“Perdemos o clima como aliado”: dengue se espalha pelo Brasil e desafia sistema de saúde

“Estamos perdendo o clima porquê coligado cá no Sul”, diz a médica Ana Cristina Vidor sobre a guerra do Brasil contra a dengue. Porquê gerente da vigilância epidemiológica (ramificação responsável por detectar e prevenir o espalhamento de doenças transmissíveis) da Secretaria de Saúde de Florianópolis, Vidor tem visto de perto a doença continuar pelo território pátrio. 

“Antes de 2010, nós contávamos o número de focos e não enchíamos os dedos das duas mãos. Não teve dengue transmitida em Florianópolis até 2014. A gente investigava os casos de maneira artesanal e intensiva. Não era uma doença daqui”, diz ela. 

Esse cenário durou até 2020, quando o número de casos começou a aumentar de forma mais pronunciada ano posteriormente ano, até explodir em 2023, chegando a 21 milénio casos confirmados na capital catarinense. “Foi o caos”, resume Vidor. 

Para o país, o ano pretérito foi ainda pior: mais de 6,6 milhões de casos prováveis, número sem precedentes que representou um aumento de 300% em relação a 2023. Ainda em 2024, 6.103 pessoas morreram da doença – superando as mortes por covid-19. 

Os termos bélicos para se referir ao progressão da dengue não são excesso. A doença tem o maior impacto entre todas as arboviroses (doenças transmitidas por vírus que usam, principalmente, mosquitos porquê vetores), com uma estimativa de 10 milénio mortes e 100 milhões de infecções sintomáticas por ano em mais de 125 países. Antes associada aos países tropicais, a dengue já afeta mais da metade da população mundial. 

No Brasil, o mosquito chegou a ser erradicado em 1955. Mas, com o relaxamento das medidas de controle, o Aedes aegypti voltou a circunvalar no país no final da dezena de 1960. Desde logo, vem ganhando terreno e desafiando o sistema de saúde. Epidemias da doença, que eram sazonais e mais concentradas em algumas regiões, passaram a ser um problema não somente em quase todo o país, mas também com uma frequência maior.

Risco para as próximas décadas

Dados e pesquisas mostram que essa expansão está diretamente relacionada à crise climática – e, por isso, tem potencial para piorar ainda mais. 

Uma novidade estudo do AdaptaBrasil, plataforma do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para calcular os diferentes impactos das mudanças climáticas, procurou quantificar esse risco. 

Entre 2017 e 2022, uma média de 15% dos municípios tiveram incidência subida ou muito subida de casos de dengue, zika e chikungunya. 

Para 2030, caso a temperatura média do planeta continue aumentando, 50% dos municípios passam a apresentar risco sobranceiro ou muito sobranceiro das arboviroses transmitidas pelo Aedes aegypti, de contrato com a estimativa antecipada, com exclusividade, à Escritório Pública. Em 2050, serão quase 53% dos municípios. 

Para prezar o risco, os pesquisadores do AdaptaBrasil consideraram, além de indicadores climáticos (porquê temperatura e precipitação), fatores de vulnerabilidade, porquê densidade populacional e de rodovias (que facilitam a circulação de pessoas que podem estar infectadas), entrada a coleta de lixo e saneamento capital, quantidade de favelas e taxa de desmatamento.

“As regiões Sul e Setentrião tinham taxas de incidência dessas doenças, entre 2017 e 2022, muito baixas. Mas, quando a gente começa a fazer a combinação de variáveis de vulnerabilidade e exposição, vemos o risco aumentar para essas regiões”, explica Cassia Lemos, pesquisadora do Instituto Vernáculo de Pesquisas Espaciais (Inpe) e assessora de teor da plataforma AdaptaBrasil.

“No caso da dengue, a temperatura mínima é importante para o desenvolvimento do vetor, do Aedes aegypti. Essa mínima está aumentando no país porquê um todo. A região Sul, que tinha temperaturas mais frias, começa a ter condições favoráveis”, diz ela. 

Um dos objetivos da estudo, que em breve será disponibilizada na plataforma, é subsidiar os gestores municipais para que eles possam se antecipar às doenças. Sabendo se suas cidades estarão mais suscetíveis a elas, podem tomar medidas para evitar, por exemplo, a formação de criadouros do mosquito. 

