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Ilhados na maior metrópole do país - Mundo News
22 de Fevereiro, 2025

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Ilhados na maior metrópole do país

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Reportagem esteve no bairro do Jardim Pantanal e no distrito do Jardim Helena, onde ruas e...

A moradia do copeiro Robson da Silva Brasílio, de 39 anos, e sua família ficou ilhada desde a madrugada do sábado, 1 de fevereiro. Naquela noite, ele acordou com a chuva já na fundura do nascimento da filha de 9 meses. O grande volume que entrava na moradia obrigou Brasílio a pegar a esposa e os quatro filhos e passar todos pela janela de um dos quartos. Essa foi a primeira vez que eles passaram por uma enchente tão severa no bairro do Jardim Helena, extremo da zona leste de São Paulo.

Há seis dias, o bairro do Jardim Pantanal, que fica no região do Jardim Helena, está com as ruas submersas pelas águas do rio Tietê. A solução apresentada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) é esvaziar o bairro, retirando os 45 milénio moradores, que seriam indenizados. A Dependência Pública esteve no Jardim Pantanal e no Jardim Helena na terça-feira (4) e acompanhou a situação. Os moradores dizem que a enchente desta semana é a pior desde 2010, quando o volume de chuvas também foi terrível. 

“Se eu soubesse que ia inundar, teria subido os móveis”, disse Brasílio, que perdeu tudo: roupas, eletrodomésticos, documentos e a comida na geladeira. “Daqui, eu tirei a minha esposa e os meus filhos e subi para a moradia de um vizinho”, concluiu. 

Quem mora na região disse que não recebeu comunicados da Resguardo Social, durante as chuvas de 31 de janeiro e 1 de fevereiro, para que deixassem as suas casas, em virtude do risco de dilúvio. O alerta, segundo os moradores, é a percepção de quem vive ali há anos e sabe que os desastres têm período marcado: o verão. Em dois dias, choveu 65% do previsto para todo o mês de fevereiro na capital paulista. Ao menos 18 pessoas morreram por razão das chuvas intensas em todo o estado. 

Uma semana antes do dilúvio, os moradores do Jardim Pantanal construíram um navio improvisado com madeiras e plásticos, apostando que as chuvas de janeiro trariam a tragédia há tempos conhecida. 

“Quando entra dezembro, janeiro e fevereiro, a gente já sabe que vai ocorrer”, disse a mercante Jacilene Geraldo dos Santos, de 33 anos, que mora no Jardim Helena. “Antigamente, [os alagamentos persistentes ocorriam] a cada oito ou dez anos. Agora, é a cada dois”, afirmou.  

  • Foto aérea mostra alagamentos no Jardim Pantanal em São Paulo (SP)
  • Foto aérea mostra alagamentos no Jardim Pantanal em São Paulo (SP)
  • Foto aérea mostra alagamentos no Jardim Pantanal em São Paulo (SP)
  • Foto aérea mostra alagamentos no Jardim Pantanal em São Paulo (SP)

“Os bombeiros só vieram cá no dia em que o vice [prefeito] veio, tiraram foto e foram embora. Ontem mesmo, pegamos os barcos com fraldas, chuva e distribuímos para os moradores ilhados”, denunciou Jacilene Santos. 

O jornalista Rafael Tavares, de 38 anos, foi abordado pela reportagem enquanto buscava por um dos botes do Corpo de Bombeiros ou da Resguardo Social que pudesse levar a mãe, de 58 anos, até o ponto de ônibus mais próximo. Ela tem deficiência visual. Mas, assim uma vez que outros moradores ilhados no Jardim Helena, ele não encontrou representantes dos órgãos de resgate no bairro. 

Tavares precisou seguir a pé com a mãe, caminhando pelas águas sujas, para que ela não faltasse em mais um dia de trabalho. Em alguns trechos, a chuva chegava na cintura e era impossível notabilizar a rua Recife e a margem do rio. 

