Depois da morte de irmã Dorothy, 21 assassinatos seguem impunes em Anapu
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Anapu (PA) mudou menos do que deveria 20 anos depois do homicídio, a mando de grileiros, de Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005. Desde portanto, apesar da atenção dada pelo governo federalista e a intensa comoção internacional com a morte da missionária americana, outras 21 pessoas foram assassinadas no contexto de luta pela terreno no município, localizado a 375 km em risca reta da capital Belém.
Com um agravante: se a pressão pela punição dos criminosos no caso de mana Dorothy resultou em uma investigação capaz de chegar a executores e mandantes, julgados e, por término, presos, depois alguns anos de guerra judicial, a impunidade é a marca dos crimes que voltaram a ocorrer ainda em 2005, com dois mortos, e chegaram a 19 vítimas em sequência, entre 2015 e 2019.
Nenhum executor e nenhum mandante estão atualmente presos por qualquer um dos crimes, segundo um levantamento da Sucursal Pública feito a partir do intercepção de informações da Percentagem Pastoral da Terreno (CPT), da Defensoria Pública do Pará (DPE-PA) e de processos judiciais tramitando no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA).
Em unicamente três dos casos, houve julgamento em alguma instância, com duas absolvições. Em oito dos homicídios, a investigação policial não deu em zero e o questionário acabou arquivado a pedido do Ministério Público, sem que nenhum responsável tenha sido assinalado. Em três das mortes, não há nenhum registro de investigação policial ou processo judicial e em duas os inquéritos não foram concluídos. Os outros cinco assassinatos estão tramitando em primeira instância.
“A soma de destinação ilícito de terras públicas, grilagem, impunidade – seja dos crimes ambientais, seja dos crimes contra as pessoas – faz com que a região continue sendo de intensos conflitos. Os anos passam e zero muda. Isso se intensificou nos governos Temer e Bolsonaro, porque houve um incentivo à expansão dessas práticas criminosas”, afirma José Batista Afonso, jurisperito da CPT na diocese de Marabá (PA).
Os crimes em Anapu tiveram duas motivações principais, segundo a CPT: a resistência contra invasores dos projetos de desenvolvimento sustentável (PDSs), protótipo de assentamentos que foram idealizados por mana Dorothy Stang; e, em privativo, a luta contra a grilagem de terras públicas que deveriam ser destinadas à reforma agrária, muitas vezes através de ocupações de agricultores sem terreno.
As mortes colocam o município em destaque quando se fala em violência ligada aos conflitos de terreno: entre 2013 e 2022, foi a cidade mais violenta em contexto agrário do país, segundo dados da CPT compilados pela Pública no Mapa dos Conflitos, mesmo considerando que só houve mortes no município em metade do período analisado. O Pará, estado mais violento, registrou 104 mortes nesse período – mais de 18% delas, portanto, foram em Anapu.
Por que isso importa
- Anapu (PA), sítio do homicídio de mana Dorothy em 2005, segue sendo recordista em mortes em conflitos por terreno. A impunidade é uma das razões para a violência, já que nenhum desses casos terminou em pena judicial.
A impunidade que reina em Anapu também é uma marca dos conflitos de terreno no Pará, demonstrada por diferentes levantamentos feitos na base de dados da CPT.
Em setembro de 2019, a organização não governamental Human Rights Watch publicou um relatório mostrando que, entre 2009 e 2018, o Brasil só havia julgado 14 dos 300 assassinatos no campo. No Pará, dos 89 mortos, só quatro tinham tido seus algozes julgados até aquele momento.
Um outro levantamento, feito em 2013 pelo historiador Airton dos Reis Pereira, doutor em história pela Universidade Federalista de Pernambuco (UFPE) e professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), mostra que a impunidade para os crimes no campo no Pará perdura há décadas. Até 2013, unicamente 15 dos 914 casos (1,6% do totalidade) levantados por Pereira na base do CPT foram a julgamento e somente seis pessoas estavam presas, todas elas ligadas a casos de maior repercussão, uma vez que a morte de mana Dorothy.
