Comprar comida ficou mais caro no Brasil em 2024, e o clima tem tudo a ver com isso
13 min readIr ao mercado ou à feira neste ano no Brasil foi uma tarefa que dificilmente não causou indignação. Dos 168 subitens ligados à alimento monitorados pelo IBGE, 119 ficaram mais caros ao longo do ano. Abacate, frutas cítricas e o moca moído, além do famigerado óleo de oliva, puxam a lista de mantimentos com maior aumento nos preços. Comprar comida ficou muito mais dispendioso neste ano, e os extremos climáticos que o país e o mundo viveram no último biênio ajudam a explicar o porquê dessa subida nos preços.
“A ocorrência desses eventos climáticos mais intensos, sem dúvidas, pode afetar a produção de diversos mantimentos. Pode completar ocasionando quebra de safras, receio quanto às safras futuras, [afetar a] qualidade do solo, e isso pode completar se refletindo nos preços ao consumidor final, principalmente os mantimentos”, explica André Almeida, gerente do Sistema Vernáculo de Índices de Preços ao Consumidor, do IBGE.
De conformidade com os dados do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação acumulada em 2024 na categoria “alimento e bebidas” foi de 6,44% – muito supra do índice universal, que está em 4,29%. No ano pretérito, a inflação de mantimentos e bebidas em foi de muro de 1%, enquanto a inflação universal foi de 4,62%.
Dois mantimentos que ganharam manchetes por terem ficado mais caros em 2024 ajudam a entender a influência do clima no bolso do consumidor.
O moca moído registrou aumentos nos preços em todos os meses de 2024, com uma inflação acumulada de quase 33% no ano. As condições climáticas do Brasil, que enfrentou ondas de calor e potente estiagem nas regiões produtoras (porquê Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo), e do Vietnã, segundo maior produtor global, que passou por um período de seca histórica e, depois, por chuvas muito intensas, ajudam a explicar o aumento no preço da commodity, que atingiu o maior preço nos mercados internacionais em quase 50 anos.
Já o óleo de oliva está em situação ainda pior para o bolso do consumidor: a última vez em que o IPCA registrou queda no preço da iguaria foi em outubro de 2022. Em 2024, o óleo já acumula um acréscimo de 21,6% nos preços, sendo que no ano pretérito o resultado já havia encarecido mais de 37,1%.
No caso do óleo, o problema vem da produção de azeitonas na Europa, de onde o Brasil importa a maior secção do que é consumido nacionalmente. As regiões produtoras, porquê Itália, Espanha, Grécia e Portugal, sofreram com ondas de calor muito supra do normal nos últimos anos. Mesmo para uma árvore habituada com o clima mediterrâneo, porquê as oliveiras, as temperaturas acima de 40 °C resultaram em uma queda significativa na produção, jogando os preços mundiais lá para cima.
É o calor, inclusive, o extremo climatológico mais perigoso para a lavoura mundial. Um estudo publicado na revista Nature em março deste ano mostrou que a inflação relacionada ao calor (“heatflation”, no termo em inglês cunhado pelo Grist, veículo americano especializado em mudanças climáticas) pode aumentar os preços dos mantimentos em até 3% por ano até 2035. Segundo a estudo, para cada 1 °C de aumento nas temperaturas de determinado mês, a inflação no preço dos mantimentos aumenta cerca de 0,2% ao longo do ano seguinte – isso desconsiderando os efeitos cumulativos de guerras e recessões globais.
Quando se fala do impacto das mudanças climáticas da lavoura, não se trata das alterações sazonais do clima, que sempre afetaram a produção, mas de eventos de subida intensidade. “Desde que surgiu, há 10 milénio anos, a lavoura é afetada por variações do clima”, lembra Eduardo Assad, pesquisador do Núcleo de Estudos do Agronegócio da Instauração Getúlio Vargas (FGV-Agro) e ex-pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Mas o que está acontecendo agora é que essas alterações estão ocorrendo em um tempo muito limitado. No pretérito eram milénio anos, dois milénio anos para essas coisas acontecerem. Hoje, estão acontecendo em um pausa de 10 anos, 20 anos.”
A culpa disso é do ser humano, que está aquecendo o planeta com a emissão de gases do efeito estufa gerados mormente pela queima de combustíveis fósseis, mas também pelo desmatamento e pela produção agropecuária.
