ATL: Mobilização indígena termina sem presença de Lula, nem novas terras demarcadas
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O Acampamento Terreno Livre (ATL), maior mobilização indígena pátrio, terminou nesta sexta-feira (11) com a principal demanda do movimento frustrada. Pela primeira vez desde o início do terceiro procuração do presidente Lula, nenhuma novidade terreno indígena (TIs) foi homologada pelo governo durante a realização do evento. Em 2023, seis novas TIs foram entregues, e no ano pretérito, mais duas.
Na fenda da última plenária, o coordenador da Fala dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinamam Tuxá, afirmou que havia articulações para que Lula participasse do fechamento do evento. No entanto, em seguida o tumulto registrado no termo da marcha de quinta-feira (10), em que bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta foram lançados em parte dos manifestantes, a programação foi alterada.
“Estava sendo programada a vinda do presidente Lula para o nosso acampamento. Reafirmamos o compromisso do presidente com o movimento indígena, com a taxa indígena, mas, infelizmente, a presença dele acabou sendo impactada pelos fatores que ocorreram”, declarou Dinamam.
Havia a expectativa de que a presença do presidente fosse acompanhada de anúncios de novas TIs. “[Mas] independentemente do Acampamento Terreno Livre, do 19 de abril [em que se comemora o dia dos Povos Indígenas] ou de outras datas comemorativas, queremos que em todos os dias haja demarcação, homologação, enunciação e geração de grupos de trabalho em terras indígenas”, tentou contemporizar o coordenador executivo da Apib, Kleber Karipuna.
Sem as entregas esperadas, a plenária final acabou servindo porquê ato de espeque à deputada federalista Célia Xakriabá (PSOL-MG), que foi atingida pelas bombas lançadas por agentes de resguardo em frente ao Congresso Pátrio ao final da marcha que os indígenas fizeram pela Esplanada dos Ministérios.
“Fomos recebidos com repressão violenta por secção da Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados e do Senado Federalista e da Polícia Militar. Uma violência premeditada, já que no dia anterior um agente público disse em reunião: ‘Deixa descer. Se fizer bagunça, a gente mete o moca’. Assim, mulheres, crianças, anciãos e lideranças tradicionais foram brutalmente atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta”, disse Karipuna ao ler a epístola final do ATL.

“Entre as vítimas está a nossa deputada federalista Célia Xakriabá, escopo de racismo e violência política. As forças de segurança, que deveriam proteger os povos indígenas, são as mesmas que nos assassinam em nossos territórios e ainda não concebem que indígenas possam ser eleitos para aldear o Congresso Pátrio”, complementou.
A própria Célia também se manifestou na plenária, dizendo que “tentavam o tempo todo intimidá-la”. “Não é sobre mim, é sobre nós. Onde o povo indígena está, é onde a luta está”, afirmou. “Toda violência nunca é individual, é coletiva, sobretudo quando envolve o racismo.” Nesta sexta-feira (11), uma representação criminal no Supremo Tribunal Federalista (STF) contra o governo do Região Federalista e órgãos de Segurança Pública foi protocolada pela deputada.
Indígenas se sentem mais ouvidos, porém ainda precisam lutar por direitos
A maior conquista do ATL foi a geração da Comissão Internacional Indígena para prometer maior participação dos povos indígenas nas negociações da 30ª Conferência do Clima da ONU, a COP30, que será realizada em novembro, em Belém.
A percentagem, anunciada nesta quinta (10), visa atender a uma demanda do movimento indígena brasílico, que havia reivindicado a co-presidência da COP30. Porquê a conferência da ONU é um espaço de debate e negociação restrito aos governos nacionais, a co-presidência seria uma maneira de os povos indígenas influenciarem diretamente nas negociações.

No resto do acampamento, porém, não faltaram cobranças. Porquê as que foram ouvidas nesta sexta, pela manhã, pela ministra do Meio Envolvente e Mudança do Clima, Marina Silva, e pela presidente da Funai, Joenia Wapichana, que foram ao ATL lançar um edital de restauração florestal em terras indígenas.
