Calor na escola: 2,5 milhões de crianças estudam em locais 3°C mais quentes que as cidades
13 min read
“Tem vezes que eu primícias a suar tanto na sala de lição que chega a molhar o caderno. Eu só fico sentado no recreio, não tenho vontade de fazer zero, por justificação do calor.”
Quem diz isso é Davi, de 8 anos, estudante do 3º ano da Escola Estadual Professor José Escobar, que fica no bairro Sacomã, em São Paulo. Sua mãe, Keila, ficou surpresa ao entender a seriedade do calor que o fruto passa no sítio: “Às vezes ele chega da escola falando que não está aguentando de calor, mas eu não tinha teoria que era nesse nível. Se eu soubesse antes, já tinha reclamado”.
Davi é um dos mais de 2,5 milhões de crianças e adolescentes que estudam em escolas que ficam em áreas pelo menos 3 °C mais quentes do que as cidades onde estão. Quase um terço do totalidade de crianças matriculadas nas 27 capitais do país está nessa situação. É o que revelam dados extraídos pela Dependência Pública de uma pesquisa recente do Instituto Alana e do MapBiomas. Os indicadores dão a dimensão das ilhas de calor que afetam as instituições de ensino públicas e privadas do Brasil.
A José Escobar, onde o menino Davi estuda, fica em um sítio 9,25 °C mais quente do que a média de temperatura da capital paulista, segundo a pesquisa. É a escola estadual mais quente da cidade e a terceira mais aquecida de todo o município.
O estudo foi fundamentado em medições de temperatura por satélite em 2023. Os pesquisadores compararam a média anual dos termômetros nos pontos de localização de quase 20 milénio escolas de todas as capitais com as temperaturas das cidades onde elas se localizam. Assim, foi estabelecido um valor que representa o ramal de temperatura de cada escola analisada.

No caso da José Escobar, esse ramal é de 9,25 °C. O satélite detectou a temperatura de 39,24 °C no sítio, enquanto a média da cidade era de 29,99 °C. Isso não significa necessariamente que o interno da escola atinja os 39,2 °C, mas sim que superfície onde ela está alcança esse nível de calor.
Na cidade de São Paulo, 7 das 20 escolas em locais mais quentes com maiores desvios de temperatura do município são creches parceiras conveniadas com a prefeitura. Há 201 unidades desse tipo com ramal de temperatura de pelo menos 4 °C, onde estão matriculados mais de 23 milénio bebês e crianças de até 3 anos.
No Rio Grande do Sul, onde a Justiça chegou a ordenar a suspensão do início das aulas na rede estadual, que estava marcado para o dia 10, devido à onda de calor, 51,8% dos estudantes de Porto Feliz estão matriculados em escolas situadas em locais pelo menos 3 °C mais quentes que a capital, de concórdia com dados da pesquisa do Instituto Alana.
Segundo João Paulo Amaral, um dos coordenadores da pesquisa, essas condições têm impacto direto no ensino. “A escola deve ser o equipamento mais saudável para as crianças estarem, já que é o envolvente no qual elas geralmente passam a maior segmento do tempo durante a puerícia. Elas precisam de uma exigência salubre para poder ter maior aprendizagem e aproveitamento da instrução”, afirma.
Por que isso importa
- País vem enfrentando sucessivas ondas de calor e quase um terço do totalidade de crianças matriculadas em escolas públicas e privadas das 27 capitais estuda em escolas localizadas em áreas vários graus ainda mais quentes do que as próprias cidades onde elas estão.
- Calor excessivo e uniforme prejudica o aprendizagem e pode colaborar para a evasão escolar; situação demanda que estruturas sejam adaptadas.
No contexto atual de agravamento das mudanças climáticas, as ondas de calor e o estresse técnico podem afetar o desenvolvimento físico das crianças e a habilidade de aprender. “Proporcionalmente, elas precisam tomar mais líquido e respirar mais do que os adultos [por terem uma frequência respiratória mais alta], e isso acaba fazendo elas se desidratarem mais facilmente, o que pode impactar em problemas de saúde e de aprendizagem”, analisa Amaral.
