Justiça nega maioria dos pedidos por maconha medicinal gratuita no Brasil
10 min readBárbara Mello, de 25 anos, moradora de Diadema, região metropolitana de São Paulo, é a mãe de Maria Clara, que completou 3 anos em 2024. Em seus primeiros dias de vida, a moçoila teve a primeira convulsão. Passou nove meses internada, uma série de exames foi feita e os médicos tentaram diferentes medicações para controlar as crises: barbitúricos, benzodiazepínicos e anticonvulsivantes, muitos de subida potência, os chamados “tarja preta”. Nenhum surtiu efeito por muito tempo, até inaugurar a se tratar com a maconha medicinal.
Maria Clara chegava a ter 20 crises por mês, algumas com duração de 45 minutos. Durante as crises mais severas, o Serviço de Atendimento Traste de Urgência (Samu) tinha de ser acionado, pois a bebê precisava ser levada ao hospital para que seu quadro estabilizasse. Em maio de 2024, Maria Clara foi diagnosticada com uma epilepsia de difícil controle, decorrente da síndrome de Lennox-Gastaut. Porquê os tratamentos convencionais fracassaram, a médica receitou a Maria Clara um medicamento à base de canabidiol, um dos derivados da vegetal cannabis, a popular maconha.
A medicação custaria R$ 1,2 milénio mensais. Bárbara não trabalha fora de morada, já que passa o dia cuidando da filha, e não teria condições de arcar com a despesa. Graças a uma lei aprovada pela Câmara Legislativa de São Paulo no início de 2023, implementada em junho de 2024, Maria Clara foi uma das primeiras crianças a receber o canabidiol gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desde portanto, suas crises diminuíram bastante: no último mês, teve somente uma. Mas o aproximação gratuito de Maria Clara à medicação é exceção, e não regra.
Segundo a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, até o momento somente 255 pessoas receberam produtos à base de canabidiol via SUS paulista, que só fornece o medicamento para os portadores de três doenças raras: as síndromes de Dravet, de Lennox-Gastaut e o multíplice da esclerose tuberosa.
Por que isso importa
- Há estimativas de que quase meio milhão de pessoas no Brasil use cannabis medicinal.
- A maioria dos processos para conseguir o remédio na Justiça é movida por pessoas de baixa renda.
Outros quadros, uma vez que os de pacientes quimioterápicos, portadores de dor crônica e Alzheimer, por exemplo, não foram contemplados pela lei paulista. Nesses casos, a saída é obter o remédio com recursos próprios, processar o estado para recebê-lo pelo SUS ou recorrer a alguma das associações voltadas à produção de medicamentos à base de cannabis que forneçam o resultado a preço mais alcançável ou gratuitamente para pessoas de baixa renda.
“Ela tá muito mais esperta e ativa. Hoje consegue sentar e folgar, o que antigamente não acontecia – ela era muito dispersa, não concentrava em zero”, comemora Bárbara.
O que é a maconha medicinal
A cannabis, popularmente conhecida uma vez que maconha, é o nome científico do gênero de vegetação do qual se extraem os canabinoides, cujos efeitos medicinais vêm sendo estudados pela ciência. Os mais conhecidos desses canabinoides são o canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabidiol (THC).
Justiça nega processos por canabidiol gratuito
A base de dados e-NatJus, do Juízo Vernáculo de Justiça (CNJ), dá uma medida da procura, pela via judicial, dos medicamentos derivados da cannabis. Somente em São Paulo, entre 2021 e 2024, 279 famílias processaram o estado ou planos de saúde para conseguir o remédio – e somente 44 obtiveram lucro de razão. Em todo o Brasil, foram ao menos 2.050 processos, com 257 desfechos favoráveis aos pacientes.
“Esses casos, em universal, envolvem pessoas de baixa renda”, explicou à Escritório Pública o legisperito e professor da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto Elton Fernandes, 41 anos, profissional em litígios na superfície da saúde. Ele atua ainda em contendas contra planos de saúde privados, que também dificultam o aproximação à cannabis medicinal. “A judicialização é o caminho de quem quer acessar o CBD”, avalia.
Os processos, porém, costumam levar tempo, que, para determinados pacientes, é um muito escasso. Uma decisão liminar favorável pode demorar um mês, via projecto de saúde, ou vários meses, quando o processado é o SUS. No entanto, a liminar tem caráter provisório – uma decisão definitiva da Justiça tarda às vezes mais de dois anos.
