Cinco anos depois da morte de Miguel, mãe ainda luta por justiça
6 min read
Ainda estávamos na pandemia de Covid-19 quando chegou aquela notícia terrível. Era 2 de junho de 2020. Um menino de somente cinco anos havia morrido ao despencar do 9° caminhar do prédio de luxo chamado Torres Gêmeas, no núcleo do Recife. Quem morava na capital pernambucana na era conhecia muito aqueles espigões. Eles já tinham sido palco de outras cenas criminosas. Erguidas às margens do rio Capibaribe sob protestos dos movimentos sociais porquê o Ocupe Estelita, as torres de 41 andares onde moram ricaços são um cartão postal da especulação imobiliária e da desigualdade social da cidade.
Cinco anos depois, a morte de Miguel Otávio Santana da Silva ainda permanece impune. Um ato de protesto na frente das torres gêmeas, agendado para a segunda-feira, 2 de junho, deve marcar a data, pedindo #JustiçaPorMiguel. Sari Mariana Costa Gaspar Galanteio Real, ex-patroa de sua mãe, deixou o menino entrar sozinho no elevador e apertou o botão da cobertura. A cena foi registrada pelas câmeras do prédio.
Sari – uma mulher branca, loira e rica, ex-primeira mulher do município de Tamandaré, no Litoral Sul do estado, e integrante de uma família politicamente influente na sociedade pernambucana – estava fazendo as unhas. Ela ficou responsável por Miguel enquanto sua mãe, Mirtes Renata Santana de Souza, que trabalhava porquê doméstica na moradia, recebeu ordens de passear com o cachorro. A patroa chegou a ser presa em flagrante por homicídio culposo, mas foi solta sob fiança de R$ 20 milénio.
Em maio de 2022, ela foi condenada em primeira instância a oito anos e seis meses de prisão por desabrigo de incapaz com resultado de morte. Na segunda instância, a pena foi reduzida para sete anos, porém ela ainda segue em liberdade.

O processo contra Sari ficou aproximadamente um ano e meio parado no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Segundo a advogada de resguardo de Mirtes, Anamaria Prates, a ação só voltou a caminhar recentemente, depois de grande pressão. Ambas as partes apresentaram recursos e agora aguardam o julgamento dos embargos de enunciação, quando se procura emendar ou complementar uma decisão judicial. A advogada de Mirtes pede que a pena máxima para o delito, de 12 anos de reclusão, seja aplicada. Já a resguardo de Sari quer a remissão.
Sari e o marido, Sérgio Hacker Galanteio Real – o ex-prefeito Tamandaré -, chegaram a ser condenados a remunerar uma indenização de R$ 1 milhão por danos morais aos familiares de Miguel, mas a sentença foi suspensa pelo STJ. Há ainda uma ação trabalhista de Mirtes contra o parelha que aguarda julgamento. Em 2023, Sari foi aprovada em um curso de Medicina.
Por que isso importa
- O Brasil tem quase 6 milhões de trabalhadores domésticos, a maioria dela mulheres, de convenção com dados do IBGE de 2023.
- O caso levou à geração do Instituto Menino Miguel, de resguardo da puerícia, pela Universidade Federalista Rústico de Pernambuco (UFRPE).
A Sucursal Pública procurou a resguardo de Sari Galanteio Real por telefone, e-mail e Instagram, mas não recebeu respostas até a publicação. O espaço permanece crédulo.
Mirtes, hoje com 38 anos, está no nono período de Recta porquê bolsista. “Comecei a estudar para entender o que estava acontecendo no processo”, conta. “Todas as vezes que vou ao tribunal é uma violência que eu sofro. Vêm as lembranças de tudo o que aconteceu, fora os absurdos que tenho que ouvir: gente dizendo que Miguel é o culpado. Que Sari se sentiu coagida. Porquê um menino de cinco anos iria constranger uma mulher de mais de 30?”, questiona.
