As duas caras da filantropia: o perigoso custo das doações de produtos ultraprocessados
13 min readMaría, uma indígena do povo Otomí do México, recebe todos os meses caixas de cereais açucarados e leite para seus filhos. Ela diz que só consome esse tipo de resultado quando ganha, porque prefere que os filhos consumam “o que é oriundo, o que a gente cultiva. Tenho uma pequena estufa com cenoura, jerimu, brócolis e acelga”. As doações para a comunidade são da multinacional Kellogg’s e fazem segmento do programa de responsabilidade social da empresa.
Uma reportagem da rede investigativa transnacional OjoPúblico, em parceria com o PopLab, analisou 39 programas de responsabilidade social das mais importantes empresas da indústria de ultraprocessados e bebidas da América Latina e identificou que no Brasil, México, Peru e Colômbia, segmento significativa das doações destinadas a populações vulneráveis tem baixíssimo valor nutricional: são compostas por cereais açucarados, doces, bebidas açucaradas e similares.
Entre 2021 e 2023, a indústria de mantimentos ultraprocessados doou mais de 35 milénio toneladas de produtos na Colômbia por meio de bancos de mantimentos; no México, entregaram 67,2 milhões de produtos; no Brasil, os principais doadores são Nestlé, Bimbo e Burger King; enquanto no Peru o banco cevar sítio tem aliados porquê empresas porquê Oxxo, Mondelez ou PepsiCo.
Secção dessas doações é feita por meio de bancos alimentares, organizações sem fins lucrativos que recolhem mantimentos para distribuí-los a populações com elevada vulnerabilidade cevar devido aos elevados riscos de doenças não transmissíveis porquê o diabetes. Em alguns casos, porquê não recebem feijoeiro, carnes ou mantimentos de cima texto nutricional, esses bancos complementam as doações comprando outros insumos adquiridos em parcerias com agricultores.
No Peru, a líder Abilia Ramos, presidente da Rede de Panelas Comuns do província de San Juan de Lurigancho – um dos mais pobres da capital –, relata que já receberam bebidas açucaradas, porquê refrigerantes e outros produtos ultraprocessados, porquê doações. “Se for da sua vontade, diga aos empresários: não comprem refrigerante para a gente, o que precisamos é de mantimentos que tenham proteína”, recomenda a dirigente.
Publicidade com face de responsabilidade social
Pesquisas científicas consultadas para esta reportagem apontam que as doações por meio de bancos de mantimentos enquanto ações de responsabilidade social da indústria constituem, na veras, estratégias publicitárias. “São um mecanismo para fabricar uma intenção mais potente de compra”, afirmaram os autores do estudo “Revisão sobre as práticas do mercado e políticas das empresas alimentícias transnacionais e respostas da saúde pública”, de 2021.
O pesquisador do Instituto Pátrio de Saúde Pública do México Simón Barquera destaca a urgência de que produtos doados não tragam danos à saúde, uma vez que “nos lugares mais pobres, porquê é o caso do México, há doenças crônicas, obesidade e deficiências de micronutrientes”. Ele afirma que é preciso que as autoridades estabeleçam critérios melhores para doações do gênero, priorizando mantimentos ricos em nutrientes, e que eles não sejam definidos pela indústria de ultraprocessados.
Um estudo de 2021, fruto de parceria entre universidades da Austrália, Indonésia e Brasil, aponta que o consumo de ultraprocessados estacionou em países mais ricos enquanto as vendas crescem naqueles de insignificante ou médio desenvolvimento. Segundo a pesquisa, publicada no International Journal of Health Policy and Management, grandes empresas se aproveitam do incremento dos mercados emergentes usando ações de responsabilidade social corporativa “porquê uma estratégia valiosa para ajudar a reduzir custos e aumentar investimentos e vendas futuras enquanto houver atuação fraca ou inexistente das autoridades [locais]”.
A Organização das Nações Unidas para a Sustento e Cultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) destacaram que dietas saudáveis “previnem deficiências e excessos de nutrientes, e doenças transmissíveis e não transmissíveis” e recomenda evitar o consumo de mantimentos que concentram altos níveis de gorduras saturadas e açúcares livres (processados e ultraprocessados).
Com esse término e com o aumento de doenças relacionadas à má sustento, nos últimos anos Brasil, México, Peru e Colômbia vêm promovendo leis contra a venda de fast food em escolas, regulando a publicidade e os rótulos de produtos ultraprocessados com o objetivo de proteger a saúde da população, em peculiar de crianças e adolescentes.