“Vocês, mulheres, guerreiras, ouçam mais. Cobrem mais, porque nós estamos cá para cobrar as nossas terras. Peitem o governo. Não tenham pânico, porque vocês são mulheres da base, que vieram da terreno, que vieram com o pé no solo”, disse Alessandra Korap, guerreira e uma das principais lideranças do povo Munduruku.
O momento, de diálogo público entre lideranças Munduruku e as autoridades do governo, diante de uma plateia composta por povos indígenas brasileiros e estrangeiros, ilustrou o contraste entre os avanços da relação dos povos indígenas com o atual governo federalista e muitas das dificuldades que ainda existem.
Se, por um lado, diferentes organizações e lideranças do movimento indígena ainda se veem obrigadas a cobrar do governo federalista espeque e ação na luta por seus direitos (porquê demarcação e proteção dos territórios, reverência à Constituição e maior fala no Congresso e no Judiciário), por outro, contam com a presença de indígenas em diferentes cargos do governo.
São pessoas que, até há pouco tempo, eram lideranças e referências no movimento, porquê é o caso da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, Joenia e Eloy Terena (legista e atualmente secretário no Ministério dos Povos Indígenas). Com essas autoridades, pelo menos há um diálogo provável, porquê lembrou a ministra Marina Silva.
“Daqui a um ano esse governo vai parar. O presidente vai trespassar e vai voltar para sua mansão, para os seus cachorros, para a sua esposa. E nós? Vamos voltar para onde, se nós não tivermos a nossa terreno demarcada e o nosso recta respeitado?”, questionou Korap, apoiada por gritos de outros representantes de seu povo.
A delegação Munduruku chegou ao ATL na noite de quinta-feira (10), depois de 14 dias acampados na BR-320, a rodovia Transamazônica, em um protesto contra o Marco Temporal, a câmara de conciliação do Supremo Tribunal Federalista (STF) que discute a lei que instituiu a tese anti-indígena e a proposta de construção da ferrovia Ferrogrão.
“Não tivemos nenhuma resposta da Funai, nós lá embaixo da chuva e do sol. O governo não deu atenção. Precisamos colocar nossas vidas [em risco] para invocar atenção e conseguir marcar uma agenda para falar com o governo”, disse Maria Leusa, outra liderança do povo Munduruku.
No Pará, os Munduruku estão espalhados por diferentes terras indígenas nos municípios de Santarém, Itaituba e Jacareacanga, no entorno do rio Tapajós e seus afluentes. A maior secção da população vive na Terreno Indígena Munduruku, demarcada em 2004, depois de décadas de luta. Outras terras ainda não tiveram o processo de demarcação concluído – é o caso da TI Sawré Muybu, onde vive Korap, que foi declarada pelo Ministério da Justiça em setembro do ano pretérito – penúltima lanço do processo. Já o processo da TI Sawré Bapin ainda está no Ministério da Justiça.
As lideranças denunciaram que, apesar da operação de retirada de invasores da Terreno Indígena Munduruku, a chamada desintrusão, realizada até o final de janeiro deste ano, muitos garimpeiros ainda atuam no território, que também enfrenta a presença de pecuaristas ilegais.
“Mulheres do governo que estão presentes, vamos cobrar mais do STF. Tem que expor basta para o Gilmar Mendes, basta para o STF, tem que respeitar a Constituição. Não é mais negócio. É demarcar, respeitar os territórios indígenas que é recta, é nosso recta!”, disse Korap, em referência à câmara de conciliação, criada pelo ministro do Supremo Tribunal Federalista para discutir alternativas à lei que instituiu o Marco Temporal.
A câmara é denunciada pelo movimento indígena pela pouca participação indígena, presença de ruralistas e por tentar “conciliar” direitos que são fundamentais, conforme estabelecido pela Constituição Federalista.
