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Vale e outras mineradoras dão calote bilionário e afetam municípios de Minas Gerais e Pará - Mundo News
24 de Novembro, 2024

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Vale e outras mineradoras dão calote bilionário e afetam municípios de Minas Gerais e Pará

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TCU revela que apenas 1% dos contratos é fiscalizado pela ANM, que sofre desmonte; só a...

A maior mineradora do país, que acumula recordes de lucratividade na Bolsa de Valores brasileira, é também a que mais se beneficia do sucateamento da Filial Pátrio de Mineração (ANM). Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) no órgão mostra que a Vale não pagou, em seis anos, R$ 2,8 bilhões aos cofres públicos pela utilização econômica dos recursos minerais. 

O montante representa 71,5% dos R$ 4 bilhões da Ressarcimento Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) que caducou entre 2017 e 2021, referente a dívidas anuais que se arrastavam desde 2002, por inoperância do governo federalista. 

Os quatro municípios mais prejudicados pelo calote das empresas foram Mariana, Ouro Preto e Itabira, em Minas Gerais, e Parauapebas, no Pará. Somente Mariana – onde ocorreu em 2015 o rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton – deixou de receber murado de R$ 262 milhões de royalties do minério. Os estados de Minas Gerais, Pará, Amapá e Espírito Santo também estão entre os mais afetados pela falta de pagamento das mineradoras.

Enquanto postergava o pagamento da Cfem até prescrever, a Vale alcançou em 2021 um lucro histórico entre as empresas listadas na Bolsa de Valores brasileira, de R$ 121 bilhões. Ou seja, a Vale deixou de remunerar, em média, em seis anos, R$ 7,6 milhões por dia, mesmo tendo, em 2021, por exemplo, um lucro médio quotidiano de R$ 330 milhões.

Responsáveis por grandes tragédias humanitárias e ambientais, as mineradoras encontram no Brasil o cenário perfeito para faturar bilhões sem remunerar ao estado pela exploração mineral. A ANM, criada para regular e revistar o setor que é responsável por 4% do Resultado Interno Bruto (PIB) do país, alcançou o menor efetivo da história e o maior déficit de pessoal de todo o serviço público federalista.

O órgão conta com 659 funcionários, que representam 34,2% dos 2 milénio cargos previstos em lei. Desses, somente quatro trabalham na fiscalização de 39,3 milénio processos ativos. Segundo a sucursal, seriam necessários pelo menos mais 200 servidores somente para atender satisfatoriamente às demandas de fiscalização.

Nos últimos anos, foram fiscalizados 1,1% dos 6,1 milénio processos ativos de licença de lavra sem pagamento da Cfem e somente dois dos 1,1 milénio processos ativos de autorização de pesquisa, com guia de utilização, que também devem remunerar a indemnização. Para se ter uma teoria, em 2022, a ANM fiscalizou somente 17 empresas de mineração. 

E, para piorar, o sistema de arrecadação usado pelo órgão foi concebido na primeira dezena de 2000 e não permite prezar o volume da produção nem verificar se o valor devido foi integralmente pago pelo titular do recta minerário.

O resultado da deterioração da ANM é o rombo bilionário de dívidas prescritas ou decaídas – ou seja, que não foram cobradas ou sequer lançadas no período de cinco e dez anos, respectivamente. O prejuízo pode chegar a R$ 20 bilhões, que estão pendentes de pagamento, conforme mostra a auditoria do TCU nos procedimentos de arrecadação da Cfem.  

Problema vai além da Vale

Segundo o TCU, entre 2017 e 2021, os cofres públicos deixaram de receber valores expressivos também de outras empresas, incluindo R$ 445 milhões da Minerações Brasileiras Reunidas S.A. – pertencente à Vale –, R$ 52 milhões da Cadam S.A., R$ 35 milhões da Mineração Vila Novidade Ltda. e R$ 24 milhões da AngloGold Ashanti Ribeiro do Sítio Mineração S.A.

Outro oferecido alarmante indigitado no relatório refere-se à sonegação dos royalties do minério, que chegou a quase 70% em seis anos. Entre aqueles que pagaram, houve uma média de 40,2% de sonegação. A perda potencial estimada é de murado de R$12,4 bilhões.

“São bilhões que poderiam estar em moradia, saneamento, instrução, escola em tempo integral, diversificação econômica, saúde, e que está indo para aumentar o lucro da iniciativa privada”, destacou o consultor de relações institucionais e econômicas da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig), Waldir Salvador. 

Ele observa que as empresas estão usando o numerário da região para alavancar seus próprios negócios. “É muito melhor dar o canudo no governo do que pegar empréstimo no banco para fazer investimentos, é muito mais barato porque você sabe que não vai remunerar. Estão roubando da região e os governos assentam sobre isso”, criticou Salvador.  

A auditoria realizada na ANM abrangeu o período de 2017 a 2021, prioritariamente a gestão do governo de Jair Bolsonaro (PL), mas servidores ouvidos pela Filial Pública relataram que o cenário “desolador” do órgão, atualmente dirigido por Mauro Henrique Moreira Sousa, permanece o mesmo, em seguida quase dois anos da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

A sucursal foi criada em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), para substituir o Departamento Pátrio de Produção Mineral (DNPM). Ela é vinculada ao Ministério de Minas e Vontade. A pasta está atualmente sob o comando de Alexandre Silveira, que recebeu R$ 2 milhões em doações de mineradoras nas campanhas em que concorreu ao Senado, conforme mostrou o Observatório da Mineração.