“Há vários elementos que compõem a impunidade. Nem sempre se abre questionário e nem sempre os inquéritos são concluídos, às vezes por morosidade ou má vontade do mandatário. Mesmo tendo um questionário bem-feito, nem sempre a denúncia é oferecida ou vai para julgamento. E, quando há julgamento, nem sempre o mandante ou executor são condenados, porque muitos juízes compartilham de uma cultura que é dos grandes proprietários de terreno”, aponta Pereira.
Ainda em 2005, dois casos de homicídio até hoje impunes
No mesmo ano em que mana Dorothy foi assassinada, outros dois trabalhadores foram mortos em Anapu.
Em 15 de fevereiro, três dias depois da morte da religiosa, Cláudio Dantas Muniz, morador da Leiva Manduacari, uma das áreas de assentados disputadas por grileiros, foi assassinado. Uma pessoa chegou a ser denunciada pelo Ministério Público, mas acabou absolvida pelo juiz responsável sem ir ao Tribunal do Júri.
Já Raimundo Nonato Pereira de Moraes, liderança do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Virola-Jatobá, assentamento defendido por Dorothy, foi morto em 13 de maio daquele ano. Não há informações sobre investigação ou processo judicial no caso de Moraes, segundo a CPT.
Depois das duas mortes, Anapu teve um hiato de mais de dez anos sem novos assassinatos ligados a conflitos no campo, período que coincidiu com avanços na luta pela terreno na região. Em 2015, no entanto, na mesma estação em que se iniciou um processo de prostração do Instituto Vernáculo de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com cortes orçamentários e interrupção de novos assentamentos, a relativa calmaria foi interrompida, e o município à ourela da Transamazônica assistiu a um homicídio detrás do outro. Entre julho daquele ano e dezembro de 2019, foram 19 homicídios relacionados à luta por terreno no município.
A maior secção das 21 mortes ocorridas em Anapu se relaciona com conflitos de terreno no lote 83 da Leiva Bacajá. Foram cinco assassinatos em 2015 e mais um em 2017.
Durante esse período, o lote ocupado pelos sem-terra era reivindicado por fazendeiros uma vez que Regivaldo Galvão (“Taradão”), um dos condenados pelo homicídio de mana Dorothy, e Debs Antônio Rosa. Segundo a CPT, porém, tratava-se de terras públicas, e a ocupação dos trabalhadores rurais sem-terra tinha uma vez que objetivo pressionar o Incra para que a espaço fosse destinada para a reforma agrária.
Em 2018, Debs Rosa foi réprobo em primeira instância a dez anos de prisão em regime fechado uma vez que mandante do homicídio de José Nunes da Cruz, sabido uma vez que “Zé da Lapada”. O transgressão, ocorrido em outubro de 2015, teria tido uma vez que motivação a liderança de Cruz entre os assentados do lote 83. Segundo a CPT, o quinteiro teria ameaçado o sem-terra tempos antes de sua morte.
Debs Rosa chegou a permanecer recluso preventivamente pelo homicídio, mas acabou solto e está aguardando julgamento em segunda instância em liberdade. Enquanto isso, tem ampliado seus negócios, promovido festas com sertanejos famosos e se aproximado de políticos, uma vez que revelou a Repórter Brasil.
Ele não é o único membro da família Rosa envolvido em assassinatos em Anapu. Seu pai, Onesio José Dias Rosa, é culpado de ter matado o sem-terra Cosmo Pereira de Castro em agosto de 2015, meses antes da morte de Zé da Lapada. Onésio Rosa foi pronunciado pela Justiça em dezembro de 2024 e agora aguarda julgamento pelo Tribunal do Júri em liberdade.
As outras quatro mortes relacionadas ao lote 83, de Edinaldo Alves Moreira (“Lourinho”), Jesusmar Batista Farias (“Suis”), Cláudio Bezerra da Costa (“Ivanzinho”) e Jhonatan Alves Pereira dos Santos (“Jhon”), tiveram questionário instaurado pela polícia, mas todos acabaram arquivados sem que um responsável fosse assinalado.