“O caminhão está na descida e está sem freio, o que vai suceder? [A situação do clima] é mais ou menos isso. Nós estamos num momento de emergência climática e de subida vulnerabilidade. São temperaturas elevadas, chuvas fortes, evapotranspiração subida. A produtividade cai, a produção cai, o risco de produzir aumenta. Nós vamos ter que consumir comida feita em impressora 3D”, diz Assad.
No biênio 2023-2024, o Brasil esteve sob influência do El Niño, um fenômeno climatológico oriundo, que costuma ocasionar chuvas intensas na região Sul, seca no Setentrião e no Nordeste e temperaturas mais altas no Sudeste e no Núcleo-Oeste, entre outros efeitos. Só que as mudanças climáticas amplificaram e muito os efeitos do El Niño, segundo estudos de atribuição do núcleo de pesquisas World Weather Attribution (WWA).
As chuvas sem precedentes que atingiram o Rio Grande do Sul e afetaram sua produção agrícola, por exemplo, foram duas vezes mais prováveis e de 6% a 9% mais intensas por conta das mudanças climáticas. A seca histórica que atingiu a Amazônia em 2023 – e se repetiu em 2024 – foi 30 vezes mais provável. Já as ondas de calor que assolaram quase todo o país em 2023 foram 100 vezes mais prováveis por desculpa do aquecimento global.
Vale deixar evidente: o clima não é o único fator que afeta os preços dos mantimentos. O valor recorde do dólar, por exemplo, deixa mais atrativa a exportação, reduzindo a oferta interna. Ou por outra, encarece a compra de insumos que são dolarizados ou importados, incluindo ração bicho e agrotóxicos. As guerras na Ucrânia e na Palestina também ajudam a pressionar os preços, assim porquê aumento nos custos de transporte e dificuldades logísticas.
Giampaolo Pellegrino, pesquisador da dimensão de Mudanças Climáticas Globais da Embrapa, destaca que mais do que os eventos climáticos extremos, a falta de capacidade de mourejar com essa novidade veras é que faz com que a produção agrícola seja tão afetada. Entre as soluções possíveis para minimizar os efeitos climáticos na inflação, Pellegrino cita a geração de estoques reguladores, que possam ser utilizados em um momento de menor oferta no mercado, uma melhor logística de transporte e um manejo do solo que o proteja contra os extremos climáticos.
“A gente pode e deve ter alternativas de adaptação, de redução desse impacto [das mudanças climáticas]. Isso envolve a capacidade de não deixar os preços de determinado manjar subirem ou ter alternativas para evitar o impacto na produção”, afirma o pesquisador.
Enquanto as autoridades não freiam as emissões de gases do efeito estufa nem promovem políticas profundas de adaptação às mudanças climáticas, a população segue sofrendo, não exclusivamente com os efeitos diretos de desastres climáticos, mas também no bolso.
No clima de retrospectiva de final de ano, a Escritório Pública relembra quais mantimentos tiveram maior aumento nos preços ao longo de 2024 e porquê o clima tem tudo a ver com isso.
No primeiro mês do ano, a grande campeã da inflação foi a cenoura.
O legume, que já havia reunido mais de 40% de aumento nos preços em 2023, iniciou o ano subindo quase 44%. No atacado, chegou a custar quase R$ 8 o quilo, segundo dados da Companhia Vernáculo de Provisão (Conab). O manjar voltou a subir no mês seguinte, com um aumento de 9,1%, antes de iniciar uma trajetória majoritariamente de queda, com um reunido anual de -24% até novembro (não chegou a R$ 3 o quilo no mês pretérito).
O aumento do preço no início do ano se deveu principalmente às intensas ondas de calor que atingiram quase todo o Brasil entre setembro e novembro de 2023, incluindo a principal cidade produtora do manjar, São Gotardo (MG), na região do Cumeeira Paranaíba. Ou por outra, as chuvas intensas na região Sul, outra produtora relevante de cenoura, também foram um problema.
Segundo explicou a pesquisadora do Cepea Renata Bezerra Meneses ao G1, o calor fora do normal fez com que os agricultores tivessem muitos problemas com doenças nas plantações, além de terem que descartar cenouras que não atingiram o tamanho considerado adequado para o mercado consumidor.
Em fevereiro, teve carnaval e também teve aumento no preço de uma hortaliça polêmica, tópico de acaloradas disputas entre seus fãs e seus haters. O questionável coentro foi o manjar com maior aumento no mês, ficando 18% mais dispendioso, segundo o IBGE. O tempero também ficou mais dispendioso em março, subindo 14,3%. No ano, o manjar registra um aumento reunido de 6,1% até novembro.
