Refinaria Abreu e Lima: população sofre com poluição, mas Petrobras amplia produtividade
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Desde 2014, moradores do entorno da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca, Pernambuco, convivem com um possante cheiro invadindo suas casas. Para alguns, o odor lembra ovo podre ou esgoto; para outros, gás ou carniça. O desconforto não é somente respiratório: irritações na pele, problemas gastrointestinais e crises de asma estão entre os sintomas associados à emissão de poluentes pela refinaria, denunciam. Posteriormente mais de uma dez de reclamações, a Petrobras anunciou uma solução: a Unidade de Diminuição de Emissões Atmosféricas (SNOX), equipamento que prometia reduzir a liberação de óxidos de súlfur e nitrogênio, gases que causam mau cheiro.
Mas, relatos ouvidos pela Escritório Pública mostram que os odores persistem – em alguns casos, com intensidade suficiente para que moradores busquem atendimento médico. E o que já era grave pode piorar: no mesmo dia que noticiou o início da operação da SNOX, a Petrobras anunciou a expansão da Refinaria Abreu e Lima, uma obra milionária que deverá inflectir sua capacidade de produção até 2028. A reportagem obteve, com exclusividade, três pareceres técnicos que apontam que a SNOX não seria capaz de moderar todas as emissões poluentes da refinaria – nem com a operação atual, nem com a produção dobrada prevista para os anos seguintes.
Por que isso importa
- Moradores do entorno da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, se queixam de sintomas respiratórios, alergias e outras doenças que seriam causadas pela emissão de poluentes.
- Especialistas avaliam que o equipamento que promete reduzir a poluição não consegue moderar emissões com a produção dobrada, uma vez que planeja a Petrobras.
“Voltou aquele cheiro de gás possante, eu não aguentei”
Patrícia da Silva, de 40 anos, nasceu e cresceu no Talento Inundado, extensão rústico do município de Ipojuca. Mãe de cinco filhos, precisou se alongar da cidade por recomendação médica, posteriormente ser diagnosticada, em 28 de dezembro, com asma. Neste período, a unidade de tristura já estava em operação. Em janeiro, posteriormente quase um mês de operação da SNOX, ela voltou ao bairro para visitar as crianças, esperando que a situação do ar estivesse melhor. Não estava, segundo ela.
“Voltou aquele cheiro de gás possante, eu não aguentei, comecei a passar mal e voltei para Itambé [na zona da mata norte de Pernambuco] e tô cá até agora”, relata com dificuldade. No dia 14 de março, quando a Pública falou com Silva, ela estava rouca, cansada e com muita dificuldade para respirar entre uma termo e outra. “[Eu me sinto privada] de viver com os meus filhos, que estão em Ipojuca”, disse.
O lavrador Marcos Severino da Silva, de 50 anos, mora a 4,5 km da refinaria. Em 14 de março, por volta das 7h, acordou sentindo “um cheiro possante de ovo podre”. “Sempre que chove e o vento para, o cheiro de ovo podre sobe e o nariz fica ardendo, motivo enjoo e quem não suporta muito, sente até ânsia de vômito” , descreve. Ele disse temer o período do inverno, quando as chuvas ficam mais frequentes, tornando os odores mais intensos e persistentes.
Situação semelhante relata Célia Promanação, de 50 anos, que mora no Condomínio Cupe, próximo à refinaria. Entre 17 e 21 de fevereiro, contou que “o cheiro de esgoto misturado com ovo podre estava muito possante, muito possante! Aí os efeitos são claros: dor de cabeça, olhos ardendo, crianças com cansaço. Eu mesma tenho uma filha diagnosticada uma vez que asmática cá [após vir morar no condomínio próximo à refinaria].”
Roseane Cristina Rodrigues Pereira, hoje com 43 anos, acompanhou a construção da refinaria. Ao longo dos anos, descreve que o odor foi se transformando, passando de cheiro de gás de cozinha para um tanto ainda mais repugnante, “uma vez que se tivesse qualquer bicho morto, alguma coisa assim, uma carniça”, explica.