Outro destaque da pesquisa do Instituto Alana é a situação das unidades de ensino das capitais da região Setentrião, onde está a maior proporção de alunos em áreas mais quentes. Dos 419 milénio estudantes de escolas públicas e privadas de Manaus (AM), maior cidade da Amazônia, mais de 316 milénio (75% do totalidade) estudam em locais pelo menos 3,5 °C mais quentes que a média anual do município.
Em Boa Vista (RR), 73% das crianças e adolescentes frequentam escolas com o mesmo nível de aquecimento. Já em Macapá (AP), o percentual sobe para 76% do totalidade de matriculados em instituições com ramal de temperatura supra de 3,5 °C.
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Amaral aponta que um dos problemas das escolas amazônicas é que elas geralmente não são construídas levando-se em conta as particularidades climáticas do bioma e seguem um padrão de colocar os alunos em salas fechadas por quatro paredes.
“O gravura das escolas e os tipos de materiais [usados na construção] precisam ser escolhidos de concórdia com o clima. O financiamento público da infraestrutura escolar é muito padronizado e permite pouca flexibilidade para identificar essas diferenças das condições climáticas locais”, analisa o pesquisador.
Vivian Batista, professora da Faculdade de Instrução da Universidade de São Paulo (USP), afirma que seria proveitoso que as escolas tivessem janelas amplas, ambientes arejados e espaços de contato com a natureza. “São pontos que já vêm sendo assinalados pelos educadores há mais de um século, a pedagogia já labareda a atenção para esses aspectos há muito tempo. Parece que só agora com o aumento da temperatura é que as pessoas estão se dando conta do quanto essa adaptação é necessária.”
Quanto mais quente a escola, maior é a proporção de pretos e pardos que estudam nela
A Pública analisou também o perfil de autodeclaração racial dos estudantes das escolas com desvios de temperatura mapeados na pesquisa, a partir das informações do Recenseamento Escolar de 2023.
A desfecho é que, proporcionalmente, há mais estudantes negros nas escolas dos locais mais quentes do que naquelas com temperaturas mais amenas. Enquanto pretos e pardos são unicamente 40% das crianças e adolescentes nas escolas que são de 1 °C a 1,4 °C mais quentes que as capitais onde estão, a prevalência sobe para 62,4% nas instituições que ultrapassam os 8 °C de ramal.
“Conforme as escolas estão mais próximas ou dentro de favelas e comunidades urbanas, ou são escolas com maioria de alunos negros, observamos uma piora dos indicadores educacionais de modo universal. Com o estresse térmico e as ondas de calor, não é dissemelhante”, diz João Paulo Amaral.
O planejamento urbano desigual privilegia projetos de arborização nas áreas mais nobres, o que se reflete nas temperaturas das escolas. “As periferias têm grande adensamento da população, que é desordenado e não planejado, e isso impacta efetivamente no indicador de calor e nas escolas”, acrescenta o coordenador da pesquisa.
“Eu temo muito que o calor seja mais uma justificativa para expor que os estudantes não aprenderam. É muito importante ver o aumento da temperatura uma vez que um problema com o qual as escolas têm que mourejar e buscar caminhos para que os alunos possam aprender. E não usar isso [o calor] para nutrir o exposição de que há estudantes que não vão aprender e não tem o que fazer”, pontua Batista.
Perturbação, desmaios e muito calor em escola de São Paulo
Na Escola Estadual Professor José Escobar, onde Davi (que abre a reportagem) estuda, há relatos até de desmaios por justificação do calor. Maura Alves conversou com a reportagem enquanto esperava a saída da neta, que cursa o 4º ano. “Por mais de uma vez, ela chegou em morada falando de coleguinhas que desmaiaram na sala de lição, de tanto calor. Ela ficou muito assustada e preocupada”, conta.
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“Meu sobrinho estuda cá há três anos. Ele é autista e fica muito insofrido quando está num lugar quente. Meu irmão tem que vir buscá-lo mais cedo quase todos os dias, por justificação do calor”, diz Naiara Soares, mãe de Vitor, que entrou na escola neste ano e começou a se queixar de calor antes mesmo de ele completar os primeiros dez dias de aulas.
Quando participou da reunião de pais no início do ano, Jéssica Vieira relata que sentiu muito calor. “Estava muito quente, a reunião foi numa das salas de lição, e eu cheguei a permanecer tenro.” Mas ela diz que nunca perguntou diretamente para o fruto, que está na escola há três anos, sobre a temperatura dentro dos portões da escola.

