Áudios indicam que promotor de MG aconselhou engenheiro que projetou barragem da Samarco
8 min readO promotor do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) Carlos Eduardo Ferreira Pinto teria orientado o engenheiro Joaquim Pimenta de Ávila, que projetou a barragem que rompeu em 2015 em Mariana, conforme revelam áudios aos quais a Escritório Pública teve entrada. “Eu estou te falando uma vez que legista, se o legista falar dissemelhante, você pode incumbir na termo do legista daqui”, disse o promotor a Pimenta. “Porque eu acho que assim, supra de tudo isso, tá nossa amizade”, acrescentou ao longo da conversa.
O diálogo foi interceptado pela Polícia Federalista (PF) em 20 de janeiro de 2016, quando Pimenta era investigado pelo sinistro de Mariana e Carlos Eduardo era membro da força-tarefa do Ministério Público que apurava o caso. Atualmente, o promotor coordena o Meio de Base Operacional das Promotorias de Justiça de Resguardo do Meio Envolvente (Caoma) no MPMG.
Ao final das investigações, Joaquim Pimenta de Ávila, que além de projetista da barragem do Fundão era consultor da Samarco à quadra do rompimento em Mariana, não foi denunciado pelo Ministério Público. No processo judicial ele aparece uma vez que uma das principais testemunhas de arguição.
Segmento da conversa de 11 minutos entre o engenheiro e o promotor está transcrita na sentença da Justiça Federalista publicada na última quinta-feira (14/11), que absolveu as empresas Samarco, Vale, VogBR e BHP Billiton da imputação de crimes ambientais, além de sete pessoas, entre elas diretores, gerentes e técnicos das empresas.
A autora da decisão, a juíza do Tribunal Regional Federalista da 6ª Região (TRF-6) de Ponte Novidade, Patrícia Alencar Teixeira de Roble, acatou parcialmente o pedido dos réus com base nas gravações e anulou todas as declarações de Pimenta à PF e ao Ministério Público, usadas uma vez que provas. A magistrada considerou unicamente o testemunho do engenheiro oferecido em pensamento.
Procurado, Joaquim Pimenta informou por email não ter zero a declarar “sobre a posição da juíza”. “Meu testemunho na Justiça Federalista foi mantido pela juíza. Zero tenho a aumentar, portanto”. O engenheiro não comentou sobre sua relação com o promotor de justiça mineiro e nem sobre os áudios.
Já o MPMG informou, por meio de nota, que os fatos foram apurados “de forma exauriente” pela Procuradoria-Universal de Justiça, com arquivamento em 2017, “reconhecendo-se, inclusive, que não houve qualquer orientação sobre direcionamento de testemunho de testemunha, mas unicamente aconselhamento para que fosse dita a verdade, aos meios de informação, sobre o rompimento da barragem de Fundão [em Mariana]”. “Não houve qualquer irregularidade na conduta de qualquer promotor de justiça ou servidores da instituição na apuração do caso Samarco”, acrescenta o órgão.
Sobre a sentença da Justiça Federalista, o MPMG informou que se “abstém de realizar qualquer glosa, uma vez que não oficia no respectivo processo criminal, que tramita na Justiça Federalista”. “Cabe, assim, ao Ministério Público Federalista adotar as providências que reputar cabíveis”, acrescenta.
Nos autos, não é citado o nome do promotor Carlos Eduardo, que aparece nas transcrições dos diálogos uma vez que “interlocutor”. A Pública confirmou, no entanto, a partir de informações do laudo produzido pela PF, que o número do telefone interceptado é o mesmo do promotor. O contato também foi divulgado em Powerpoint apresentado por Carlos Eduardo durante participação em audiência pública na Câmara dos Deputados em março de 2016.
A juíza Patrícia Roble ressaltou em sua sentença que, “embora não se tenha esclarecido, pelos meios próprios, a identidade do interlocutor, é fácil perceber, pelo teor dos diálogos, que se trata de pessoa que estava a par das investigações”.
Ainda sem mencionar o nome de Carlos Eduardo, a magistrada destacou que Pimenta “conversava com um verosímil agente público que estaria no meio das investigações, trocando impressões informais sobre o evento, suas possíveis causas e qual a melhor estratégia para convencer ao público e as autoridades de que havia feito o que estava a seu alcance para evitar a catástrofe”.
Os áudios gravados pela PF a partir de escutas autorizadas do telefone do engenheiro revelam ainda que sua esposa, a geóloga Marta Sawaya, que era servidora do MPMG, teria colaborado informalmente com as investigações, apesar de não integrar a equipe técnica destacada para as apurações relacionadas ao rompimento da barragem em Mariana.
A juíza Patrícia Roble observou que a conversa, à qual a Pública também teve entrada, mostra que “o consultor e projetista da barragem de Fundão troca impressões e informações sobre os desdobramentos da investigação com sua esposa”. Segundo ela, Sawaya “seguia colaborando informalmente e ativamente com as investigações conduzidas no contextura do MPMG, valendo-se, ainda, da imposto do próprio projetista investigado, sem que houvesse formalização de qualquer congraçamento”. A reportagem procurou Sawaya, mas não obteve retorno.
“Embora os graves fatos alegados pela resguardo estejam documentados desde 2016 e que nenhuma providência tenha sido tomada no sentido de esclarecê-los (por qualquer das partes), impossível passar por eles sem sentir o impacto que podem ter causado nas investigações acerca do rompimento da barragem de Fundão”, pontuou a magistrada em sua decisão, referindo-se aos áudios.