Vagar do judiciário é “tortura”, diz mãe de Miguel
Um processo judicial longo, porquê o do caso de Miguel, “é uma revitimização”, diz a advogada Anamaria Prates. “A morosidade para se pôr um término é uma novidade violência contra a mãe”, afirma.
Para Mirtes, a longa guerra judicial é um processo de “tortura” psicológica. “Tem dia que estou péssima, querendo dar um cheiro, um amplexo no meu rebento, sentir ele dormindo, me dando ósculo, a respiração dele no meu pé do ouvido”, confessa. “A morosidade do Judiciário é uma falta de saudação comigo, com a memória do meu rebento e também para toda a sociedade ver a irresponsabilidade do judiciário pernambucano.”
Ao longo do processo, ela e sua mãe, Marta Santana, chegaram a ser acusadas dos crimes de racismo, espancamento e cárcere privado contra Miguel. A sentença foi proferida pelo juiz José Renato Bezerra, titular da 1ª Vara dos Crimes contra a Rapaz e o Juvenil da Capital. “Uma testemunha de Sari foi ouvida de forma irregular dentro do processo e citada sem conhecimento dos meus advogados”, afirma Mirtes à Pública. “Ela era uma empregada de Sari e disse que eu brigava com Miguel, que minha mãe chamou meu rebento de ‘peste preta’. Coisas que nunca aconteceram”, acrescenta.

Depois da sentença, o juiz se afastou do caso. A reportagem procurou a assessoria do TJPE por e-mail e por telefone sobre o retiro do juiz e a morosidade na epílogo no processo, mas não houve resposta até a publicação.
O pedido de investigação contra Mirtes e sua mãe, que também trabalhava porquê doméstica para os Galanteio Real, foi retirado do julgamento, pois a resguardo dela recorreu pedindo que fossem suprimidas questões revitimizantes.
Mesmo condenada em segunda instância, Sari responde em liberdade porque ainda cabem recursos. Durante a troca de comando do TJPE, em fevereiro de 2025, o processo sofreu novos atrasos. “Tivemos que apresentar documentos novamente porque estavam digitalizando tudo, mas sequer fomos citadas, descobrimos porque fomos lá”, conta Mirtes. “Depois ficou um desembargador jogando o processo para o outro”, critica.
Ela diz que não se sente respeitada porquê uma estudante de Recta quando vai ao tribunal. E que a influência da família de Sari no judiciário a faz confiar que o caso só será resolvido quando trespassar dos tribunais pernambucanos. Sua esperança é que ele chegue ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), última instância dos processos penais. “Sari não era nem mais para tá solta. Ela se mudou sem informar ao judiciário, conseguimos provas disso, mas o juiz José Renato Bezerra fechou os olhos”, disse. “Durante a audiência de instrução, o juiz estava conversando com ela porquê amigos de puerícia”, completou.
Morte de Miguel foi um caso de racismo, diz Mirtes
Quando engravidou de Miguel, Mirtes já tinha o ensino médio completo, mas precisou trabalhar para ajudar no sustento da família e deixou o sonho da faculdade em segundo projecto. Começou porquê faxineira até chegar a empregada doméstica, porém ela sempre quis buscar outros caminhos. “Pensava em cursar uma faculdade EAD, tinha esses planos”, contou.
Atualmente ela é ativista e assessora parlamentar. “Sofri muito racismo e muita gordofobia até chegar onde cheguei”, lembra. “Mas trocaria tudo isso, trabalho, faculdade, para ter meu rebento comigo.” Mirtes reconhece a morte do rebento porquê um caso de racismo. O que ela mais deseja hoje é que tudo seja resolvido. “Preciso resfolgar. Quero que Sari seja presa a cumpra sua pena porque ela cometeu um delito.”
Seu outro maior ânimo nessa longa guerra por justiça é o vislumbre de que um dia, porquê advogada, ela também será capaz de ajudar outras mães que perderam seus filhos. “Muitas delas não têm advogados. Vão lá tentar saber do processo, sem ter informação. Se é difícil para quem tem informação, imagina o que o Judiciário faz com quem não conhece zero”.