O fruto de Márcia Alves, Miguel, de 7 anos, pediu à mãe para ir à escola de sandálias e regata, por justificação do calor que sente. “Meu fruto disse que a professora já ficou fraca na sala de lição. Só tem dois ventiladores por classe e nem sempre funcionam. Todos os pais comentam [do calor], mas nunca fizemos uma reclamação formal, porque no universal a escola é boa”, diz Márcia.
Professoras relatam experiências traumáticas com o calor em escolas
Marta* é professora de instrução física e conta que já desmaiou por justificação do calor durante uma lição, em uma escola municipal do Jardim Consórcio, na zona sul de São Paulo. A quadra onde ela promove atividades com as crianças não tem cobertura e fica totalmente exposta ao sol.
“Os alunos não aguentam tanto calor, pedem o tempo inteiro para ir ao banheiro e tomar chuva. A lição praticamente não acontece”, diz.
A professora Sandra Cristina guarda lembranças dolorosas do período em que trabalhou em uma escola pública de Paraisópolis. Segundo ela, praticamente todas as paredes da instituição pegavam sol durante a tarde, o que fazia a escola parecer um “forno”.
O único sítio onde era provável evadir do calor escaldante da escola era uma pequena superfície oportunidade na frente da sala da diretora, onde havia uma árvore e o pavimento era de terreno. A diretora não permitia que as aulas ocorressem fora das salas, mas Sandra e seus alunos iam até lá silenciosamente, quase na ponta dos pés, para não invocar sua atenção. Liam histórias e tentavam se refrescar.
Até que, sem avisar ninguém, a diretora tomou uma decisão extrema: mandou trinchar a árvore e terminou de cimentar o espaço. “Chorei tanto naquele dia que pedi remoção da escola. Aquele era o único lugar fresco, era tão pequeno que ficávamos todos juntinhos tentando aproveitar a sombra da árvore.”
Calor nas salas de aulas pode levar a perdas de aprendizagem de até um ano e meio ao longo da vida escolar
No relatório The Impact of Climate Change on Education, de 2024, o Banco Mundial antecipou um estudo científico sobre a perda de aprendizagem dos estudantes brasileiros por justificação do calor. O trabalho está previsto para ser publicado ainda no primeiro semestre de 2025.
A pesquisa analisou os 550 municípios do país que mais aqueceram nos últimos anos, com murado de 0,6 °C de aumento nas temperaturas máximas a cada dez. O estudo apontou que os estudantes dessas cidades perdem, em média, 1% de aprendizagem a cada ano devido ao calor extremo.
Levando em conta que o conhecimento adquirido em um ano letivo se acumula com os anteriores e os seguintes, ao final do ensino médio o estudante brasílico de um desses municípios terá perdido murado de um ano e meio de aprendizagem.
“Isso pode impactar até mesmo na profissionalização desses alunos ou na procura pelo ensino superior. Aliás, quando a garoto não vai para a lição por justificação do calor, tem um dispêndio para a família comandar o desvelo da garoto, e isso pode impactar, inclusive, o não retorno às aulas”, analisa João Paulo Amaral.
Não existem normas de conforto térmico para as escolas brasileiras
“Se a escola não tiver condições acústicas e térmicas adequadas, isso atrapalha a compreensão das crianças durante o aprendizagem. Uma sala de lição com uma acústica ruim pode fazer com que os alunos não entendam o que está sendo dito, a mesma coisa acontece com o desempenho térmico.”
A estudo é da arquiteta Larissa Azevedo Luiz, perito em conforto ambiental, superfície que estuda as condições de temperatura, acústica e luminosidade dos ambientes. Ela já trabalhou com projetos arquitetônicos de escolas públicas e privadas de São Paulo.
Segundo Azevedo, pelo traje de as crianças serem mais sensíveis a alterações das condições climáticas de um envolvente do que os adultos, o gravura das instalações das escolas exige uma atenção próprio.

