenas cobram Gilmar Mendes em protesto no PA

Em mais uma audiência no Supremo Tribunal Federalista (STF) nesta quarta-feira (2), a percentagem sobre o Marco Temporal não conseguiu chegar a um consenso em torno de uma proposta de novidade lei sobre o objecto. Enquanto isso, na região da cidade de Itaituba, no Pará, mais de 150 pessoas do povo Munduruku chegaram ao nono dia de bloqueio da rodovia Transamazônica (BR-230), em protesto contra o Marco Temporal e a percentagem.  

Os Munduruku pedem uma audiência com o ministro Gilmar Mendes, do STF, para que possam ser ouvidos sobre a percentagem e sobre a manutenção da lei que estabeleceu o Marco Temporal – mesmo depois a tese ter sido declarada inconstitucional pela Golpe. 

O gabinete de Mendes informou à prensa que se reunirá no próximo dia 10 com representantes da Pronunciação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para tratar da situação envolvendo o povo Munduruku.

Em testemunho à Escritório Pública, Alessandra Korap, liderança Munduruku, afirmou que a lei, “aprovada sem consulta aos povos indígenas”, vem paralisando a demarcação de terras indígenas – porquê é o caso da terreno Sawre Ba’pim, no município de Itaituba, já reconhecida pela Funai, mas que ainda não teve sua demarcação concluída. 

Em setembro de 2023, o Congresso Pátrio aprovou a lei 14.701/2023, que estabeleceu o marco ao mandar que só seriam demarcados os territórios de povos que conseguissem justificar a presença nos locais na data da promulgação da Constituição Federalista (5 de outubro de 1988). A aprovação ocorreu pouco depois da decisão do STF de que a tese era inconstitucional.

Em seguida a lei ser mira de impugnação por novas ações judiciais, Mendes criou uma percentagem “de conciliação” para que a legislação fosse debatida entre representantes do Supremo, Executivo Federalista, Congresso, estados, municípios, indígenas e entidades ruralistas. 

Sob protestos do movimento indígena e da sociedade social, o colegiado iniciou os trabalhos em agosto de 2024, que ainda não foram concluídos. 

“Eles estão discutindo na câmara de conciliação a tese do Marco Temporal com a lei 14.701. A gente sabe que essa lei fere todos os nossos direitos, recta à vida, ao território, à consulta livre prévia e informada”, disse Alessandra. 

Os Munduruku estão desde o dia 25 de março na rodovia, considerada um galeria importante para o escoamento da produção do agronegócio, mormente soja e milho. Mulheres, incluindo gestantes, crianças e lideranças idosas participam da mobilização que pretende continuar até obter uma resposta do ministro Gilmar Mendes sobre uma audiência. 

“Uma vez que é que eles estão decidindo [sobre os nossos direitos] e a gente não tem o poder de proferir ‘não’”?, questionou Alessandra. “Ele [Gilmar Mendes] tem que ouvir todas as populações. A gente não está cá para negociar a vida dos nossos filhos e nossas mães, do território, do rio, da floresta”, disse ela. 

Nos últimos dias, os Munduruku vem abrindo passagem para ambulâncias, cargas vivas e casos de emergência, além de liberar o fluxo à noite. Ainda assim, a mobilização vem sendo mira de agressões – primeiro com xingamentos, depois com pedras e até com tiros, porquê mostrou reportagem da Carta Capital. 

Na terça-feira (1), por meio de um vídeo publicado nas redes sociais, Alessandra Munduruku fez um apelo para que a Instauração Pátrio dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) se manifestassem. 

“Sonia [Guajajara, ministra dos Povos Indígenas], Joenia [Wapichana, presidente da Funai]: se manifestem. Já vai dar 9 dias. Se manifestem, porque a gente está esperando a sua resposta dessa revelação do Marco Temporal e câmara de conciliação”, afirmou ela. 

A Pública procurou o MPI e a Funai, mas não obteve resposta até a publicação desse texto. 

Percentagem do Marco Temporal 

Em fevereiro deste ano, o ministro Gilmar Mendes apresentou a proposta de um novo projeto de lei, que, apesar de rematar com o Marco Temporal, é mira de críticas do movimento indígena e indigenista por permitir a remoção forçada de indígenas sob justificativa de sossego social, fragilizar a consulta prévia, livre e informada, criminalizar as tentativas de retomada dos territórios por grupos indígenas, mudar o rito de demarcação das terras e prometer a indenização da terreno nua a ocupantes dos territórios tradicionais. 

É esta proposta de novo projeto de lei que vem sendo debatida nas últimas audiências da percentagem de conciliação. O ministro Gilmar Mendes havia definido que os trabalhos seriam concluídos até esta quarta-feira, dia 2. Mas na audiência realizada ao longo de toda a tarde, os integrantes não conseguiram chegar a um consenso sobre vários artigos da proposta. 

A estudo dos artigos não foi concluída, nem houve votação. Mendes ainda deve marcar uma novidade data para retomada da estudo da minuta apresentada por ele. 

Na semana passada, o ministro retirou um dos pontos mais polêmicos da proposta: os artigos que autorizavam a mineração em Terras Indígenas – muitos deles copiados de uma proposta do governo Jair Bolsonaro, como mostrou a Pública. Mendes decidiu que a discussão sobre a exploração mineral deverá ser realizada em outra percentagem específica no STF. 

Em nota publicada nesta quarta (2), a Apib, organização vernáculo mais representativa do movimento indígena, classificou a percentagem porquê uma “conciliação forçada” com “interesses privados envolvidos”. “O colegiado, instaurado por decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, seguiu sem delimitação clara de objeto e sem a participação da secção processual indígena”, diz o texto. 

A Apib se retirou da percentagem ainda no início do processo, denunciando a constituição desfavorável do grupo (os indígenas são minoria) e a impossibilidade de “conciliar” direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federalista.

“A câmara parece caminhar para novidade postergação de seus trabalhos e demonstra-se incapaz de produzir um tratado legítimo”, afirmou a Apib nesta quarta (2). 

Segundo a organização, a lei do Marco Temporal vem intensificando a violência em territórios indígenas, o que deve ser agravado pela proposta em gravidez na percentagem do STF.