A Pública procurou o Ministério de Minas e Vontade e a ANM, mas não obteve retorno até o momento. A Vale informou que efetua, regularmente, o recolhimento da Cfem “de concordância com o sistema jurídico vigente”. A empresa destacou que nos últimos dez anos recolheu R$ 29 bilhões em Cfem, distribuídos aos municípios pela ANM. “O recolhimento de suas obrigações é segmento fundamental da relação com a sociedade e divulgada de forma transparente em seu TTR – Relatório de Transparência Fiscal”, ressaltou a empresa. 

“A Vale permanece empenhada em gerar valor compartilhado e sustentável para todos os municípios onde atua, muito uma vez que contribuir para o desenvolvimento das economias locais, nacionais e global, por meio de suas operações, investimentos, tributos e royalties”, acrescentou a mineradora em nota.

Em resposta à Pública, a AngloGold afirmou que a empresa “atende com rigor toda a legislação vigente, principalmente a relacionada às obrigações tributárias. Eventuais divergências são discutidas nas esferas administrativas ou judiciárias perante as autoridades competentes”. As demais empresas ainda não responderam ao questionamento sobre os valores apontados pelo TCU feito pela reportagem.

ANM está “se aproximando do colapso”

A auditoria do TCU mostrou que a crise na ANM vem se aprofundando desde sua geração. Uma vez que as providências para alavancar o órgão não foram tomadas ao longo dos anos, a estrutura governamental, responsável por gerenciar um setor que “vem numa crescente de 35 anos”, está cada vez menor, conforme alertou Salvador. 

Em relação ao quadro de pessoal, em 2010, o DPN contava com 1.196 servidores, 72% a mais do que os 695 atuais da ANM. Entre os trabalhadores na ativa, 30% já podem se reformar a qualquer momento. Se não houver reposição, a sucursal só poderá racontar efetivamente com 486 funcionários, ou seja, 24% dos 2 milénio previstos em lei.  

Em setembro, os ministros de Minas e Vontade, Alexandre Silveira, e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, anunciaram a buraco de 220 vagas em concurso público para a ANM, que ainda será insuficiente para a eficiente realização das atividades do órgão, que vão além da fiscalização da Cfem e, ainda assim, muito aquém do número de cargos previsto em lei. 

Outro sinal do histórico de desmonte da ANM, indigitado pela auditoria do TCU com base em dados da Controladoria-Universal da União (CGU), é a “gradual e uniforme subtracção na quantidade de fiscalizações de Cfem”. Em 2014, foram realizadas 2.184 fiscalizações, e somente 173 em 2019. De concordância com o tribunal, os processos de cobrança autuados no período de 2017 a 2022 confirmam essa tendência: foram 426 no primeiro ano, 387 em 2018, 190 em 2019, 49 em 2020, 37 em 2021 e 68 em 2022. 

Se comparada às outras agências reguladoras do governo federalista, a ANM é a terceira com menor dotação orçamentária, segundo a auditoria do TCU, apesar de ter assumido 17 novas competências a partir da transformação de departamento em sucursal. 

O órgão informou à galanteio de contas que historicamente vem sendo contingenciado em torno de 85% de seu orçamento previsto em lei que deveria ser de 7% da arrecadação da Cfem. “Somente a receita já arrecadada pela ANM seria suficiente para evitar o declínio gradual da sua estrutura que já está se aproximando do colapso”, ressalta o ministro-relator do processo, Benjamin Zymler, no documento. 

O relatório foi analisado pelo plenário da galanteio em 9 de outubro deste mês. O tribunal listou uma série de recomendações e determinações à ANM “para sanar os problemas e melhorar o setor”. Propostas apresentadas pelo TCU em anos anteriores, no entanto, não foram adotadas.

Sonegação compensa? 

De concordância com o ministro Benjamin Zymler, “a equação de risco de ser fiscalizado e cobrado na sonegação, em conferência com o retorno decorrente do não pagamento de Cfem, incentiva a não enunciação e o não pagamento desses tributos”. Ele também ressalta no relatório que a arrecadação do royaltie de minério depende essencialmente da boa-fé dos responsáveis pelo seu pagamento. 

“Porém, não existem instrumentos para persuadi-los, uma vez que a estrutura fiscalizatória da ANM é incapaz de gerar a expectativa de controle no setor regulado e, mesmo em seguida as poucas fiscalizações, não se logra efetividade na cobrança de multas ou da própria Cfem sonegada em razão da incapacidade da equipe de contencioso”, concluiu Zymler.   

Segundo Waldir Salvador, os dados alarmantes apontados pelo TCU reforçam o pleito da Amig “para finalizar com a prática da autofiscalização e da autorregulamentação adotadas pelas empresas mineradoras”. 

O dirigente da Amig observou que as mineradoras sonegam os royalties, apesar de remunerar um dispêndio insignificante de impostos, em conferência com outros países e com outros setores no Brasil. Ele contou que dois estudos encomendados pela Amig à Universidade Federalista de Minas Gerais (UFMG) “concluíram que a mineração no Brasil é a menos onerada do mundo e entre os segmentos industriais brasileiros”.

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