O que a TV Justiça não mostrou: momentos marcantes de um julgamento histórico
9 min read
Às 16h20 de 11 de setembro de 2025, a ministra do Supremo Tribunal Federalista (STF) e membro da 1ª Turma da Galanteio Cármen Lúcia concluiu um voto histórico. Sua decisão formou maioria para desaprovar à prisão, pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente da República, um ex-comandante da Marinha e ex-membros do Cume Comando do Tropa por tentativa de golpe de Estado.
Por trás do veste histórico, o julgamento dos mentores da trama golpista teve cenas curiosas e simbólicas que a transmissão solene não mostrou, mas a Dependência Pública viu de perto.
Na quinta-feira, 11 de setembro, por exemplo, somente posteriormente a exibição de um vídeo com os “melhores momentos” da escalada golpista a pedido do relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, com mais de uma hora de sessão corrida, que seu colega de Turma Luiz Fux o olhou atentamente. Na véspera, Fux deu o voto dissidente no caso com diversas alfinetadas na posição de Moraes.


A reportagem também acompanhou o voto vencido no placar de 4 a 1 do início ao término. Autoridades, jornalistas e advogados, de veste, lutaram contra cansaço, tédio e talvez irritação durante a leitura de mais de 400 páginas, por mais de 14 horas.
Por que isso importa
- Pela primeira vez no Brasil um ex-presidente da República e militares de subida patente são condenados pelo transgressão de golpe de Estado.
- Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump aliou-se ao oração de Bolsonaro e tem pressionado o Brasil com aumento de tarifas e sanções a membros do STF, porquê o ministro Alexandre de Moraes.
“Ninguém pode ser culpado pela cogitação”, “mera pressuposição”, “argumento genérica” e “ilação” foram algumas das expressões usadas por Fux para rejeitar as evidências apresentadas pela Procuradoria-Universal da República (PGR) e endossadas pelo ministro Alexandre de Moraes.
Sobre o quebra-quebra do dia 8 de janeiro de 2023, por exemplo, Fux disse que não passava de uma “turba desordenada”. Mas no próprio dia da tentativa de golpe a Pública revelou o uso do código “Festa da Selma” nas redes, para convocar bolsonaristas para invadirem e depredarem as sedes dos Três Poderes.
Em grande secção desta sessão, os ministros e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, sequer olhavam para Fux.
Ao término, quando o presidente da Turma, Cristiano Zanin, lia o resumo do voto de Fux, o ministro carioca solicitou ajustes no trecho sobre o deputado federalista e ex-diretor da Abin, Alexandre Ramagem (PL), dizendo a sentença “pedir vista”. A fala despertou, imediatamente, a atenção de quem ainda estava na sala, mas era um rebate falso, não um pedido.
“Um divisor de águas na história do Brasil”
A maratona do voto de Fux na quarta-feira gerou respostas práticas e simbólicas no dia seguinte, com a pena do “núcleo crucial” da trama, com penas que variam entre 16 e 27 anos de prisão.
Dois outros ministros do Supremo compareceram à sessão decisiva: o decano Gilmar Mendes e o presidente Luís Roberto Barroso. “Sua presença cá diz muito sobre o seu caráter, presidente”, disse o ministro Flávio Dino, com o veredito já determinado pela Turma.
Prestes a deixar o função no próximo dia 28, o presidente do STF participou da sessão para discursar sobre o julgamento – um “divisor de águas na história do Brasil”, “fundamentado em provas das mais diversas: vídeos, textos, mensagens, confissões”, segundo ele.
Já o atual decano do STF esteve mais presente na primeira metade da sessão. Gilmar Mendes transitava continuamente entre a espaço restrita a ministros e auxiliares e o auditório da sala de sessões, onde conversava o tempo todo ao pé do ouvido com seu chefe de gabinete, Eduardo Ribeiro Granzotto.
“Um resultado esperado”
Políticos de esquerda, direita e extrema-direita também compareceram nos últimos dias do julgamento do “núcleo crucial”. Ao contrário do que seus perfis nas redes sociais e atitude nas dependências do Congresso sugerem, os deputados da base bolsonarista estavam muito comportados na sala da 1ª Turma do STF. “Era um resultado esperado, né?”, disse à Pública o deputado Evair de Mello (PP-BA), membro da bancada ruralista.
Mello e o vice-líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), foram os únicos parlamentares próximos do clã Bolsonaro que estiveram nos três dias decisivos do julgamento. Tenente-coronel da suplente do Tropa, o deputado gaúcho era o mais sociável da dupla, sempre conversando com jornalistas, advogados e até parlamentares de esquerda na sala da 1ª Turma.
Outro deputado bolsonarista, Ubiratan Sanderson (PL-RS), acompanhou as sessões unicamente durante os votos de Fux, Cármen Lúcia e do presidente da Turma. Na quarta-feira, o deputado comentava empolgado com quem lhe abordava que o voto de Luiz Fux estava “superando as expectativas”. “Sou policial federalista, portanto posso prometer que está sendo um voto muito técnico”, dizia. Com a pena dos réus no dia seguinte, seu semblante mudou.