Por outro lado, a indústria tem aumentado sua influência por meio dos bancos de mantimentos, principalmente em países mais pobres. No Brasil, 95 bancos de mantimentos do gênero são agrupados pelo Sesc Mesa, enquanto o México concentra 56, Colômbia, 25 e o Peru, um. A Rede Global de Bancos de Provisões reúne 50 organizações em 45 países e recebe apoio de bancos, empresas, fundações e companhias ligadas à indústria alimentícia, a exemplo da Kellogg’s e Herbalife. Essas fabricantes chegaram a doar 651 milénio toneladas de produtos no mundo em 2023, segundo o balanço da organização. Os quatro países latinos concentraram 37% dessas doações (245 milénio toneladas) – e um terço dos receptores foram crianças.
No Brasil e no México, uma das empresas que mais doaram produtos foi a Kellogg’s. A empresa apresenta em seus informes públicos que a ação faz segmento de seus compromissos de sustentabilidade para “prometer a segurança cevar e melhorar a nutrição”, mas também é uma das principais doadoras de ultraprocessados.
No mundo, o ranking de empresas de mantimentos processados que mais doam, segundo o balanço anual da Rede Global de Bancos de Provisões, também incluem Coca-Cola, Nestlé, Pepsico, Carrefour, General Mills, Grupo Bimbo, McDonald’s, Mondelez, Starbucks, Unilever e Walmart.
Ultraprocessados e a população mais vulnerável na América Latina
No Peru, o Banco Nutrir, uma organização social sem fins lucrativos, é um dos principais intermediários entre as empresas que fazem doações e os beneficiários, porquê abrigos infantis, lares de idosos, escolas, hospitais, refeitórios sociais e moradores de áreas de vulnerabilidade social. A instituição indica que, desde a sua geração, em 2014, enviou esse tipo de resultado a mais de 1 milhão de pessoas em 19 regiões do país, e que a sua rede de beneficiários é composta por 900 organizações sociais e comunidades.
Um estudo sobre cozinhas comunitárias no Peru, publicado na revista Debate Agrário em 2024, relata o caso de uma das organizações que durante a pandemia (entre 2020 e 2021) recebia doações de uma empresa, porquê verduras e frutas frescas e mantimentos, mas, que, desde 2022, recebe doces, mantimentos industrializados e pouquíssimas compras.
“Eles me dão mais doces, o que me dão agora é mais chocolate, às vezes muito chocolate, e até me dão potes de guloseimas. Quer expor, sim, é bom, mas não é comida para a gente, que é o que as pessoas precisam. Muitas vezes me dão balas, chicletes, biscoitos. Não é isso que vamos cozinhar”, diz uma das mulheres entrevistadas pela pesquisadora Gabriela Rengifo.
Um dos mais reconhecidos especialistas em sustento saudável do México, o pesquisador Simón Barquera, presidente da Federação Mundial de Obesidade, explica que para as empresas de produtos ultraprocessados o dispêndio de produção é mínimo. “Isso gera lucros enormes e lhes dá muita capacidade de investir em marketing invasivo, e eles focam na puerícia, porque sabem que as crianças, além de terem muita influência nas decisões de compra em morada, também se tornam clientes cativos desses produtos”, afirma.
Um exemplo de porquê essas empresas expandem seu mercado para as crianças é por meio das doações. No Peru, a empresa Backus y Johnston – do grupo AB Inbev, multinacional com sede na Bélgica, que produz cervejas e bebidas não alcoólicas – costuma entregar doações a crianças e idosos nos Centros Residenciais de Assistência do Programa Pátrio Integral para o Muito-Estar Familiar (Inabif). A última delas, em março de 2024, foi de 2.010 unidades de bebidas, sendo 78% bebidas açucaradas (refrigerantes).
Barquera, que também é diretor do Meio de Pesquisa em Nutrição e Saúde do Instituto Pátrio de Saúde Pública do México, alerta que “a região das Américas, e particularmente a América Latina, é uma das áreas onde se esperam aumentos mais significativos da obesidade nos próximos anos e onde uma percentagem maior da população está com sobrepeso e obesidade em universal”.
O Fundo das Nações Unidas para a Puerícia (Unicef) informa que a América Latina passou por uma “transição nutricional”, ou seja, “as dietas tradicionais ricas em frutas e vegetais e pobres em produtos de origem bicho mudaram para uma dieta rica em calorias e pobre em nutrientes, composta de carboidratos refinados, cima consumo de gorduras e mantimentos processados”.