As ondas de calor e a chuva supra do normal ajudam a explicar a menor oferta do coentro no início do ano, já que as altas temperaturas e o excesso de umidade fazem com que as folhas amarelem e fiquem impróprias para consumo. Há quem tenha comemorado a notícia…
A cebola fez os consumidores chorarem entre março e abril deste ano. Não estamos falando das substâncias químicas liberadas durante o namoro do legume, mas do aumento do seu preço nos supermercados. No ranking da inflação, o manjar foi o quarto com maior acréscimo em ambos os meses.
A cebola, que já havia registrado aumento nos preços em fevereiro, ficou 14,3% mais faceta em março. No mês seguinte, subiu mais 15,6%, ficando quase todo mês de abril supra dos R$ 7 o quilo, segundo dados da Conab – perante um preço na filete dos R$ 4 em janeiro. A trajetória de aumento continuou em maio, antes dos preços começarem a desabar; no ano, a cebola tem queda acumulada de 33,8%.
Segundo relatório publicado pela revista Hortifruti Brasil, da Escola Superior de Lavra “Luiz de Queiroz” (Esalq/USP), as chuvas volumosas que atingiram a região Sul no último trimestre de 2023 resultaram em podridão, umidade dentro dos bulbos e má formação da casca. Paralelamente, o Nordeste passou por meses de calor excessivo, que geraram perda de calibre das cebolas.
Em maio, o “vencedor” da inflação liderou com ampla margem: a batata-inglesa registrou aumento de 20,6%, chegando a custar mais de R$ 7,60 o quilo, de conformidade com dados da Conab. O tubérculo, que acumula uma inflação de 7,6% no ano, também registrou aumentos supra de dois dígitos em janeiro (29,4%) e em junho (14,5%). Em novembro tinha tombado para menos de R$ 5 na maior secção do mês.
A colheita da batata no Brasil tem três diferentes safras: a das chuvas, de dezembro a março; da seca, de abril a julho; e de inverno, de agosto a novembro. O aumento nos preços registrado em maio tem a ver com o término da safra das águas e com uma colheita muito inferior da expectativa no início da safra da seca.
A razão, segundo relatório da Hortifruti Brasil, envolve a falta de produtividade das lavouras do Paraná, que sofreram com altas temperaturas e chuvas irregulares, e com a catástrofe climática no Rio Grande do Sul, que impediu o início da colheita no estado.
No sexto mês do ano, a manga esteve no pódio dos mantimentos com maior inflação, registrando um aumento de 17,1%, o terceiro maior para o mês entre os mantimentos. Segundo dados da Conab, a manga chegou a custar mais de R$ 8 o quilo no varejo em julho. A fruta, que também teve inflação supra de dois dígitos em janeiro (23,3%) e fevereiro (16,9%), iniciou em julho uma trajetória de queda e registra -3,2% no reunido de 2024 – chegou a R$ 3 em novembro.
O aumento dos preços no primeiro semestre, explica o pesquisador Lucas Bezerra, do Cepea, tem a ver com a sazonalidade da fruta, que costuma ser colhida no Vale do São Francisco, uma das principais regiões produtoras, no segundo semestre.
Mas o clima também atrapalhou: “a produtividade foi impactada por conta das altas temperaturas, que limitaram o desenvolvimento e pegamento das floradas, de outubro de 23 até o primórdio de 24. Depois, as áreas foram mais impactadas pelo excesso de chuvas, que começou a atingir a região ali em meados de fevereiro deste ano”, diz Bezerra. As condições climáticas também fizeram com que houvesse um aumento da antracnose, uma doença fúngica, reduzindo ainda mais a oferta.
Não importa porquê você labareda: tangerina, mexerica ou bergamota. O indumento é: a fruta está mais faceta em 2024. O manjar já foi um dos campeões de inflação acumulada em 2023, quando os preços subiram 43%, e segue em trajetória crescente esse ano. Em 2024, os preços começaram a disparar em julho, quando a Conab registrou o quilo no varejo na filete de R$ 6,90. A tendência de subida se manteve ao longo do segundo semestre, com aumentos entre 4% e 10%. Até novembro, o aumento reunido no preço da tangerina chegou a 68,1%, o quarto maior entre todos os mantimentos.