Mesmo assim, diz Fernandes, as chances de vitória são razoáveis somente para pacientes oncológicos, em que já existe um entendimento da Justiça em prol. Para outras condições de saúde, diz o legisperito, “não há ainda um conjunto de decisões favoráveis à liberação de canabidiol”.
Segundo dados da Kaya Mind, startup especializada em dados referentes à maconha, há murado de 430 milénio pessoas no país que utilizam o medicamento.
O deputado estadual Caio França (PSB), responsável da lei que incluiu a cannabis medicinal no SUS paulista, disse à Pública que seu projeto de lei era inicialmente mais abrangente, não se limitando a patologias específicas.
França explicou que, por ocasião da regulamentação da lei, sociedades médicas alegaram “não ter encontrado indicações claras para emprego dos canabinoides em uma série de doenças cujos pacientes já fazem uso da cannabis medicinal e vêm apresentando resultados surpreendentes”. Por consequência, “muitos artigos foram vetados no momento da sanção pelo governador [Tarcísio de Freitas]”, lamenta.
Em outubro de 2022, o Juízo Federalista de Medicina (CFM) publicou uma solução em que restringia a receita da cannabis medicinal justamente aos casos contemplados pela lei paulista. Em razão da repercussão negativa da medida, a solução foi temporariamente suspensa poucos dias depois. Questionado pela Pública, o CFM não deu uma previsão de quando uma novidade norma sobre o tema será publicada.
No entanto, o deputado Caio França disse que a Secretaria de Saúde não exclui a possibilidade de, neste ano, incluir pacientes com outras epilepsias e pessoas no espectro autista no rol dos beneficiados com a cannabis medicinal no SUS. A reportagem questionou a Secretaria de Saúde, que não respondeu até a publicação da reportagem.
O governo federalista não elaborou ainda uma política pátrio para a inclusão da cannabis medicinal no SUS, embora iniciativas isoladas tenham despontado em alguns estados brasileiros. Questionado pela reportagem, o governo federalista confirmou ainda não ter a política e explicou que há longo processo burocrático para inclusão de medicamentos no SUS.
A Lei Pétala, aprovada na Câmara Legislativa do Paraná em março de 2023 e regulamentada no término do ano pretérito, é uma dessas iniciativas. Porquê a legislação paulista, ela é restritiva: somente pessoas diagnosticadas com esclerose múltipla estão aptas a receber a cannabis medicinal pelo SUS paranaense. Uma lei semelhante foi aprovada em dezembro do ano pretérito em Santa Catarina, mas, uma vez que ela ainda não foi regulamentada pelo Executivo, não se sabe quais serão as condições para o aproximação à medicação.
Helen Araújo, 22 anos, vive em Belo Horizonte, onde não há legislação a saudação do fornecimento da cannabis medicinal pelo SUS. Aos 16, ela sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) – e, nos anos seguintes, enquanto recuperava a fala e os movimentos, desenvolveu um quadro grave de depressão e impaciência. Depois de internações e remédios que não fizeram efeito, em 2022 um médico lhe receitou o óleo à base de cannabis. O valor era inviável para ela: importado, o remédio custaria R$ 600 por mês.
Foi quando ela conheceu a Flor da Vida, uma das diversas associações terapêuticas brasileiras que produzem remédios à base de maconha, além de oferecer seguimento médico aos associados. Para pessoas de baixa renda, uma vez que Araújo, a Flor da Vida fornece a medicação mais barata e, em certos casos, gratuitamente.
Fundada em 2019, a Flor da Vida tem um salvo-conduto do Tribunal de Justiça de São Paulo para cultivar maconha e produzir medicamentos a partir da vegetal. Nos últimos anos, o Superior Tribunal de Justiça também vem proferindo decisões favoráveis nessa superfície – desde 2020, o tribunal já concedeu mais de 400 autorizações de cultivo de cannabis para pessoas físicas e jurídicas.
“Depois de quatro anos numa cadeira de rodas, a medicação mudou a minha forma de ver a vida. A maconha medicinal me deu a força para melhorar a minha secção mental, e a partir daí pude evoluir na secção física – hoje consigo marchar, falar e até dar entrevistas”, conta Araújo, que agrega: “Sem a associação, eu duvido que chegaria aonde cheguei”.
Atualmente, o objetivo dela é conseguir um habeas corpus para poder cultivar maconha e produzir ela mesma seu óleo. Quem lhe dá assessoria jurídica gratuita nessa empreitada é a Rede Reforma, um coletivo de advogados que procura virar as “injustiças provocadas pela atual política de drogas no Brasil”, conforme informa em seu site.
