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Escravizador na pele de abolicionista: abolição teve apoio de políticos que escravizaram - Mundo News
14 de Maio, 2025

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Escravizador na pele de abolicionista: abolição teve apoio de políticos que escravizaram

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Pesquisa mostra que políticos que defenderam a abolição tiveram escravizados ou se beneficiaram de dinheiro do...

A investigação foi feita com base do Pulitzer Center

No marketing, existe uma manobra chamada de “rebranding”: ela consiste em mudar a imagem de uma pessoa ou marca, atualizando o seu posicionamento para torná-la mais encantador ao público. Há 137 anos, quando o Brasil assinou a Lei Áurea para suprimir a escravidão no país, secção do Legislativo imperial usou essa estratégia. Parlamentares que se beneficiaram da escravidão por anos começaram a se apresentar uma vez que defensores da liberdade. O objetivo era atender às pressões sociais e preservar capital político. Alguns apoiaram a cessação mesmo ainda tendo pessoas escravizadas.

O projeto “O Poder e a Escravidão“, realizado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), investigou essas ações do Legislativo imperial no processo de cessação.

Um exemplo notável é o caso de João Alfredo Correia de Oliveira, que foi deputado, senador e primeiro-ministro do Poderio, lembrado uma vez que um dos “heróis da cessação”. Ele é considerado o “principal articulador” do processo que resultou na Lei Áurea. Hoje, o Museu da Extinção em Recife está localizado onde foi a sua antiga mansão.

Os pesquisadores encontraram nas cartas pessoais de Alfredo, disponíveis na Livraria Médio da Universidade Federalista de Pernambuco, registros de negociação de escravizados entre o deputado e seus familiares. Seus avós, e depois seus pais, foram proprietários de escravos em dois grandes engenhos de Pernambuco, São João e Uruaé.

“Lendo os debates parlamentares da dez de 1870, 1880, o João Alfredo nunca esteve perto de ser um libertador, um emancipacionista, zero disso. Quase todos do Partido Conservador eram escravistas”, comenta Felipe Azevedo, pesquisador do Departamento de História da PUC-Rio e um dos coordenadores do projeto.

Com a crescente pressão libertador e sua subida ao missão de primeiro-ministro, que ocupou entre 1888 e 1889, ele passou a se alinhar aos abolicionistas, mudando sua imagem pública para corresponder à novidade narrativa, embora Alfredo tenha alforriado publicamente seus escravizados somente em julho de 1887, um ano antes da cessação.

Museu da Extinção em Recife fica na antiga mansão de João Alfredo Correia de Oliveira, político que apoiou a cessação, mas teve escravizados

Segundo Azevedo, muitos dos chamados políticos abolicionistas eram, na verdade, ex-proprietários de escravizados até as vésperas da cessação.

“Existe uma variedade considerável de casos de jovens bacharéis afortunados que se radicalizaram ao longo da dez de 1870 e só no transcursão da dez de 1880, com a popularização do abolicionismo, resolveram conceder libertação a seus escravizados”.

O pesquisador comenta que a licença de liberdade era feita em atos públicos, uma vez que em teatros e conferências abolicionistas, “onde [os políticos] buscavam marcar seus nomes e posições com atos filantrópicos e humanitários”. Tal ato, de entendimento com o pesquisador, “extraía conflito do processo e demarcava as posições encenadas: o libertador uma vez que agente da liberdade, o alforriado uma vez que personagem passivo com obrigação de gratidão pela donativo alcançada”.

Outra figura generalidade na idade era o “libertador de última hora”. Fazendeiros concediam alforrias coletivas, geralmente em cerimônias noticiadas na prensa, para tentar manter o controle sobre a mão-de-obra e evitar maiores conflitos sociais. Na idade, o aumento de conflitos por liberdade e de fugas de escravizados, em contraste à queda no preço da mão-de-obra escrava, já apontava para o termo da escravidão no país.

Para Ricardo Oliveira, pesquisador da Universidade Federalista do Paraná (UFPR), esse “pragmatismo de última hora” fez com que a Lei Áurea fosse aprovada rapidamente: ela foi aprovada na Câmara e no Senado em cinco dias. Um dos motivos para essa rapidez foi “evitar uma reação do núcleo duro mais conservador e reacionário [do legislativo imperial]. E foi aí que muitos [parlamentares] mudaram de posição ao verificarem que a cessação seria inevitável.”

