Quantcast
Anistia: Como lema da esquerda foi pego por bolsonaristas e virou mote no 7 de setembro - Mundo News
7 de Setembro, 2025

Mundo News

Seu Mundo! Suas Notícias!

Anistia: Como lema da esquerda foi pego por bolsonaristas e virou mote no 7 de setembro

6 min read
Foco dos atos deste domingo é o perdão a quem invadiu Brasília em 8 de janeiro...

A vocábulo “anistia” sempre soou familiar à esquerda brasileira. Foi bandeira das campanhas pela volta de exilados e pela libertação de presos políticos da ditadura militar – entre eles, Leonel Brizola, que foi governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, e Herbert José de Sousa (Betinho), “o irmão do Henfil” da música O bêbado e o equilibrista, que virou um hino da era. O movimento exigia uma “anistia ampla, universal e irrestrita” que veio em 1979, mas em termos diferentes dos esperados: além de beneficiar vítimas, também absolveu agentes do Estado que cometeram crimes e até hoje deixam dinheiro público a herdeiras.

Décadas depois, o pedido de anistia seria oportuno pela direita, mas, desta vez, em um contexto muito dissemelhante do original: para tutorar acusados de tentar um golpe de Estado depois as eleições de 2022.

Os dois momentos, separados por quase meio século, estão ligados em uma coincidência familiar. O último presidente da ditadura, João Figueiredo, assinou a Lei da Anistia com o argumento de que ajudaria a “pacificar o país”. Em 2025, seu neto, o influenciador Paulo Figueiredo, um dos denunciados por enredar contra a democracia, também pede uma novidade anistia “ampla, universal e irrestrita”.

A disputa em torno do termo se materializa nas ruas de várias cidades do país no 7 de setembro, dia da Independência do Brasil, data marcada por manifestações bolsonaristas nos últimos anos e que, em 2025, tem um significado político ainda maior em meio ao julgamento de Jair Bolsonaro e outros réus pela tentativa de golpe.

A tônica dos atos deve ser o pedido de anistia para os militantes que invadiram e depredaram prédios públicos de Brasília em 2023, contrariados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, e também para o próprio Jair Bolsonaro. A oposição promete colocar o projeto em votação no Congresso nos próximos dias em uma retaliação à provável pena do ex-presidente no Supremo Tribunal Federalista (STF).

Uma das versões do texto pretende perdoar atos antidemocráticos desde 2019, quando foi descerrado o interrogatório das Fake News no STF, o que permitiria que Bolsonaro, inelegível por oito anos depois duas condenações na Justiça Eleitoral, pudesse ser candidato em 2026.

Bolsonaristas querem assinar projeto que isentaria Bolsonaro e os demais envolvidos em tentativa de golpe e invasão a Brasília dos crimes

7 de setembro e anistia: esquecimento permitiria repetição

“Anistia é uma vocábulo de origem grega que significa ‘esquecimento’, da raiz que veio dar em ‘amnésia’”, diz o pesquisador político João Feres, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj). “Era usada na Grécia Antiga com o sentido de extinguir crimes políticos, extinguindo a pena e o próprio violação, porquê se nunca tivesse existido”. Mas, continua Feres, isso não quer manifestar que os gregos anistiavam todos os crimes contra o Estado. “Pelo contrário, condenavam vários criminosos à morte ou ao exílio, o famoso ostracismo.”

Porém, o “esquecimento” de alguns fatos históricos pode ter moldado o cenário que vivemos hoje. Para o professor, a Lei da Anistia de 1979 permitiu uma “transição pacífica ao dispêndio de olvidar crimes hediondos e manter cúmplices do regime dominador em posições públicas das quais deveriam ter sido banidos.”

“Na verdade, o esquecimento permite que aquilo que foi feito seja repetido. O 8 de janeiro aconteceu porque os militares não foram punidos. Nem pela morte de militantes, pelo extermínio indígena, o roubo contra o tesouro e a supressão de direitos sociais”, complementa Marcelo Uchôa, mentor da Percentagem de Anistia no Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

O Brasil foi réprobo em cortes internacionais por não punir torturadores, porquê nos casos da Guerrilha do Araguaia e do jornalista Vladimir Herzog. Mesmo assim, a maioria dos agentes da ditadura nunca foi responsabilizada criminalmente por razão da anista. Para os pesquisadores, a impunidade abriu espaço para que o bolsonarismo tentasse repetir a lógica de ruptura.

“O mesmo grupo que saiu impune da anistia em 1979 é o que tentou o golpe em 8 de janeiro”, afirma Uchôa. “Em vez de invocar de PL da Anistia, melhor manifestar PL da Impunidade. Porque seria uma anistia para aqueles que tentaram golpear o Estado, matar presidente, matar vice-presidente, matar ministro do Supremo, fazer uma mediação com as Forças Armadas. Ou seja, romper a segurança institucional e utilizar uma ditadura no país.”

A justiça de transição, que é o conjunto de medidas adotadas por uma sociedade depois um período de violência sistemática de direitos, foi omissão e lenta no país, avalia Uchôa. A Lei sobre Mortos e Desaparecidos é de 1995, a Lei de Reparação e de Anistiados é de 2002, a Percentagem da Verdade só terminou em 2014. “Essa vagar toda, na transição, fez com que gerações sequer soubessem que existiu uma ditadura no Brasil.”

O 8 de janeiro de 2023 só aconteceu porque os militares envolvidos na ditadura de 1964 não foram punidos, defende pesquisador.

Tese de anistia a bolsonaristas é contestada por juristas

Em sua definição, anistia é perdão oferecido por lei a crimes, infrações administrativas e outras situações. No entanto, crimes considerados hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo não poderiam receber anistia. Esses ilícitos atacam elementos considerados essenciais da democracia e, portanto, são meta de vedação. Por esse motivo, alguns juristas, porquê Lenio Streck, defendem que qualquer atentado contra a democracia, porquê o 8 de janeiro, também não seja passível de anistia.

Aliás, há um precedente recente: o caso Daniel Silveira. Em 2023, o ex-deputado federalista foi réprobo pelos crimes de prenúncio ao Estado Democrático de Recta e filtração no curso do processo. Bolsonaro aplicou indulto ao coligado, que em seguida foi invalidado pelo Supremo.

“Entendo que violação contra o Estado Democrático de Recta é um violação político e incorruptível de anistia, porquanto o Estado Democrático de Recta é uma cláusula pétrea que nem mesmo o Congresso Pátrio, por emenda, pode suprimir”, argumentou o ministro Luiz Fux na era.

Na versão do PL que deve ser analisada no Congresso, juristas também apontam o risco de que a anistia se estenda até a facções criminosas, porque a minuta inclui perdão a “dano contra o patrimônio da União, deterioração de patrimônio tombado, incitação ao violação, apologia de violação ou criminoso, organização criminosa, associação criminosa ou constituição de milícia privada”.

Uchôa acredita que a anistia de 1979 só foi provável pela Constituição da era, gestada na ditadura, e dificilmente passaria na de hoje. “Passou antes porque estávamos numa ditadura. Agora as coisas são diferentes. Pode ser que haja remissão de penas lá na frente, mas anistia, francamente, não acredito. O STF não aceitaria. Nem a sociedade social”, afirma Uchôa.

Desde a Independência, murado de 80 anistias já foram concedidas no Brasil, de convenção com levantamento da Sucursal Senado. A primeira ocorreu poucos dias depois a independência mesmo, em 18 de setembro de 1822, com o perdão outorgado àqueles que se opunham ao país trespassar do domínio de Portugal.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Copyright © All rights reserved. | Newsphere by AF themes.