Chuva, calor e mais mosquitos

Com temperaturas mais altas, essas ações se tornam ainda mais urgentes. A reprodução do mosquito é provável entre 18 °C e 33 °C de temperatura, e o pausa ideal para a manutenção da transmissão é entre 21 °C e 30 °C , um padrão generalidade no Brasil. Ou por outra, se desenvolve mais rápido. 

“Estudos de laboratório mostram que, se a temperatura sobe 1 °C, o ciclo de vida diminui em dois dias. Se, em média, vagar dez dias para o mosquito chegar à tempo adulta, passa a demorar oito. Portanto o aumento de temperatura vai gerar cada vez mais mosquitos”, explica a bióloga Camila Lorenz, pós-doutora na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).

Além de temperaturas mais altas, o Aedes precisa de chuva paragem: é ela que dispara o desenvolvimento dos ovos e é o meio para que as larvas e pupas se desenvolvam até se transformarem em mosquito. Para que haja dengue, uma fêmea da espécie precisa pungir alguém doente. Só assim ela ficará infectada pelo vírus da doença e poderá transmiti-lo às outras pessoas que pungir. 

“Um dos cenários com mais transmissão de dengue é quando temos uma sequência de chuvas fortes e, depois, uma vaga de calor. O mosquito vai aproveitar a chuva estagnada em diversos tipos de recipientes. E o calor acelera demais a reprodução dele. É exatamente esse cenário [que se observa] no Sudeste neste prelúdios de ano”, aponta Christovam Barcellos, pesquisador do Observatório de Clima e Saúde, da Instauração Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Depois de um início de janeiro pluviátil no Meio-Oeste e no Sudeste, as temperaturas subiram, com os termômetros supra dos 30 °C em cidades de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. 

Dengue ganhando terreno

Barcellos é um dos autores de uma pesquisa do Observatório de Clima e Saúde, publicada na revista Scientific Reports no ano pretérito, que analisou fatores climáticos e demográficos por trás do espalhamento da dengue pelo país num período de 21 anos, entre 2000 e 2020. 

Os pesquisadores descobriram que a frequência de anomalias térmicas durante o verão – períodos de temperaturas mais altas que a média histórica – é o indicador que mais explica o aumento das taxas de incidência de dengue ao longo do tempo. Ou por outra, observaram que áreas de maior altitude, anteriormente considerado um fator limitante na transmissão da dengue, agora são suscetíveis ao mosquito, que está subindo as montanhas, porquê disse Barcellos. O Aedes já chegou à Zona da Mata em Minas Gerais e áreas de planalto. 

“O padrão que vemos é a expansão cada vez mais para o Sul. Antes, a dengue se concentrava praticamente só em São Paulo. Em 2000 começa a pegar o planalto do Paraná. E, desde logo, está indo mais para o Sul, chegando ao Rio Grande do Sul, com as temperaturas mais altas”, explica. 

Segundo ele, outro fator é a mobilidade da população. Cidades e comunidades nos estados da Amazônia, por exemplo, que tinham mais restrição de mobilidade, e, portanto, estavam menos sujeitas às arboviroses transmitidas pelo Aedes, passam a circunvalar mais com a ampliação de estradas, facilitando o contato de mosquitos com pessoas infectadas. A urbanização desordenada e precária, por sua vez, produz criadouros para os mosquitos.

Para o pesquisador, essa expansão é um alerta para os serviços de saúde que não têm um histórico de enfrentamento da doença. 

Foi exatamente o que aconteceu com os profissionais de Florianópolis, porquê relata a médica Ana Cristina Vidor. “Eles só tinham visto dengue no livro”, conta ela. “Todo ano nos preparávamos com treinamentos, o que provavelmente atenuou, mas ainda assim é dissemelhante quando estamos lidando com a epidemia na prática. Até entender a dinâmica da doença – porquê ela se prolifera, o sentido do protocolo com os pacientes –, tivemos muita dificuldade.”

Para complicar ainda mais, em alguns lugares a circulação das arboviroses coincide com a dos vírus que causam doenças respiratórias, porquê a covid-19. Os sintomas das doenças podem ser bastante parecidos, dificultando um diagnóstico galeno. Não à toa, em março do ano pretérito, o Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de testes rápidos para diagnosticar casos de dengue. 