“Se o voto do ministro Fux supera as expectativas deles, é porque eles não têm muito o que esperar, já que a posição dele [Fux] certamente vai ser superada amanhã”, disse à Pública a deputada federalista Maria do Rosário (PT-RS), quando deixava o STF antes do término do voto vencido de Fux, na quarta.
Em seguida o término do julgamento, já na quinta, o deputado da base do governo Ivan Valente (Psol-SP) disse que o resultado do julgamento “superou as expectativas”. “É um passo muito importante na nossa história, vai deixar a prelecção que, quem tentar dar golpe, vai suportar as consequências, ainda mais com a pena de militares que eram da cúpula das Forças Armadas”, afirmou à reportagem.

Que país é oriente?
A expectativa pelo voto de Cármen Lúcia era mais que latente na sala da 1ª Turma. Se a discrição marcou os bastidores ao longo do julgamento, a leveza da ministra ao votar se alastrou, fazendo surgir sorrisos e exaltações, mesmo que contidas, na sala. Em um dos momentos, Lúcia fez até mesmo o ministro Fux – de sentença séria e fechada até aquele momento – sorrir.
Uma vez que em outras vezes, Lúcia trocou o ‘juridiquês’ por frases marcantes e citações literárias. Ela abriu seu voto citando secção dos versos iniciais do clássico poema de Affonso Romano de Sant’Anna, “Que país é este?”, que começa assim:
“Uma coisa é um país
outra um ajuntamento.
Uma coisa é um país,
outra um regimento.
Uma coisa é um país,
outra o confinamento.”
Durante o voto de Cármen Lúcia, a maioria da 1ª Turma fez questão de mostrar sua sintonia quanto à pena dos réus no caso. Sem o refinamento da ministra, o relator da ação pediu para se manifestar, exibindo um vídeo e uma sequência de fotos. As imagens remontavam a crise golpista – dos ataques do portanto presidente, Jair Bolsonaro, contra o próprio Moraes, no 7 de setembro de 2021 na avenida Paulista ao 8 de janeiro na Rossio dos Três Poderes.
“Se isso não é prenúncio… falar que não vai mais satisfazer ordens judiciais não é uma grave prenúncio”, dizia exaltado o ministro, sob o olhar de Luiz Fux – de posição totalmente oposta à dele. “Vejam, havia até pedidos de mediação militar em inglês! Já estavam preparando o ‘passeio’ para a Disney…”, alfinetou Moraes.
Vale lembrar que, durante o ataque em 8 de janeiro de 2023, o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, também réprobo nesta quinta-feira, estava em Orlando, na Flórida (EUA) – conhecida por homiziar um parque de diversões da Disney. Sua resguardo no caso usou esta viagem para alegar sua inocência na trama, sem sucesso.
Entre as defesas, um jovem jurista
Entre o lado derrotado, certamente a resguardo do general Augusto Heleno foi quem mais se destacou. Até o voto de Luiz Fux, não era provável declarar que o ex-ministro do GSI seria de veste réprobo.
Ao término da primeira sessão da semana decisiva, na terça (9), o ministro Flávio Dino chegou a amenizar o papel do general na trama, sugerindo penas menores do que as previstas no Código Penal. O gesto causou surpresa na sala da 1ª Turma, fazendo com que o presidente Zanin encerrasse, logo na sequência, a sessão do dia.
O jurista do general Heleno, Matheus Mayer Milanez, contou à Pública que Dino foi um dos três ministros com quem teve audiências nas semanas anteriores ao julgamento – os outros dois foram Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. “Fiz o que podia: expus aos ministros as contradições da investigação e da denúncia, e o ministro [Dino] foi muito atencioso”, disse Milanez.


Mesmo com a decisão mais branda de Dino, o jurista não se mostrou empolgado, talvez já prevendo a futura pena. “Por mais que o ministro tenha sugerido penas menores, se você somar todas as penas mínimas ainda dariam mais de oito anos de reclusão. Esse tempo para um senhor de idade avançada é uma ‘sentença de morte’”, afirmou Milanez à reportagem.
Nascido em Campinas (SP), o jurista de Augusto Heleno contou ter assumido a resguardo do general por indicação de “um camarada”, por ter experiência no Recta Militar. Milanez também representa Heleno legalmente em outro caso correndo no STF, a investigação da chamada Abin Paralela. Mesmo com o resultado negativo para seu cliente, ele já tem colhido frutos de seu trabalho.
“Se tem um lado positivo disso tudo, é que tenho visto um aumento no número de seguidores nas minhas contas em redes sociais. Em uma semana, a quantidade pulou de pouco mais de 5 milénio seguidores para quase 60 milénio… o jeito é aproveitar esse momento de exposição pátrio, já estou até produzindo mais conteúdos, com esteio da minha equipe”, disse Milanez.