Design dá ideias à indústria

Nunca tinha tingido zero, à exceção de umas calças, mas durante um mês João Xará, 29 anos, designer de resultado, esteve imerso na tinturaria da fábrica A Transformadora, na Covilhã, explorou a utilização de pigmentos naturais e reutilizou as águas dos tingimentos para produzir várias peças com diferentes tons, de mantas a objetos para sentar, com diferentes alturas e tonalidades.

João Xará foi um dos cinco artistas que participaram nas residências em três fábricas locais no contextura da Trienal Internacional de Design da Covilhã, com o objetivo de envolver designers contemporâneos, a indústria e o público e de potenciar a experimentação no design têxtil e de tendência e ampliar valor ao que existe, apresentando novas possibilidades.

Que os tingimentos gastam muitos litros de chuva João Xará já sabia. No processo industrial, a antiga Competência & Pereira não tem uma vez que zelar a chuva dos tingimentos, ainda com grande saturação. O designer propôs-se, a uma graduação manual, utilizar essas sobras até obter diferentes gradações da mesma tonalidade, diferentes intensidades da cor até o pigmento estar esgotado na chuva e quase permanecer transparente.

O resultado são peças que projetam essa “farra gráfica, em que vão perdendo a cor, uma vez que o próprio processo em si”. “Está muito relacionado com a sustentabilidade e a reutilização do material, que não é só a chuva, mas também o corante, o mordente, o tempo de encher a chuva, uma série de coisas”, explicou o instituidor.

Desde sábado que os trabalhos das cinco residências estão expostos no piso superior de A Transformadora, no Pisão Novo, por trás da Faculdade de Engenharias da Universidade da Orla Interno. Na mesma fábrica esteve a russa Margarita Rozhkova, a trabalhar num outro tipo de retoque, a testar feltragens intermédias.

Na outra unidade do grupo, na Burel Factory, em Manteigas, estiveram a alemã Kira Becker, com formação em design de resultado e design têxtil, que testou técnicas de tecelagem locais em teares industriais e a forma de implementar resíduos de produção nos produtos finais, para produzir funções e estética a tecidos.

A outra foi a brasileira Mariana Santana, de 30 anos, designer de vestuário que utilizou o burel e reinterpretou as capas tradicionais dos pastores, “mas voltado para uma perspetiva contemporânea, para os novos nómadas”.

“Eu trabalhei bastante a topografia de Manteigas nas texturas das minhas peças”, explicou. E a orografia e paisagem estão vertidas num casaco e numa mala, com um relevo que se assemelha à rugosidade dos troncos de árvores, numa perspetiva dissemelhante. As peças chamam-se abrigo e a criadora frisou que “foi muito engrandecedor vivenciar” o envolvente de fábrica e “aspirar um pouco desse conhecimento histórico”, da técnica ao caimento do tecido. A perspetiva de os produtos criados poderem ser comercializados deixa-a entusiasmada e gostaria que acontecesse.

A J. Gomes, empresa de reciclagem de fibras têxteis, com unidades no Tortosendo e no Canhoso, acolheu a austríaca Anna Resei, que a partir de desperdício, e de material das mais de milénio toneladas de resíduos têxteis tratadas, e que assim não vão para aterro ou incineração, desenhou uma espreguiçadeira exterior com proteção solar, que também pode ser sofá.

É um sofá peculiar, que pode ter várias formas, convertível em função das necessidades. “A estrutura convida a múltiplas formas de sentar ou reclinar: pode esticar-se completamente uma vez que numa espreguiçadeira, sentar-se lado a lado com um colega ou simplesmente recostar-se e respirar o ar da serra. O seu núcleo é formado por rolos horizontais de tecido, cada um com um diâmetro dissemelhante, criando uma superfície dinâmica que se adapta ao número de pessoas que nela descansam”, descreveu a design de resultado.

Os rolos utilizados podem ser reorganizados ou substituídos, oferecendo flexibilidade “e caráter lúdrico”. Aproveitou-se o que estava disponível, reduzindo o desperdício e “acrescentando uma narrativa única a cada peça”, recorrendo a uma abordagem sustentável.

“Porquê designer, é muitas vezes difícil conseguir um contacto e uma ingresso numa empresa. Estou muito feliz por a equipa da J. Gomes me ter desimpedido as portas e me ter bem”, disse Anne Resei, que contou com a habilidade de Rui Gomes e da equipa de manutenção para fazer a estrutura metálica sugerida por Catarina Gomes, também com sobras de ferro que vão ficando da montagem das máquinas.

Catarina Gomes frisa que levante é um sofá enchido “com a roupa que os covilhanenses já não usariam, depois de triturada”. Uma peça à imagem das preocupações da J. Gomes, em “encontrar um estabilidade” para preservar “a suplente procedente do planeta” e pensar na sustentabilidade.

O entra e sai de camiões, a gestão diária das duas unidades não dá folga para fazer tudo o que se tem em mente, mas Catarina Gomes afirma que a empresa “está sempre oportunidade a desafios, a novas ideias” e respondeu ao repto da Trienal, que considera ter posto “a Covilhã no planta da cultura e do design”.

Catarina Gomes considera que “na sinergia e na partilha está o proveito” e afirma que a colaboração “foi uma aprendizagem” que pode resultar numa pequena coleção de produtos para comercializar que vá além do fio reciclado, dos isolamentos, da decoração ou da coleção de roupa feita a partir de resíduos e que pode ser trocada por um vale no final de vida.

“O design ainda não está devidamente incorporado nas organizações, nomeadamente a nível industrial. Se calhar, isso pode ser explorado um bocadinho mais”, refere João Xará, segundo o qual destas interações as fábricas podem “receber novas ideias, tentar perceber uma vez que podem melhorar processos”.

É essa a intenção, sublinha a vereadora com o pelouro da Cultura na Câmara da Covilhã, Regina Gouveia, sempre tendo por base a geração de valor ligada à identidade, ao património do território, à sustentabilidade e inclusão.

“Trouxeram propostas que são sempre importantes para as empresas. Não quer expressar que os resultados que obtiveram sejam exatamente aquilo que as empresas vão aproveitar, mas podem retirar segmento desse trabalho criativo. Não só essas empresas uma vez que outras”, ilustrou Regina Gouveia.

A exposição foi inaugurada durante a conferência internacional “Os dias da primavera”, que decorreu no Teatro Municipal da Covilhã e foi um dos momentos-chave da Trienal e um “espaço de partilha e de encontro”, realça a vereadora.

“Nós temos nos nossos territórios recursos de diferentes tipos que efetivamente podem ser valorizados, potenciados através do design”, acrescenta.

Sobre a conferência, que juntou criadores de vários países, Regina Gouveia acentua que o que se fez foi “promover e colocar no mesmo espaço vários contributos que podem inspirar designers locais, investigadores, empresas, instituições”, para “pensar caminhos que se traduzem em mais desenvolvimento, mais sustentabilidade, preservando ao mesmo tempo identidade e património sítio”.

Até ao final da Trienal, que tem exposições a discurso em vários espaços da cidade, a autarca espera que se tenha conseguido aproximar o design e o projeto Cidade Criativa a grupos que a organização possa ainda não ter atingido.

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