Segundo Korap, a lei 14.701, que instituiu o Marco Temporal (tese segundo a qual só podem ser demarcadas áreas em que seja comprovada a presença indígena na data da promulgação da Constituição), vem impedindo a demarcação dos territórios.

Marina Silva e Joenia Wapichana ouviram as cobranças diretas das lideranças Munduruku, que também reclamaram da privação da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Ela estava presente no evento na tenda da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), mas saiu pouco antes da ingresso da delegação Munduruku, composta por homens, mulheres, anciãos, crianças e bebês, que chegaram cantando.
Diante da reclamação, Marina explicou que Sonia teve que trespassar por ter sido chamada pelo presidente Lula para organizar uma série de atos que seriam assinados por ele. Isso gerou uma expectativa de que os tais atos poderiam ser alguma demarcação de TI, mas foi somente a chamada pública do programa Restaura Amazônia para Terras Indígenas, lançada por MMA e BNDES, em parceria com MPI e Funai.
Tanto Marina quanto Joenia reconheceram que, apesar de alguns avanços, ainda é preciso fazer “muito mais” pelos povos indígenas. Segundo a ministra do Meio Envolvente, o presidente Lula “com certeza sabe que precisa fazer mais”.
“Nós ficamos quatro anos com um governo que disse que não ia demarcar um centímetro de terras indígenas”, disse ela, em referência à presidência de Jair Bolsonaro. “Esse governo foi feito em associação com vocês, e associação é uma mão dupla: vocês podem e têm o recta de nos cobrar”, afirmou.
Apesar de expor que não estava ali para tutorar o governo, a ministra do Meio Envolvente listou uma série de ações, porquê a desintrusão de diferentes terras indígenas e a redução do desmatamento em vários biomas brasileiros, e lembrou os compromissos ambientais do presidente Lula.
Ela também esclareceu que a ferrovia Ferrogrão, obra rejeitada pelos indígenas que ligaria Sinop (MT) a Miritituba (PA) não está em processo de licenciamento – e sim que foi enviada para estudos pelo presidente.
Marina disse, ainda, que o presidente “paga um preço eminente” por ter criado o Ministério dos Povos Indígenas e por tê-la porquê ministra.
Segundo Marina, em outros governos, pessoas porquê ela, Sonia, Joenia, a ministra Macaé Evaristo, dos Direitos Humanos, não fariam secção do quadro de ministros, normalmente constituído por representantes de grandes bancadas no Congresso. “O partido da Soninha [PSOL] tem uma pequena bancada, o meu partido tem só um deputado. Eu não estou no governo porque eu tenho uma bancada, eu estou cá porque o presidente Lula também tem uma justificação. E a justificação dos povos indígenas é a dele”, disse ela.
A presidente da Funai, Joenia Wapichana, também disse asilar as demandas e disse que, durante o governo Bolsonaro, a Funai foi praticamente extinta.
“Encontramos uma Funai totalmente sucateada e desprezada. Mesmo com esse quadro de desmantelamento, a gente se reergueu. Buscamos parcerias com os povos indígenas. Mas o duelo é muito grande”, disse.
Joenia se colocou contra o Marco Temporal, resgatou ações de sua gestão na Funai e destacou o vestimenta de que, pela primeira vez em quase uma dez, houve um concurso público para o órgão, que receberá 502 novos servidores – 30% deles indígenas. Ela também expressou solidariedade aos Munduruku pelas ameaças que sofreram ao longo dos dias de protesto na Transamazônica.
“Porquê gestão indígena, eu fico até chateada quando alguém chega e nos compara ao governo retrógrado e negacionista que a gente viveu no pretérito. Mas eu acredito que não é a mesma coisa. Nós estamos cá para fortalecer os povos indígenas. As nossas limitações são visíveis, mas nós não estamos cá para retroceder nenhum recta”, disse.