A reportagem esteve no bairro durante toda a manhã da terça-feira, mas não vimos equipes do Corpo de Bombeiros e da Resguardo Social de São Paulo para facilitar na locomoção de moradores no sítio. Um varão chegou a tombar dentro da chuva enquanto fazia o transporte de três crianças em um navio improvisado com uma caixa-d’chuva. Por sorte, ele não se machucou.

As três crianças no navio improvisado tinham entre 1 e 7 anos e eram filhas de Samanta Salles, de 23 anos, e do ajudante de pedreiro Edivaldo Silva, 29. Elas estavam ilhadas na moradia que fica às margens do rio Tietê, onde a chuva chegou na fundura do umbigo de Silva, que tem, aproximadamente, 1,70 metro. A opção de retirá-las de moradia foi para poupá-las do estresse do confinamento e também alimentá-las com as marmitas doadas por outros moradores.

Há seis meses no Jardim Helena, o ajudante de pedreiro pensa em voltar para o interno da Paraíba, onde nasceu, para fugir dos altos custos das moradias de São Paulo e das enchentes. “Primeira e última vez que nós passamos por isso cá. Eu prefiro permanecer lá no sol torrando do que passar por isso cá”, contou Silva.

Em resposta à Pública sobre a carência de equipes no bairro, o Corpo de Bombeiros disse que “teve uma atuação intensa nos últimos cinco dias, atendendo a 128 ocorrências relacionadas a inundações e enchentes, sendo 70 somente no bairro Jardim Pantanal”. E que a média diária de ocorrências por inundação, considerando o período de cinco dias, foi de 25,6 casos por dia na zona leste. A nota fala também de “dificuldades de utilização de equipamentos específicos, uma vez que barcos, botes, entre outros, e de aproximação causadas pelas vias alagadas”. Leia a nota na íntegra. 

Por que isso importa

  • Moradores do bairro do Jardim Pantanal e do região Jardim Helena, na zona leste de São Paulo, estão ilhados há pelo menos seis dias. Em dois dias, choveu 65% do esperado para fevereiro na capital.

Atingidos por enchentes enfrentam truculência da GCM 

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciou um auxílio de R$ 1 milénio para famílias afetadas pelas enchentes no Jardim Pantanal, mas nem todos foram contemplados com o mercê até o dia em que a reportagem esteve na região. Aliás, quem buscava pelo valor de emergência ou cestas básicas enfrentou hostilidade da Guarda Social Metropolitana (GCM) e filas de cinco horas até que o atendimento ocorresse na Escola Municipal de Instrução Fundamental (Emef) Mururés. 

Na terça-feira, 4 de fevereiro, a GCM de São Paulo lançou bombas de gás e balas de borracha contra os moradores do Jardim Helena, que organizaram uma revelação contra o prefeito Ricardo Nunes, que visitava o bairro. Nunes fez uma visitante à Emef Mururés, onde dezenas de famílias desalojadas têm se confortado e serve uma vez que ponto de espeque da prefeitura de São Paulo na emissão do auxílio emergencial e distribuição de cestas básicas. 

Em outro incidente de truculência, Guilherme Martins, de 26 anos, contou à Pública que guardas civis municipais teriam jogado spray de pimenta em seu rosto, enquanto tentava entrar com garrafas de chuva na escola Mururés, que seriam distribuídas às pessoas abrigadas. 

Segundo Martins, ele transportava um carrinho com as doações quando um grupo de homens da Guarda Social Municipal (GCM) impediu a sua ingresso. O incidente gerou revolta nos moradores.

Vídeo gravado por moradores mostra truculência da GCM
Vídeo gravado por moradores mostra truculência da GCM

O morador pensou em fazer denúncia contra a GCM, mas desistiu da teoria por pânico de represália. “[Os GCMs] falaram que sabem onde eu moro e que vão me pegar”, disse. 

Enquanto a reportagem conversava com a população, agentes da GCM tentaram impor multa nos carros que estavam em fileira dupla na rua Mururés, que está parcialmente alagada. Os veículos parados no endereço eram estratégicos aos moradores, pois serviam para buscar doações aos moradores afetados pela enchente. 