Promotor teria orientado uma vez que investigado devia agir
O promotor Carlos Eduardo teria telefonado para o engenheiro Joaquim Pimenta por volta das 21h30 do dia 20 de janeiro de 2016, de congraçamento com informações que constam no relatório da PF referente aos números de telefone que contactaram o investigado.
Os áudios interceptados pela PF indicam que, ao longo da conversa com Pimenta, Carlos Eduardo teria elogiado a risca de resguardo do engenheiro e o orientado a “falar o que tem falado sempre”. “Eu acho, a sua risca, acho que é supercorreta. O senhor está equilibrado. O senhor está falando, não está acusando a Samarco, mas o senhor está com credibilidade. Não perda essa credibilidade da opinião pública”, teria aconselhado o promotor. “Eu estou te falando uma vez que legista, se o legista falar dissemelhante, você pode incumbir na termo do legista daqui”, teria amplificado.
Em resposta, Joaquim Pimenta endossou o “camarada”: “Pode ter qualquer outro legista que falar, e eu vou confiar no que o senhor está falando, porque, além da experiência, o senhor está dentro do problema mais que ninguém”. Carlos Eduardo teria dito ainda: “Logo eu acho que é importante assim, eu acho que tem que dosar mesmo. Você tem que falar o que você tem falado sempre […] com limite, mas com zelo”.
O diálogo entre os dois indicaria que o promotor telefonou para Pimenta para convencê-lo a gravar uma entrevista ao Fantástico, da TV Orbe. “Você pode não falar mais para ninguém, nunca mais, mas no Fantástico tem que falar”, disse, e acrescentou: “Estou falando com o coração”. “Se você não falar e a Vog [empresa que prestava consultoria para a Samarco], por exemplo, falar, sabe o que vai intercorrer? Vai replicar isso e você na segunda-feira vai ser obrigado a falar porque eles disseram o contrário de você”, teria justificado.
Ao longo da conversa, o promotor teria dito que se sentiu “na obrigação” de falar sobre a entrevista a Pimenta. “Porque eu acho que assim, supra de tudo isso está a nossa amizade. E aí eu falei: ‘Ó, não posso deixar de falar isso pra você, porque é um objecto importante”.
Promotor teria elogiado testemunho de investigado: “Supimpa!”
Em outro momento da conversa interceptada pela PF em 2016 entre o promotor e o projetista da barragem de Fundão, Pimenta teria perguntado se Carlos Eduardo tinha qualquer retorno de uma vez que ele havia se saído numa oitiva: “Só tem uma pergunta assim de curiosidade. Por contingência o senhor teve alguma notícia se a minha oitiva foi boa?”. O promotor portanto teria respondido: “Foi supimpa”. E depois reforçou: “Foi fabuloso, todo mundo adorou, tá?”.
Na sequência, Carlos Eduardo teria pedido para Marta, esposa de Pimenta, portanto servidora do MPMG, que lhe entregasse a Epístola de Risco da barragem. O documento foi usado nos autos uma vez que prova para imputar acusações aos réus, uma vez que não haveria no registro as informações levantadas pela consultoria de Pimenta sobre os riscos do empreendimento da Samarco em Mariana.
Os áudios da PF mostram que o promotor teria tirado dúvidas com o investigado para fundamentar suas argumentações: “Eu falei com a Marta, se você estiver com ela, você fala com ela para ela não olvidar. Eu ligo cedo para ela, porque eu quero que ela me dê mais certinho assim, a Epístola de Risco. Para eu entender direitinho e ter fundamento”, teria afirmado Carlos Eduardo.
Pimenta portanto explicou : “A Epístola de Risco, ela foi feita pro projeto inicial. Ela estava lá e a Samarco nunca revisou. Depois que eu saí em 2012, eles mudaram o projeto, mas não revisaram a Epístola, portanto não tinha na Epístola os piezômetros do recuo”. O engenheiro ainda acrescentou, defendendo-se: “E o que me espanta também é o seguinte: a Samarco tinha a obrigação de fornecer ao auditor o meu relatório das trincas que mostrava um risco”.
A PF interceptou uma outra conversa de Pimenta com Marta no dia seguinte, em 21 de janeiro de 2016. Na ocasião, Marta disse que havia se encontrado com o “doutor Carlos”. Ela sugere que deu explicações a ele sobre a barragem em Mariana. “Dei uma lição sobre barragem, projeto de barragem”, afirmou.
Mais adiante na conversa, Marta disse que o “doutor Carlos” havia falado “muito” de Joaquim Pimenta. Segundo a transcrição, o diálogo continuou:
Joaquim Pimenta: Ah, o que ele falou de mim?
Marta: Ele falou que achou ótimo, que ele foi ver, ele teve com os caras da Polícia Federalista.
Joaquim Pimenta: An?
Marta: E ele viu que eles iam indiciar você se você não tivesse falado, desobstruído aqueles relatórios, ele falou: “olha, ele não pode permanecer quieto, tímido não, ele ia ser indiciado junto”.
Joaquim Pimenta: Por que que não foi?
Marta: Porque você abriu aquele relatório, que você mostra, que você viu antes…
Joaquim Pimenta: Das trincas?
Marta: É, foi isso que te salvou
A conversa entre os dois teria se encerrado quando Joaquim Pimenta alertou que eles não deveriam comentar sobre o objecto por telefone: “Ó, não vamos falar isso por telefone, não, tá”, disse à esposa. “É, eu também acho, você que puxou o objecto”, acrescentou.