“O conforto ambiental é um estabilidade de três aspectos que podem conflitar entre si: luz procedente, acústica e temperatura. Se a escola abre uma parede para ventilar, pode ser bom para o desempenho térmico, mas também pode prejudicar a acústica, porque traz sonido de fora. Se aumentar a superfície envidraçada, é bom para levar a luz do sol e proteger do sonido, mas também vai aumentar o calor. O mais importante é buscar um estabilidade entre todos esses parâmetros, o que não é fácil de ser obtido se a escola não está atenta a isso”, complementa.
Hoje, não há nenhuma regra ou formalidade de abrangência pátrio em vigor que oriente os padrões de construção para escolas. “O que existe é uma regulamentação no nível educacional, do que as escolas estão ensinando e da constituição da grade curricular, com a supervisão do Ministério da Instrução. Mas não tem ninguém efetivamente olhando se a parede da escola tem um bom isolamento térmico, e muito menos cobrando para que ela se atente a isso”, pontua Azevedo.
A arquiteta faz segmento de um comitê da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que está elaborando uma norma que regulamentará um nível mínimo de desempenho térmico para todos os tipos de edificações, incluindo escolas. “Será um primícias para ter uma forma de determinar tudo isso, porque sem a normatização não é provável fazer grandes levantamentos para entender a situação atual das escolas”, diz a arquiteta.
Ar-condicionado ajuda, mas não é a única solução para refrescar as escolas
Instalar aparelhos de ar condicionado potentes pode ser a primeira medida que vem à mente para tranquilizar o calor nas escolas. Mormente ao levar em conta que 70% das salas das escolas públicas do país não possuem os aparelhos, segundo o Recenseamento Escolar de 2022. Porém, apesar de serem grandes aliados, esses equipamentos devem ser usados com planejamento e atenção.
Azevedo aponta que há condições favoráveis para o aproveitamento da ventilação procedente na maior segmento do país. “Mas não durante todo o tempo, pois já sabemos que nos períodos de extremo calor, principalmente no auge do verão, há premência da utilização de ar-condicionado para fornecer conforto”, diz.
Ela também defende o espaçoso sombreamento dos edifícios das escolas, uma vez que uma forma de reduzir a incidência da luz solar nas paredes externas. Isso pode ser feito de forma procedente, com o plantio de árvores, ou sintético, com a instalação de brises ou outros elementos que geram sombra.
“Se o projeto arquitetônico não for muito desenvolvido, o ar-condicionado pode estar ligado, mas não entregar a sensação térmica esperada e ainda gerar um consumo energético altíssimo. O que as escolas vão fazer se ficarem sem pujança elétrica Vão suspender todas as aulas porque o prédio só é habitável com ar-condicionado?”, questiona.
Para a professora Vivian Batista, é urgente cuidar da climatização das escolas uma vez que um todo, e não só instalar aparelhos de refrigeração. “Passa pelo gravura do prédio e dos espaços escolares, e também pela compreensão do que é a crise climática. Não adianta ter um ar-condicionado na sala e os estudantes não terem a noção de uma vez que cuidar do meio envolvente, de uma vez que se relacionar com a natureza e cuidar do lixo.”
A quem reclamar?
“O conforto térmico é um pouco muito subjetivo, uma percepção que pode variar de pessoa para pessoa. Muitas vezes, tem-se a sentimento de que está bom do jeito que está, porque ninguém reclamou. Mas, talvez, vários pais e mães nunca tenham se oferecido conta de que poderiam reclamar sobre aquilo. Nós temos direitos a condições mínimas de habitabilidade em todos os espaços, principalmente nas escolas, onde nossas crianças estão”, explica a arquiteta Larissa Azevedo.
Para prestar queixa sobre o calor em uma escola municipal ou estadual, a recomendação é buscar a direção da escola. Caso não seja resolvido, orienta-se procurar a ouvidoria da Secretaria de Instrução. Se a escola for pessoal e o diálogo direto com a instituição não surtir efeito, o ideal é recorrer ao Procon do respectivo estado.
Outro lado
A Pública procurou a Secretaria de Instrução do governo de São Paulo para comentar sobre as denúncias de calor na Escola Estadual Professor José Escobar.
A pasta afirmou que “a escola citada conta com dois ventiladores em cada sala de lição, cinco no recinto e bebedouros com função de chuva gelada”. A Secretaria negou possuir registros de desmaios de crianças por conta do calor.