Mulheres que denunciaram Boaventura de Sousa Santos por assédio são processadas na Justiça
4 min readQuase dois anos depois de divulgarem a primeira missiva anônima com denúncias de assédio sexual e moral contra o professor e sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, as pesquisadoras do coletivo internacional de vítimas do acadêmico estão sob julgamento. Quatro das 14 mulheres que fazem segmento do grupo foram processadas pelo próprio Boaventura em uma ação de resguardo da honra chamada de pedido de tutela de personalidade, que corre no Pensamento Sítio Cível de Coimbra, em Portugal.
A primeira audiência aconteceu nesta quarta-feira, 8 de janeiro. Na ação, Boaventura pede retratação pública nos principais jornais de Portugal, com o reconhecimento de sua primazia uma vez que professor e prova de profundo compunção. Solicita também que a Justiça estabeleça multa às vítimas para forçar a retratação. As pesquisadoras que estão sendo julgadas são Sara Araújo, Carla Paiva, Maria Teresa Martins e Gabriela Freitas Figueiredo Rocha. Três delas foram ouvidas com exclusividade pela Escritório Pública, em maio de 2024, quando decidiram sair do anonimato pela primeira vez e falar sobre os assédios sofridos enquanto estudavam ou trabalhavam com Boaventura.
Os relatos delas envolvem denúncias de assédio sexual e moral, doesto de poder, violência verbal e extrativismo intelectual, que é quando o trabalho de outra pessoa é utilizado sem reconhecimento devido de autoria nem remuneração.
O coletivo de vítimas classifica a ação judicial uma vez que uma novidade forma de assédio e de exprobação e denunciam que as redes sociais das mulheres processadas estariam sofrendo monitoramento por Boaventura. Elas lançaram a página Academia Sem Assédio e uma campanha de arrecadação de fundos para remunerar os gastos com o processo. A pesquisadora portuguesa Sara Araújo, que está entre as rés, escreveu no Facebook: “Fizemos tudo o que nos cabia e as únicas pessoas sob julgamento somos nós, as vítimas”.
Sara Araújo contou à Pública que sofreu assédios morais e sexuais quando trabalhou com Boaventura no Núcleo de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, que era coordenado por ele. Em uma das reuniões, o professor teria dito a ela: “O problema que existe entre nós é que tu és a única mulher com quem eu tenho uma relação tão próxima que não tem caráter sexual”. Boaventura nega as acusações feitas por ela e pelas outras pesquisadoras. Ele se diz vítima de “perseguição” e “vingança”.
A advogada das rés, Lara Roque Figueiredo, informou que duas pesquisadoras foram ouvidas neste dia 8 e que outras seis audiências já estão marcadas para janeiro. Ela disse que a “ação procura violentar a liberdade e os direitos” dessas mulheres. “É um ataque para tentar silenciá-las. Consideramos inadmissível que alguém seja obrigado a desmentir a história da sua vida”, disse à Pública.
Segundo Élida Lauris, pesquisadora brasileira que faz segmento do coletivo de vítimas de Boaventura, o professor solicitou à Justiça que outras nove pesquisadoras que assinaram uma carta de denúncias contra ele sejam incluídas no julgamento. “Esse processo é um exemplo do assédio que sempre sofremos. É um processo feudal em que Boaventura de Sousa Santos espera que a Justiça lhe dê razão com base na teoria de que é uma mando, não importam os procedimentos, regras ou direitos fundamentais”, comentou.
Para ela, a discussão que está sendo feita no tribunal em Portugal é mediano para os direitos das vítimas de assédio. “Pode se gerar um precedente de resguardo absurda dos agressores ou de asseveração do recta à denúncia. Se o tribunal declarar que denunciar não é ofensa à honra abre um precedente para substanciar as denúncias e guerrear a estratégia de resguardo dos agressores, que querem tentar virar as denúncias esperando que o conservadorismo dos tribunais os favoreça”, considera.
A reportagem procurou Boaventura por email, mas não recebeu respostas dele até a publicação. O espaço segue lhano.
Questionário sobre denúncias de assédio foi encerrado
O professor, que tinha sido suspenso de suas atividades em 2023, demitiu-se em novembro pretérito alegando que o CES tinha transportado o interrogatório de forma parcial e sem recta à resguardo. O CES encerrou o interrogatório interno para apuração das denúncias sem que as conclusões do processo tenham se tornado públicas. A direção pediu desculpas públicas às vítimas de assédio e doesto, mas não citou Boaventura nominalmente.
A advogada Lara Roque informou que, ainda em janeiro, representantes do coletivo internacional de vítimas de Boaventura esperam se reunir com a direção do CES para entender o que aconteceu. “As pesquisadoras foram ouvidas, mas não sabemos se chegaram a concluir a investigação”, disse. O processo do Ministério Público de Portugal que apura as denúncias de assédio sexual e moral contra o professor continua correndo em sigilo de justiça.
Boaventura de Sousa Santos é um sociólogo de renome internacional, com livros publicados em vários idiomas e países. As primeiras acusações de assédio contra ele surgiram em março de 2023, no capítulo de um livro assinado por pesquisadoras de Coimbra. O texto protegia a identidade das denunciantes e não citava nominalmente Boaventura, chamado unicamente de “professor-estrela”. Ele mesmo assumiu ser o “professor-estrela”.
Em abril de 2023, a Pública revelou com exclusividade as denúncias da deputada federalista Bella Gonçalves (PSOL-MG), que contou ter sofrido assédio sexual do professor quando foi orientanda de doutorado.