Incêndios: entre cinzas, promessas e a retórica da resiliência
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Joana Viveiro (Movimento Estrela Viva)
A tragédia dos incêndios de 2017 marcou uma viragem na gestão do território rústico. A partir daí iniciava-se uma reforma na política de prevenção de incêndios florestais que incluía várias medidas, tais uma vez que o programa ‘Povoação Segura, Pessoas Seguras’, a obrigação da limpeza de terrenos privados, o cadastro florestal, a geração de faixas de proteção e a geração de modelos de gestão coletiva do território. Várias destas medidas começaram a continuar, tendo havido uma mudança de orientação na gestão política e técnica dos fogos. Mas a memória da tragédia foi-se esvanecendo e o projecto derrapou. O forçoso ficou por executar.
A Sucursal para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF), que coordenava a reforma, lançava um alerta: ‘’sem um novo ímpeto, o país arrisca-se a presenciar de novo à devastação de infraestruturas ou a danos nas comunidades urbanas”. Ao cenário de dificuldade na implementação das medidas, juntavam-se outros fatores: as vastas áreas de monocultura intensiva de eucalipto e pinho, o incremento de espécies invasoras, as condições climáticas extremas e o problema do despovoamento. E foi portanto que, em agosto de 2022, 25% da superfície totalidade do Parque Originário da Serra da Estrela (PNSE) ficou destruída. A Serra voltava a flamejar uma vez que se zero tivesse sido aprendido. Porquê se o sofrimento de 2017 tivesse sido em vão. Porquê se os relatórios, os diagnósticos, os planos e as promessas não passassem de palavras ocas.
Na sequência destes incêndios, o Governo aprova, em 2024, o ‘’famoso’’ Programa de Revitalização do Parque Originário da Serra da Estrela (PRPNSE), com uma dotação de 155 milhões de euros. Um projecto para promover o desenvolvimento sustentável da região, a recuperação e revitalização do património proveniente e biodiversidade, a inovação e o investimento para a revitalização económica, combatendo a perda demográfica e tornando o território mais resiliente às alterações climáticas. Mas, uma vez mais, zero passou do papel… e em agosto de 2025, tudo volta a ocorrer.
O incêndio, que começou no Piódão, em Arganil, e durou 11 dias até ser resolvido, deixou uma ferida oportunidade na região, atingindo sete concelhos e várias aldeias e áreas protegidas: Açor, Estrela e Gardunha. Foi a maior superfície ardida de sempre em Portugal, desde que há registo, contabilizando-se muro de 64 milénio hectares, triplicando a média anual vernáculo. As chamas galgaram montes, vales e rios, e destruíram tudo em volta das aldeias. Vários autarcas denunciaram, publicamente, a falta de bombeiros no terreno, a descoordenação das equipas e a exiguidade de meios aéreos no combate aos incêndios. As tradicionais festas de verão, um dos momentos altos do ano para estas comunidades, deram lugar ao desalento e ao pavor. Foram destruídas casas, animais, explorações agrícolas e agropecuárias, mas também ecossistemas e geossítios, em pessoal do Geopark Estrela. Pastores, empresários do turismo, autarcas, ONGs e habitantes, falam num prejuízo social, poupado e ambiental ainda difícil de prezar. A região do Rio Alvoco, que atravessa várias freguesias dos concelhos de Seia (Alvoco da Serra, Vide) e Oliveira do Hospital (Alvoco das Várzeas e São Sebastião da Feira), foi uma das mais afetadas pelo incêndio. Esta superfície, conhecida uma vez que “o interno do Interno”, tem enfrentado desafios extremos: desabrigo, envelhecimento, exiguidade de oportunidades, presença de uma monocultura de pinho e eucalipto, e, simples, incêndios recorrentes. Apesar disso, é uma região com uma possante identidade comunitária e espírito de união.
O Movimento Estrela Viva (MEV) tem realizado nesta zona, ao longo dos anos, várias iniciativas com o esteio da comunidade: ações de reflorestação, de sustentação de solos e de controlo de espécies invasoras. Foi também cá que nasceu o projeto “Pontes para o Rio Alvoco”, que promove o diálogo e a cooperação entre as comunidades e o território. Infelizmente, e mais uma vez, tudo o queima levou. E por isso hoje, e tal uma vez que em 2017, voltamos a erguer a voz, agora mais cimo!
Estamos cansados…de presenciar à devastação de um território que conhecemos profundamente e que tentámos restabelecer, ao longo dos últimos anos, com o esforço de toda uma comunidade unida em torno de uma razão. D sermos só lembrados nas tragédias e abandonados durante todo o ano. De décadas de desinvestimento, de políticas erráticas, de promessas por executar e de continuarmos a pertencer a um território periférico e descartável. De sermos apelidados de ‘’comunidades resilientes’’, quando, na verdade, somos é ‘’sobreviventes’’, porque resistir ao desabrigo, à negligência e à tragédia não é uma opção, mas sim uma imposição pela exiguidade de políticas públicas eficazes. De ‘’dar’’ e de pouco ou zero receber, já que o interno é o sustento do litoral com diversos recursos naturais, incluindo minerais, energéticos (chuva, vento), produtos agrícolas e florestais, que são essenciais para a economia e o desenvolvimento do país.
Por isso mesmo, não podemos continuar a viver entre cinzas e promessas vãs a cada ciclo político, a viver de medidas avulso lançadas todos os verões sob pressão mediática! Exigimos que se olhe para nascente território com a distinção que ele merece, que se ouça quem cá vive. Que se respeite quem decidiu cá viver em segurança. É tempo de exigirmos um verdadeiro e efetivo pacto de regime para a floresta e para o nosso Interno. Um compromisso a longo prazo, que não seja refém de ciclos partidários, que una governo, partidos, autarcas, ateneu, especialistas e comunidade, assente numa gestão sustentável e participada do território, numa revitalização económica e social centrada em novas formas de aproveitamento da floresta e numa adaptação às alterações climáticas, com medidas robustas e integradas que preparem o território para os fenómenos extremos cada vez mais frequentes. A nossa Serra da Estrela é natureza, é mansão, é memória, é sustento, é vida, é horizonte. E o nosso horizonte não pode continuar a flamejar!
O teor Incêndios: entre cinzas, promessas e a retórica da resiliência aparece primeiro em Jornal Notícias da Covilhã.
Natividade: https://noticiasdacovilha.pt/incendios-entre-cinzas-promessas-e-a-retorica-da-resiliencia/