Em um relatório de 2019, o Unicef explica que isso se deve à rápida expansão das lojas de autoatendimento na região, que vendem dietas baratas e, em sua maioria, pouco saudáveis. Chamaram esses espaços de “ambientes obesogênicos” porque promovem o consumo de produtos de baixa qualidade nutricional. Essa situação gera, segundo Barquera, um duplo impacto: ter, ao mesmo tempo, um grande número de pessoas com obesidade e outro com fome.
Na América Latina e no Caribe há 5,7 milhões de meninos e meninas com menos de 5 anos de idade com fome crônica e 8,6 milhões afetados pelo sobrepeso. Em dez anos, a fome diminuiu na região; no entanto, o excesso de peso tem aumentado nesse setor da população em níveis médios e elevados.
Um estudo liderado pela Universidade de Melbourne questiona a influência da indústria na concepção de políticas públicas para melhorar a nutrição dos cidadãos. “Há evidências crescentes de que as práticas e políticas de mercado das grandes empresas alimentares moldam padrões de saúde e doença e representam um risco para o desenvolvimento e implementação de políticas de prevenção eficazes”, observam os acadêmicos.
A influência é grande: as dez maiores empresas de mantimentos e bebidas do mundo controlam 80% dos produtos vendidos nas lojas, com lucros anuais superiores a 100 bilhões de dólares – e 75% da renda provém de produtos de baixa qualidade.
Questionado sobre as doações de mantimentos ultraprocessados, Juan Carlos Buitrago, diretor-executivo do Banco Nutrir Colombiano (Abaco), acredita que a política pública de segurança cevar deve evoluir. “Há países, há bancos alimentares no mundo que já se dão ao luxo de só utilizar mantimentos do campo, frutas e legumes; mas nesses países não há instabilidade cevar, não há mortes por fome, são países desenvolvidos”, declarou, lembrando que, exclusivamente na Colômbia, 4,2 milhões de pessoas não consomem as calorias diárias de que precisam.
A pressão da indústria
As ações para reduzir o consumo de mantimentos ultraprocessados nas populações mais vulneráveis no Brasil, México, Peru, Colômbia e outros países latino-americanos avançam a um ritmo lento. A nutricionista Ana Paula Bortoletto, do Meio de Pesquisa em Epidemiologias de Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Usp), explica que a aprovação de políticas na região exigiu muito tempo e esforço devido à interferência da indústria.
“Uma das estratégias [da indústria de alimentos ultraprocessados] é organizar grupos de resguardo política, porquê associações comerciais, para ter relacionamento direto com tomadores de decisão em agências reguladoras, instituições de saúde e grupos de trabalho. Essas organizações representam os interesses, posições técnicas e políticas de grandes corporações sem que seus nomes estejam diretamente envolvidos”, afirma Bortoletto.
México e Argentina têm as experiências mais bem-sucedidas na regulamentação de mantimentos ultraprocessados, segundo Bortoletto, devido ao potente pacote de medidas regulatórias aprovadas, porquê rotulagem nutricional, publicidade e restrições de oferta nas escolas e regulamentações para identificar mantimentos não saudáveis e com maior impacto na saúde pública.
A nutricionista diz que o Brasil avançou com as diretrizes alimentares, que recomendam evitar o consumo desses mantimentos, e com a promoção da sustento saudável nas escolas, mas ainda não teve grande sucesso com a questão dos rótulos desses produtos, que indicam a concentração de altas, médias ou baixas quantidades de açúcares, sódio ou gorduras, seguindo o chamado semáforo nutricional (cores vermelha, amarela ou verdejante), em vez do padrão octogonal, que os especialistas consideram mais eficiente e que já foi implementado em países porquê Peru, Colômbia e México.
Mirko Lázaro, nutricionista do Instituto Pátrio de Saúde do Peru, tem opinião semelhante. Reconhece que as disposições regulatórias do Peru, porquê a Lei de Promoção da Sustento Saudável para Crianças e Adolescentes, os guias alimentares e o imposto sobre bebidas açucaradas tiveram impacto na indústria de ultraprocessados, mas considera que ainda há muito a fazer.
“As empresas reduziram o texto de açúcar, sódio e gorduras saturadas em muitos de seus produtos, mas é preciso continuar melhorando a instrução nutricional da população, principalmente da mais vulnerável, porquê crianças e adolescentes”, avalia.