Além do aumento nos preços dos insumos, os produtores da fruta vêm sofrendo com perdas por conta da doença de greening, causada por uma bactéria transmitida pelo psilídeo, um inseto. Para piorar, a fruta também sofreu com condições climáticas atípicas, incluindo chuvas de saraiva.
Segundo relatou Antonio Carlos Simonetti, mentor da Associtrus (Associação Brasileira de Citricultores), em entrevista à Folha de S. Paulo, o excesso de chuvas no Sul e no Sudeste “lavou” o tempero em plantações nas regiões produtoras, diminuindo a oferta da fruta. As chuvas excessivas favorecem, inclusive, a disseminação do greening, em um efeito negativo reunido.
Para tristeza dos brasileiros com prisão de ventre, nenhum manjar teve maior inflação em agosto do que o mamão. A fruta ficou 17,58% mais faceta, segundo o IBGE, chegando a ser cotada supra dos R$ 5 o quilo na versão formosa e de R$ 8 na haway. O mamão também registrou aumentos supra de dois dígitos em abril (22,8%) e em setembro (10,3%). No ano, a inflação acumulada é de -2,65%.
Lucas Bezerra, do Cepea, explica que o mamão é uma fruta mormente sensível às condições climáticas e que as altas temperaturas que atingiram o semiárido nordestino e o Espírito Santo em agosto e setembro afetaram a produtividade da fruta. Ou por outra, dificuldades no transporte da fruta, que é extremamente perecível, também podem ter contribuído com o aumento nos preços.
No segundo semestre, ficou mais dispendioso se refrescar no Brasil. Para os amantes da caipirinha, o limão pesou no bolso; para quem prefere um pouco sem álcool, porquê um bom suco de laranja, os preços também dispararam. As duas frutas cítricas acompanharam o prolongamento na inflação da “prima” tangerina.
A inflação acumulada em 2024 no preço da laranja-lima foi a segunda maior do ano (até novembro) entre os mantimentos: 96,9%. A do limão foi a terceira maior, 82,8%.
Boa secção do aumento no preço dos dois cítricos se deu entre setembro e outubro. O limão liderou o ranking em ambos os meses, com aumentos de 30,4% em setembro e de 46,8% em outubro – a maior inflação mensal dentre todos os mantimentos em 2024. A fruta também registrou aumento supra de dois dígitos em março. Segundo dados da Conab, o limão chegou a custar mais de R$ 9 o quilo na média, muito supra do preço do início do ano, quando estava cotado na filete dos R$ 2.
Já a laranja-lima foi o terceiro manjar que mais subiu em setembro (14,7%) e o segundo em outubro (26,1%). A variedade da laranja também registrou aumentos supra de dois dígitos em janeiro e em novembro. Não há registros de preços da laranja-lima na Conab, já que o órgão exclusivamente registra preços para a laranja-pera (que também está mais faceta em 2024, com quase 50% de aumento reunido).
Assim porquê a tangerina, explicou à Pública o pesquisador do Cepea Renato Ribeiro, a laranja-lima e o limão vêm sofrendo com a disseminação do greening, doença de difícil controle e que devastou laranjais da Flórida (EUA).
Mas as condições climáticas também têm sido determinantes para os aumentos significativos nos preços. Tanto no caso da laranja quanto no do limão, as ondas de calor e a seca intensa que atingiram as regiões produtoras (São Paulo e Minas Gerais, em privativo) reduziram a oferta e ainda fizeram com que a qualidade das frutas disponíveis caís – isso em um momento em que a demanda começa a subir, com os consumidores querendo se refrescar do calorão.
Não está fácil a vida dos restaurantes mexicanos no Brasil. Nenhum manjar ficou mais dispendioso em 2024 do que o abacate, matéria-prima da deliciosa guacamole. O aumento reunido no ano já passa dos 129%; só em novembro, o abacate ficou 43,8% mais dispendioso, chegando a custar mais de R$ 20 o quilo em vários dias do mês pretérito – em janeiro, o quilo no varejo estava na filete dos R$ 5, segundo a Conab.
A entressafra, que se inicia em agosto, assim porquê aumentos nos custos de produção e de frete, explicam em secção o aumento significativo nos preços no segundo semestre. Mas também tem a ver com o clima: na estação de florada da fruta, em agosto e setembro, as ondas de calor e a baixa umidade do ar, causada pela falta de chuvas, fizeram com que muitas vegetação abortassem, reduzindo a oferta do manjar nos meses seguintes.