DOZE PASSAS

Todos os anos morrem mais de 600 pessoas nas estradas portuguesas. O peso deste número dito diariamente numa campanha de alerta, de desvelo e de prevenção, não foi, nunca é, suficientemente eficiente para que os condutores deixem de se julgar os melhores do mundo, em pistas de corridas, e pensem mais na vida. Na sua, mas sobretudo na dos outros. Quando à meia-noite de trinta e um, engoli quase sem mastigar, as tradicionais doze passas dos desejos para o novo ano, fiquei com a sensação de que a cada fruto pretérito que traguei, insisti no voto de que o mundo fosse menos interesseiro, mais preocupado, mais solidário. Grande segmento dos milhares de acidentes de viação que ocorrem anualmente têm por base, não tenho dúvidas, a forma porquê os portugueses se tratam mal, se não respeitam, se odeiam. A cultura do ódio ganha ramificações a cada ano que passa, e é muito fruto da premência absoluta que todos temos em mostrar que somos mais valiosos que os nossos parceiros, que é no sucesso individual que a “coisa se dá”, e que o que importa é chegar primeiro, é lucrar. Zero mais inverídico. Se continuarmos a nutrir estas tristes formas de vida e de olhar o mundo, estamos a edificar sociedades medonhas, inseguras, sofridas, desiguais, e as doze passas que ingerimos com sabor a fé, crença, esperança e optimismo, transformar-se-ão num transfixar e fechar de olhos nas “passas do Algarve” porque passaremos todos, se não arrepiamos caminho.

As discriminações, os preconceitos, as guerras fazem segmento da nossa ementa do quotidiano, e são pratos de comida azeda que teimamos em manducar, mesmo sabendo que lhe foram adicionados todo o tipo de venenos. São venenos que matam, substâncias que causam danos, muitas vezes irreversíveis, e que só têm trato na prevenção, no fomento antecipado de uma cultura de oposição, assente no reverência e na honra. E não é com acessos de raiva, manobras perigosas, e corridas individuais que lá vamos. Andamos todos nesta estrada da vida, e só conseguimos fazer um caminho limpo, se desenvolvermos um esforço conjunto, começando naturalmente pelos governos, nacionais e regionais, por lideranças que promovam a tolerância e a compreensão, pelas instituições educacionais e formadoras na promoção da cidadania e do reverência pela variação, e pela sociedade social, em que cada um de nós se organiza, nem que seja pela forma porquê comunica diariamente a promoção de acções e gestos no sentido de uma vida segura, e de um pais hospitaleiro. Esta, uma das minhas passas, um dos meus desejos. Naif, pois logo!

O teor DOZE PASSAS aparece primeiro em Jornal Notícias da Covilhã.

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