Epidemias grudadas

O estudo do Observatório de Clima e Saúde, da Fiocruz, também verificou uma intensificação dos surtos e epidemias, com maior quantidade de casos no Meio-Oeste, Nordeste e Sudeste, e aumento do período epidêmico. 

O padrão anterior, com início de casos em janeiro e fevereiro, pico em abril e queda já a partir de maio, acabou. Agora, a dengue começa mais cedo. Em alguns lugares, continua sendo transmitida no ano inteiro, até no inverno, ainda que com menos casos. E se vem uma vaga ou pico de calor em pleno inverno, melhor ainda para o mosquito. 

Ou por outra, uma epidemia de dengue passou a grudar na outra, eliminando anos de pausa – 2022, 2023 e 2024 foram todos de epidemia. 

“Epidemias em universal desafiam o sistema de saúde, porque uma segmento relevante da população depende exclusivamente do SUS. Já é um serviço que opera no limite. E uma epidemia aumenta ainda mais a demanda”, diz o infectologista Gerson Salvador, que atua no Hospital Universitário da USP e no Hospital das Clínicas, em São Paulo. 

Porquê, no universal, os casos de dengue são leves, a doença primeiro demanda muito dos serviços de saúde básica, que precisam oferecer estrutura para diagnosticar e observar os pacientes. Em casos graves, que podem provocar hepatites, problemas neurológicos e cardíacos, a internação prolongada pode ser necessária, o que exige infraestrutura hospitalar. 

A perspectiva é que 2025 represente qualquer conforto nas condições climáticas na conferência com os últimos dois anos, os mais quentes do registro histórico global – recorde derrotado por uma combinação de mudanças climáticas com um potente El Niño, fenômeno de aquecimento irregular da superfície do oceano Pacífico que provoca subida de temperaturas, maior incidência de chuvas em algumas regiões e, em outras, secas severas.

Um estudo publicado em setembro mostrou que anos com El Niño potente tiveram maior quantidade de larvas do mosquito em recipientes ao ar livre no estado de São Paulo.

“Nós também avaliamos a desigualdade de renda porquê fator. Municípios mais desiguais também têm maior potencial de infestação. Neles, muitas vezes a coleta de lixo não é uniforme, daí o lixo fica acumulando com recipientes que podem ter chuva paragem. Tem município que não tem chuva 100% encanada, logo as pessoas precisam armazenar em caixas, galões”, diz Lorenz, uma das autoras do estudo. 

A dengue, por fim, também é uma doença urbana, que se beneficia de saneamento capital e coleta de lixo insuficientes, moradias precárias, ruas esburacadas, obras paradas. Enfrentar esses problemas é fundamental para prevenir a transmissão, ainda mais em contexto de baixa disponibilidade de doses e baixa adesão à vacinação contra a dengue. 

A vacina disponível no SUS, a Qdenga, produzida pela farmacêutica japonesa Takeda, exige duas doses, com pausa de três meses. O Instituto Butantan já começou a produzir a sua vacina contra a dengue, de exclusivamente uma ração, mas ainda aguarda a aprovação da Anvisa para que o imunizante possa ser incorporado ao SUS. Tudo indica que, neste ano, a vacina ainda não será a projéctil de prata para controlar a dengue. 

Segundo o Ministério da Saúde, há atualmente 99 milénio casos prováveis de dengue no país, número muito aquém dos mais de 200 milénio para o mesmo período no ano pretérito, mas já supra dos 64 milénio de 2023. 

Uma grande incerteza para nascente ano é se os tipos 3 e 4 de dengue, que não circulavam há anos no Brasil (o sorotipo 3 ressurgiu agora, depois de 17 anos), vão produzir um novo estrago. Isso porque a dengue possui quatro tipos diferentes – o 1 e o 2 são endêmicos no país –, e quando uma pessoa é infectada só desenvolve isenção contra aquele determinado tipo. Com o expansão do período de transmissão, é provável pegar mais de um tipo no mesmo ano.

Por isso, os especialistas ouvidos insistem que é fundamental agir rápido na prevenção contra a doença. 

“Ainda é muito mais barato a gente investir no controle artesanal, com agentes nas ruas atuando junto com as comunidades para manter o envolvente saudável, do que botar todo o moeda na assistência”, diz Ana Cristina Vidor. “Agir com os agentes nas ruas é atrasar e achatar a curva de casos.”