Azevedo aponta um grande número de alforrias nos anos anteriores à cessação. “Só em São Paulo foram quase 40 milénio alforrias entre março de 1887 e 1888. Muitas, inclusive, eram anunciadas para o horizonte, condicionadas ao bom comportamento do escravizado”.

“Rebranding” nos últimos anos da escravidão

A pesquisa classificou os parlamentares em três categorias: aqueles que foram proprietários de escravizados, os que eram de famílias de proprietários de escravizados e os que não tinham registros conclusivos sobre suas relações com a escravidão. Dos 698 deputados que formaram a Plenário Universal do Poderio entre 1826 e 1888, foram pesquisados 174 na primeira tempo do projeto. O resultado é que a maioria desse grupo, 64%, tinha relação com a posse de escravizados, seja por parentesco com senhores de escravizados ou por serem proprietários diretos.

Azevedo exemplifica com o caso de Pedro Araújo Lima, o Marquês de Olinda, deputado da província de Pernambuco na primeira, segunda e na terceira legislatura, entre 1827 e 1837. O deputado construiu seu poder político com o moeda gerado pelo tráfico de escravos.

“Ele [o Marquês de Olinda] era um desses casos em que os traficantes financiaram para estudar na Europa, depois voltar para o Brasil e trabalhar dentro do Parlamento”. O pai do Marquês, capitão Manoel Araújo de Lima e o avô, Capitão Antonio Casado Lima, eram senhores de engenhos de açúcar em Sirinhaém, em Pernambuco, que contavam com mão-de-obra escravizada. Ou por outra, há registros de que o Marquês e seus familiares mantinham contato com negociantes e traficantes de escravizados durante as décadas de 1810 e 1820.

Oliveira pontua que essa mudança de posicionamento legislativo às vésperas da cessação também foi fruto de uma mudança geracional na constituição da Câmara e do Senado, uma vez que garantia da sua manutenção no poder nos anos seguintes. “Aquela geração mais velha, com mais de 40, 50 anos, convivia mais com o modo de produção escravista. Os jovens bachareis que compunham o legislativo imperial, na tira dos 20 anos, esses é que terão uma longa curso com a República – embora sejam filhos e netos de escravistas, eles continuam no poder Republicano”.

Segundo Oliveira, a atuação de críticos da cessação que ainda existiam na Câmara e no Senado no último legislativo do Poderio, acabou desmoralizando politicamente as casas legislativas. A postura reacionária contribuiu para o prostração do regime monárquico — quando a reino caiu, praticamente não houve resistência nas províncias, pois muitos senhores de escravizados, insatisfeitos com a cessação sem compensações, já haviam migrado para a oposição. “A classe dominante aceitou a libertação dos escravizados, até porque estavam muito isolados politicamente na sociedade, nas instituições e finalmente no próprio parlamento”.

Esse processo de “rebranding” é comparado à forma uma vez que os escravistas e seus aliados conseguiram reconfigurar sua imagem pública e, ao mesmo tempo, silenciar a verdadeira história da cessação. Azevedo argumenta que a memória solene da cessação, construída em seguida 1888, apagou a resistência e as ações dos próprios escravizados, que desempenharam papel médio no processo de libertação.

O pesquisador avalia que, com a assinatura da Lei Áurea, era preciso situar publicamente quem era o lado vitorioso da cessação, o “lado visível da história”. Isso levou à ampla divulgação de imagens da princesa Isabel e dos ministros do gabinete. “Mais do que isso, essas representações rasuraram e jogaram no esquecimento toda a mobilização dos escravizados que se aquilombaram aos milhares nos dois anos anteriores, em um processo violento, com episódios de caçadas a fugitivos e cerco a quilombos volantes, além mesmo da intensificação de assassinatos de senhores, feitores e administradores de fazendas no campo”.

A pesquisa encontrou um repto que também foi visto no Projeto Escravizadores, levantamento da Dependência Pública que mapeou os avós escravocratas da atual escol política brasileira: a dificuldade de entrada aos registros deste momento da história. Azevedo comenta que o trabalho só pode ser feito por motivo das iniciativas de digitalização de documentos históricos e de espalhamento das monografias, dissertações e teses produzidas pelas universidades, uma vez que a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – principal manancial usada pelos pesquisadores para a comprovação de laços com a escravidão.

“A maior secção dessa documentação que a gente achou é uma documentação secundária. No Brasil, há dezenas de departamentos de História, em todos os lugares têm alguém pesquisando escravidão. Essa documentação vem de estudos de pessoas que já pesquisaram isso, em Goiás, no Mato Grosso, em Pernambuco, no Rio Grande do Sul”, comenta.

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