Danúbia Borges da Silva, de 33 anos, estava de resguardo posteriormente o promanação do seu fruto mais novo, há uma semana. Ela contou que chegou na fileira para fazer o cadastro do auxílio da prefeitura às 7h, mas às 11h30 ainda  estava distante do portão onde poderia fazer o cadastro do mercê e retirar a cesta básica. A moradia dela ficou completamente submersa e todos os móveis e documentos foram perdidos.

“Não dá”, respondeu Danúbia quando questionada se os R$ 1 milénio eram suficientes para reconstruir a vida. “Eu pego o auxílio e vou juntar pra arrumar a minha geladeira e o fogão”, disse, contando que tem recebido ajuda das irmãs para comprar o leite do fruto recém-nascido.

“O que é que eu vou fazer com R$ 1 milénio? Só se for pra comprar um maná. E se eles derem”, disse o facilitar de confecção Edilton de Brito Souza, 52 anos. Ele perdeu todos os móveis, o celular e vitualhas no dia em que houve a enchente. Para que pudesse buscar uma solução para restabelecer os seus pertences e fazer a limpeza do lar, já era o terceiro dia em que ele faltava no trabalho. 

O copeiro Robson Brasílio fez o cadastro no último sábado, 1 de fevereiro, mas, quatro dias depois, o valor ainda não tinha sido depositado. “Disseram que ia tombar hoje, mas eu já perdi a esperança”, desabafou. 

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), também anunciou que estuda oferecer aos moradores do Jardim Pantanal indenizações de até R$ 50 milénio para retirá-los do bairro, que é uma superfície de várzea do rio Tietê. 

“Aonde eu vou comprar uma moradia de R$ 20 a 50 milénio? Só para edificar essa moradia, eu gastei R$ 70 milénio”, disse a vendedora de algodão- gulodice Zenaide de Oliveira Rigueiro, de 55 anos. “A minha vida inteira eu trabalhei para erguer essa moradia”, disse. 

Rigueiro se arriscou inúmeras vezes pela chuva da enchente, desde sábado, para buscar vitualhas e cesta básica ao fruto autista, de 14 anos. Ela é uma das moradoras que ainda não foram contempladas pelo auxílio emergencial da prefeitura.

Moradores se apoiam

Era 1h50 da madrugada de sábado, 1 de fevereiro, quando Lucilene dos Santos, de 29 anos, gravou o seu primeiro vídeo sobre a chuva e publicou na sua conta do Instagram, onde reunia pouco mais de oito milénio seguidores. Em pouco mais de uma hora, a rua onde ela mora estava submersa e ela alertava os vizinhos de que a acompanham nas redes sobre o volume da chuva.

Conforme as suas publicações ganhavam mais visualizações, a influenciadora Luuh do Babado, uma vez que é conhecida, usava sua popularidade nas redes para pedir ajuda de autoridades e comerciantes locais que pudessem contribuir com mantimentos. 

“Gente, quem puder compartilhar, compartilhe: a escola Mururés está dando abrigo. Você que conhece alguém que não tem pra onde ir. A escola Mururés está abrigando”, disparou a influenciadora. 

Com a repercussão dos seus vídeos que mostravam os impactos das chuvas no bairro, Luuh do Babado começou a receber e partilhar doações. O número de seguidores dela saltou de oito para 15 milénio. 

Mãe de quatro filhos, a influenciadora do dedo também perdeu tudo em moradia e está cobertura provisoriamente na moradia da mana, na rua Mururés, onde ela e a família montaram uma cozinha solidária, onde são distribuídos marmitas nas três principais refeições do dia, lanches pela tarde, chuva, roupas e kits de higiene doados pelos comerciantes e moradores. 

Até as 14h do dia 5 de fevereiro, os voluntários e familiares da influenciadora haviam distribuído aproximadamente 300 marmitas. “A gente está fazendo o que eles [prefeitura e governo de São Paulo] deveriam fazer”, disse.

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