Guerra contra a maconha: reparar o estrago
Uma das advogadas que compõem a Rede Reforma é Gabriella Arima, 31 anos. Ela vive no estado de Novidade York, nos Estados Unidos, onde conclui um mestrado em recta, pesquisando a legislação relativa à maconha do país estrangeiro. Para Arima e os demais integrantes do coletivo, a regulamentação em curso da cannabis medicinal precisa levar em conta as populações historicamente penalizadas pela Lei de Drogas.
Quem foi processado ou recluso por tráfico, seus parentes e os que vivem em regiões assoladas pela guerra às drogas, defende a advogada, deveriam ter prioridade no aproximação gratuito às medicações e merecem usufruir do mercado que gira em torno dos derivados da cannabis – que, neste ano de 2025, deverá movimentar R$ 1 bilhão no Brasil, estima a Kaya Mind, empresa especializada no setor, no “Anuário da Cannabis Medicinal 2024”.
“Não existirá uma regulamentação justa se ela não passar pela reparação a quem foi marginalizado, morto e recluso por conta da política de drogas”, diz Arima. A advogada cita um número muito sabido: o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, um tanto em torno de 660 milénio pessoas, e quase metade delas foi processada no escopo da Lei de Drogas. O perfil dos condenados é também conhecidíssimo: jovens, negros e pobres.
Quem se encaixa nesse perfil é o jornalista Luan Cândido, 44 anos. Recluso por tráfico de drogas em 2017, Cândido prestou o Fiscalização Vernáculo do Ensino Médio (Enem) ainda no presídio, saindo em liberdade três anos depois. Hoje é responsável pela informação e captação de recursos de diferentes movimentos sociais que lutam pelos direitos humanos em Minas Gerais e milita pela legalização da maconha. Em novembro pretérito, em São Paulo, participou da cobertura jornalística da Expocannabis, em que diversas empresas expuseram seus produtos derivados da vegetal. O perfil dos empreendedores observado por Cândido, no entanto, era muito outro: a maioria era jovem também, mas em universal ricos e brancos.
“Hoje a maconha é proibida, mas existe um contexto lícito de uso medicinal. Isso cria uma situação paradoxal: ao mesmo tempo, há pessoas ganhando muito verba com a produção dos derivados da cannabis e outras criminalizadas pela distribuição da maconha”, diz.
O objetivo do participador, que, a partir dos coletivos antiproibicionistas, tem se articulado com as vereadoras belo-horizontinas Cida Falabella e Iza Lourenço, ambas do PSOL, na teorema de um projeto de lei para o fornecimento gratuito da cannabis medicinal na cidade é promover a transição das pessoas consideradas pela lei uma vez que traficantes para o mercado lícito da maconha medicinal.
Em associações uma vez que a Flor da Vida, essa transição já está acontecendo. Ela conta com 72 funcionários, entre cultivadores, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos, enfermeiros, médicos, químicos e advogados, que atendem a quase 20 milénio associados. Um quarto desses funcionários é formado por pessoas processadas pela Lei de Drogas e mães de presos.
Todo o processo para a produção da cannabis medicinal, desde a plantação ao tratamento laboratorial, é feito na Flor da Vida, sediada em Franca (SP). Para associar-se, basta uma receita médica indicando a premência do uso do remédio – não há discriminação de patologias. Uma taxa mensal é cobrada, que varia de convenção com a requisito financeira do paciente e a dosagem da medicação. Pessoas em situação de vulnerabilidade social são isentas da cobrança.
Na contramão desse processo de regulamentação do uso da cannabis e da reparação às populações perseguidas pelo negócio da vegetal, o Senado aprovou, em abril do ano pretérito, a PEC 45, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD), que pretende tornar “delito a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas”, e poderia dificultar o aproximação aos salvos-condutos (habeas corpus) de cultivo. A medida foi uma resposta ao Supremo Tribunal Federalista (STF), que havia definido na mesma quadra um limite de 40 gramas para diferenciar os usuários dos traficantes da maconha. A PEC 45 está agora na Câmara dos Deputados, aguardando deliberação.
Para o deputado estadual Caio França, porém, a regulamentação do uso da maconha, ao menos da medicinal, é uma tendência que não será revertida. “Ela está em todas as rodas de conversa. As pessoas falam com naturalidade de uma vegetal que nunca deveria ter sido estigmatizada justamente por ser uma vegetal, um fitoterápico. Entendo que é uma questão de tempo a ampliação do atendimento a outras enfermidades”, conclui o deputado.