A sequência de assassinatos acabou afastando os sem-terra do lote 83. “[O conflito] não se encerrou, mas, com tantos assassinatos, os trabalhadores desistiram naquele momento. Eles que sabem a hora de voltar”, explica a mana Jane Dwyer, uma das religiosas que deram seguimento ao legado de Dorothy Stang em Anapu.
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Liderança morta havia alertado sobre ameaças
Os nomes das 19 pessoas tombadas na luta pela terreno no município desde 2015 estão registrados em uma cruz vermelha, fincada no pavimento do Meio de Formação São Rafael, a 1 km do núcleo de Anapu, ao lado do túmulo de Dorothy Stang. A secção nivelado da cruz está completamente preenchida, e foi necessário usar a secção vertical para incluir os nomes mais recentes.
Boa secção das vítimas homenageadas na cruz foi morta na área urbana – uma tática para que a investigação não relacione os assassinatos com o conflito agrário, o que de trajo ocorreu em inúmeras ocasiões.
É o caso do homicídio do jovem Hércules Santos de Souza, de 17 anos, morto em terreiro pública em Anapu, quando saía de uma sarau em outubro de 2015. Mais de nove anos depois, a ação penal que investiga a morte de Hércules de Souza segue em crédulo, tramitando em sigilo de justiça. O culpado pelo transgressão responde em liberdade.
O homicídio foi o primeiro dos quatro ligados a disputa por terreno no lote 46 da Leiva Bacajá, reivindicado pelos irmãos Silvério e Luciano Fernandes.
O segundo a ser morto por pistoleiros foi um tio de Hércules de Souza, Valdemir Resplandes dos Santos, o “Muletinho”, assassinado em janeiro de 2018. Liderança da ocupação, ele já havia relatado as ameaças que vinha sofrendo em uma reportagem da TV Brasil em 2016.
No mesmo dia, Gazimiro Sena Pacheco, o “Gordinho”, também foi executado. Parente de Muletinho, ele teria tomado conhecimento dos planos para matar a liderança do lote 46 e por isso também acabou morto. Em ambos os casos, o questionário policial instaurado para investigar os crimes acabou sem que ninguém fosse denunciado.
A impunidade relacionada às duas mortes motivou a Defensoria Pública do Pará a denunciar o caso à Percentagem Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em parceria com a Clínica de Direitos Humanos da Amazônia da Universidade Federalista do Pará (UFPA). A petição ainda aguarda estudo do órgão internacional.
A outra vítima dos conflitos no campo no lote 46 foi Leocy Resplandes de Souza, primo de Hércules e sobrinho de Valdemir. Ele foi assassinado em junho de 2018, com um tiro de espingarda, meses depois a morte de seu tio. Duas pessoas chegaram a ser presas pelo transgressão, mas em maio do ano pretérito o Tribunal do Júri, realizado em Belém, inocentou os réus. Para o jurisperito José Batista, da CPT, a indulto por falta de provas é revérbero de um “trabalho de investigação muito malfeito”.
Outras três mortes ocorreram em outra espaço de conflito em Anapu, no Projeto de Assentamento (PA) Pilão Poente II, também na Leiva Bacajá, sem que ninguém fosse indiciado pelos crimes. Também não resultaram em julgamento outros quatro assassinatos, ocorridos entre 2015 e 2016, em áreas conflituosas do Pará.
Os dois casos mais recentes ocorreram em sequência, em dezembro de 2019.
No dia 4, o sem-terra Márcio Rodrigues dos Reis foi morto em uma emboscada, com uma faca na goela – uma exceção nos crimes de Anapu, que ocorreram todos com armas de queima. Liderança do acampamento do lote 44 da Leiva Bacajá, ele era ameaçado havia anos e chegou a transpor de Anapu. Quando voltou, piedoso de que o risco havia pretérito, acabou morto depois ter sido chamado para fazer uma corrida de mototáxi.

No dia do enterro de Márcio dos Reis, o presidente da associação sítio de mototaxistas organizou um protesto, pedindo justiça pela morte do companheiro. Tratava-se de Paulo Anacleto, um ex-conselheiro tutelar e ex-vereador que chegou a rivalizar com a missionária Dorothy Stang, mas acabou mudando de lado e se aliando aos sem-terra.