Além do progresso das políticas regulatórias, a nutricionista brasileira destaca a crescente coordenação entre os países latino-americanos para a troca de experiências, informações e lições aprendidas. “Essa colaboração regional é muito importante para prometer políticas públicas mais eficazes e minimizar conflitos de interesses e interferências da indústria de ultraprocessados”, afirma Bortoletto.
Por sua vez, Lázaro propõe melhorar a coordenação interna entre os setores de saúde, instrução e cultura de cada país, a término de promover o consumo de mantimentos in natureza ou minimamente processados.
Da Colômbia, Lorena Ibarra, da organização The Global Health Advocate Incubator, alerta que, quando as empresas não conseguem impedir o progresso de políticas que restringem o consumo dos seus produtos pouco saudáveis, procuram enfraquecê-lo. “A indústria cria padrões políticos alternativos. Se não houver expertise da sociedade social e de organizações acadêmicas livres de conflitos de interesses governamentais, podem ser adotadas medidas inúteis para proteger a saúde e muito funcionais para a indústria”, alerta Ibarra.
Um exemplo da interferência da indústria de mantimentos não saudáveis ocorreu quando a Associação de Bancos Alimentares da Colômbia (Abaco) alertou sobre um projeto de lei apresentado por parlamentares do partido Alianza Virente, em 2023. A iniciativa buscava proibir a doação de dez mantimentos ultraprocessados: chocolate, aveia em flocos, requeijão, iogurte helênico, pedaços de frango marinado, pão fatiado, presunto, chouriço, compota e sucos embalados. O diretor-executivo da Abaco, Juan Carlos Buitrago, alertou que essa regra afetaria as famílias de baixa renda que recebem periodicamente esses mantimentos.
Os números oficiais de 2022 indicam que, na América Latina e no Caribe, 133,4 milhões de pessoas não têm aproximação a uma sustento saudável. A estudo desses números revela que na região o dispêndio médio de uma sustento saudável é mais ressaltado do que em outros lugares. Enquanto a média global para uma dieta saudável é de US$ 3,96 por pessoa por dia, na América Latina é de US$ 4,56. Peru (US$ 33,6) e Colômbia (US$ 36,6) apresentam os custos mais elevados.
Embora os bancos alimentares sejam organizações independentes, trabalham em estreita colaboração com empresas de ultraprocessados, com as quais têm acordos de colaboração, doação ou confederação.
Questionada sobre as doações de produtos ultraprocessados, Clarisa Fonseca, gerente de notícia da Rede de Bancos de Provisões do México, declarou que sua organização “não demoniza nenhum resultado” e explicou que, embora existam “mantimentos que nutricionalmente não vão nos dar zero, no nosso país há pessoas que todos os dias vão dormir com rafa e vivem com rafa, logo o que fazemos com o suporte dos nutricionistas é entregar o pacote equilibrado para que, se entregarmos produtos com muito açúcar ou muita gordura, isso possa ser contrabalançado com outros produtos que não tenham”.
Juan Carlos Buitrago, diretor da Associação de Bancos Alimentares da Colômbia, explica que no país existem 22 milénio crianças com fome aguda. “Há quem diga que os mantimentos industrializados não devem ser consumidos na Colômbia e não devem ser doados. Pensamos dissemelhante: acreditamos que na Colômbia todos os mantimentos são bons. Qualquer iguaria faz mal quando consumido em excesso”, comentou.
Simón Barquera, por outro lado, considera que a doação de mantimentos hiperpalatáveis, que possuem sabores intensos, pode ter impacto na puerícia e que crianças que consomem ultraprocessados podem, ao testar mantimentos naturais, “por questões sensoriais, deixar de preferi-los”, alerta.
Provisões ultraprocessados – porquê refrigerantes, sucos engarrafados, energéticos, iogurtes de frutas, batatas fritas, salgadinhos, biscoitos, chocolates, balas, cereais açucarados, barras energéticas, embutidos, carnes processadas porquê salsichas ou hambúrgueres, nuggets de frango e barras de cereais – estão associados a problemas de saúde, incluindo doenças cardíacas, hipertensão, diabetes, cancro e depressão, entre outros, de conciliação com um estudo em grande graduação publicado no British Medical Journal em 2024.
Para esta investigação foram solicitadas entrevistas aos representantes regionais das empresas Coca-Cola e Nestlé, e ambos indicaram que não dariam entrevistas. Por sua vez, o Grupo Bimbo e a Kellogg’s não responderam aos pedidos feitos por meio de seus emails oficiais.