Ela precisou buscar atendimento médico diversas vezes por sintomas uma vez que “náuseas, vômito, enxaqueca e falta de ar por motivo do mau cheiro”, conta. Em uma das idas à UPA, em novembro de 2024, o médico Erison Rêgo escreveu no prontuário: cefaleia e intoxicação pelos gases. “A gente chegou primeiro, uma vez que diz o ditado, antes dessa relva daninha [a refinaria], a gente já tava cá. A gente é morador daqui, não tem uma vez que expor que chegou depois”, lamenta Roseane.

Questionada sobre as denúncias dos moradores, mesmo posteriormente a inauguração da unidade que deveria derrotar as emissões, a assessoria da Petrobras informou por nota que “a Refinaria Abreu e Lima (RNEST) opera conforme a legislação vigente e atende aos parâmetros de emissões atmosféricas determinados na licença de operação”. Disse ainda que “a refinaria instalou quatro estações de monitoramento contínuo da qualidade do ar, abrangendo a região de Ipojuca e Cabo de Santo Agostinho. Os dados, gerados em tempo integral e disponíveis em tempo real ao órgão ambiental (CPRH), demonstram que a qualidade do ar na região encontra-se em conformidade com a legislação do CONAMA”.
A empresa também ressaltou que “a SNOX é uma unidade responsável pelo tristura das emissões de óxidos de súlfur (SOx) e óxidos de nitrogênio (NOx). Há também um precipitador eletrostático que antecede a SNOX, que faz a remoção do material particulado dos efluentes gasosos da refinaria”, outrossim que “os sistemas de tristura de emissões permitem que a refinaria possa aumentar sua capacidade de produção respeitando os limites legais de emissões atmosféricas” e que “reitera seu compromisso e desvelo com as pessoas, meio envolvente, segurança das operações e mantém diálogo jacente com as comunidades nas regiões onde atua”.
Especialistas contestam capacidade de redução de gases tóxicos
Mas, um parecer acessado com exclusividade pela Pública e elaborado por Elio Lopes, engenheiro químico profissional nos efeitos provocados pelos gases emitidos pelas refinarias de Cubatão (SP) e Abreu e Lima (PE), diz que a SNOX não seria suficiente para moderar as emissões de gases poluentes, sobretudo com o projeto de expansão da refinaria, que manterá “incômodos à população, prejuízo às atividades normais da comunidade, a segurança e ao uso e gozo da propriedade”, diz.
Antes mesmo do início das operações da Refinaria Abreu e Lima, em 2008, o próprio Elio elaborou um parecer técnico apontando o que seriam falhas graves no Estudo e no Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) apresentados pela Petrobras. Entre os pontos, estavam a privação de um projecto de evacuação em caso de explosão, o que colocaria em risco trabalhadores e moradores do entorno.
Segundo o portanto procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Fábio Farias, hoje desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª região, o parecer subsidiou discussões técnicas internas e reforçou críticas feitas por especialistas à era. “Eu me lembro muito que [o parecer] apontava que não existia projecto de evacuação da população”, afirmou. Embora não tenha originado uma ação direta do MPT, o documento consta em um inquérito ainda em curso no Ministério Público de Pernambuco (MPPE), na página 662.
Em entrevista à Pública, Lopes pontua que a unidade SNOX contribui para a redução de gases que causam odor, mas não impede que a refinaria continue liberando substâncias tóxicas. “Só a SNOX não resolve, porque existem outras fontes que não passam por esse sistema”, explica. “Se com a instalação da SNOX não houver outras mudanças na risco, os gases poluentes continuarão sendo emitidos.
Considerando que haverá aumento na produção de refino, também haverá aumento na periodicidade de paradas de manutenção programadas, nas operações de steam out [limpeza dos equipamentos com vapor] e nas vazões de efluentes líquidos e gasosos, resultando em aumento das emissões de poluentes”, detalha.