Anacleto foi morto cinco dias depois, em uma terreiro do núcleo da cidade. Em 2021, a Polícia Social deflagrou uma operação que visava prender três pessoas que seriam os mandantes do transgressão. Dois políticos, incluindo um ex-vereador, foram presos, e uma pessoa estava foragida. Os nomes não foram divulgados e não há informações se elas continuam presas.
A ação penal está tramitando em primeira instância, em sigilo de justiça. Há controvérsia se o transgressão teve relação com o conflito agrário ou se foi uma questão política. O nome de Paulo Anacleto segue ao lado do túmulo de mana Dorothy, na cruz vermelha que homenageia os tombados na luta pela terreno em Anapu.
Sem-terra, assentados e aliados seguem ameaçados em Anapu
Mesmo sem novos casos de homicídio desde dezembro de 2019, a violência contra os sem- terreno e seus aliados em Anapu não cessou, mas assumiu outros formatos.
Um dos sucessores de Dorothy Stang na cidade paraense, o padre José Amaro Lopes de Souza, sabido uma vez que padre Amaro, passou a ser perseguido judicialmente por grileiros locais. Um deles é Silvério Fernandes, um dos fazendeiros que pleiteiam o lote 46, onde quatro pessoas foram mortas entre 2015 e 2019.
O religioso foi culpado de ser encarregado de uma organização criminosa que estaria invadindo terras no município. Entre as acusações, invasão de propriedade, lavagem de moeda, roubo e ameaço. Amaro chegou a ser recluso, sendo levado para o mesmo presídio onde cumpria pena Regivaldo Pereira Galvão, o “Taradão”, um dos mandantes do homicídio de mana Dorothy.
Amaro foi solto e segue aguardando julgamento das acusações feitas contra ele, o que deve ocorrer ainda em 2025. A expectativa da CPT é que o religioso seja plenamente inocentado, mas a perseguição implacável fez com que Amaro fosse obrigado a deixar Anapu e passasse a atuar em outro município da região. A saída do religioso não interrompeu a violência contra os assentados em Anapu.
Em 2022, um grupo de dez homens queimou casas e fez ameaças a agricultores do lote 96 da Leiva Bacajá, uma das áreas de maior conflito do município nos últimos anos. Nos anos anteriores, Erasmo Alves Theofilo, uma das principais lideranças do lote, teve que transpor de Anapu mais de uma vez por conta das ameaças de morte e dos atentados que vinha sofrendo, uma vez que denunciou a Pública.
Colegas de Amaro, as missionárias Jane Dwyer e Katy Webster, que também deram perpetuidade ao trabalho de Dorothy Stang em Anapu, seguem atuando junto aos sem-terra na região, mas sob a sombra de ameaças constantes.

Entre 2020 e 2023, a CPT de Dwyer e Webster registrou oito casos de ameaças de morte em Anapu, envolvendo 17 pessoas – pode ter havido repetição de vítimas de um ano para o outro, já que a pastoral não costuma identificar os ameaçados em seu levantamento.
Em 2024, Elvenício dos Santos, uma das lideranças do PDS Virola-Jatobá, precisou deixar o assentamento temporariamente depois de ter visto escalar o tom das intimidações que costuma suportar por proteger o protótipo. As ameaças de morte partiram de pessoas que acreditam que ele está por trás das tímidas intervenções do Incra no assentamento, uma vez que o combate à extração ilícito de madeira, que voltaram a ocorrer no atual governo.
Ainda no ano pretérito, o níveo da violência foi a memória de mana Dorothy. Uma placa que homenageia a missionária e outros mártires da luta pelo campo, há anos crivada de balas, foi derrubada e jogada longe do sítio onde costuma permanecer, perto de onde Dorothy foi morta. A placa foi encontrada e colocada ainda mais basta pelos assentados.
Outro lado
A Pública contatou o Incra, o Ministério Público do Pará e a Polícia Social do Pará, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.