O projecto de expansão foi confirmado pela Petrobras, em um comunicado divulgado em dezembro de 2024. Na ocasião, a empresa anunciou o início das operações da SNOX e que a refinaria irá inflectir sua capacidade de produção, passando de 130 milénio para 260 milénio barris processados por dia. A licitação será ocasião e a epílogo da obra está prevista para 2028.
Abreu e Lima ocupa um papel estratégico no setor de refino: é a unidade brasileira com a maior taxa de conversão de petróleo cru em diesel (70%). Para a Petrobras, a ampliação representa prolongamento econômico. Para os moradores da região, acende-se um alerta: sem um controle rigoroso da poluição, a expansão pode exacerbar os problemas ambientais e de saúde pública já existentes.
Um segundo parecer técnico, feito pelo PhD em Saúde Pública pela Universidade de Coimbra e professor da Universidade Federalista de Pernambuco (UFPE), José Marcos da Silva, aponta que “o aumento das emissões de óxidos de nitrogênio [com a ampliação da refinaria] pode levar à formação de ozônio troposférico, formado altamente irritante para as vias respiratórias, que pode exacerbar doenças crônicas uma vez que asma, bronquite e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)”.
Silva pontua que o dióxido de nitrogênio está diretamente relacionado ao agravamento de doenças respiratórias. “Ele está relacionado ao desenvolvimento de asma, causando sintomas uma vez que tosse, chiado no peito e dificuldades respiratórias, podendo levar a internações hospitalares e atendimentos emergenciais”, afirma. O parecer também alerta que a concentração de partículas finas no ar é prejudicial à saúde respiratória e cardiovascular, podendo provocar infartos, acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e outras doenças pulmonares graves.
Uma terceira análise técnica, elaborada por Arline Arcuri, profissional em saúde do trabalhador e segurança química pela Universidade de São Paulo (USP), reforça os alertas feitos por Lopes sobre os riscos à saúde causados pelas emissões de Abreu e Lima. Segundo ela, “embora a população tenha uma vez que queixa principal o odor, os produtos são tóxicos. Podem provocar sérias complicações de saúde”. Arline destaca a premência de identificar os compostos presentes nas emissões, uma vez que benzeno, tolueno e etilbenzeno, que têm reconhecido potencial cancerígeno e neurotóxico.
A profissional também recomenda que, diante da ampliação da refinaria, seja exigida a instalação de tecnologias mais seguras no sistema de tratamento de efluentes. O parecer apresenta ainda um resumo detalhado da toxicidade dos principais poluentes liberados pela refinaria, apontando efeitos sobre os sistemas respiratório, cardiovascular e neurológico, além do risco aumentado de cancro.
A Petrobras evita fornecer informações detalhadas sobre a operação do equipamento e as medidas que serão tomadas para impedir que a geminação da refinaria aumente a poluição. Questionada, a assessoria não forneceu o descritivo do equipamento. Um pedido feito pela reportagem via Lei de Aproximação à Informação (LAI) também foi recusado, dizendo se tratar de sigilo industrial.
Intoxicações causadas pelo petróleo
“Minha esposa morreu depois de dois dias respirando aquele cheiro insuportável. Eu disse no hospital que era por motivo dos gases, mas ninguém quis investigar”, desabafa Jorge Simões, de 58 anos, em entrevista à Pública. Morador de um condomínio a somente dois quilômetros da Refinaria Abreu e Lima, Simões enxerga as estruturas metálicas da RNEST pela janela – e convive com o cheiro que, segundo ele, lembra “gás, ovo podre, carniça”. Ele concedeu entrevista à Pública por videochamada. Ao fundo da sua imagem, é verosímil ver com nitidez as torres de onde saía uma fumaça escura.

Durante os anos em que viveu próximo à refinaria, a esposa de Simões, Elisângela Alves Pereira, sofria frequentemente com sintomas que se agravavam nos dias em que o cheiro ficava mais possante. Simões conta que, em diversas ocasiões, precisavam transpor da cidade para que ela pudesse respirar melhor. Os sintomas incluíam “dor de cabeça, mal-estar no estômago, falta de ar” e eram sempre acompanhados do possante odor que entrava pela moradia. “Quando os gases estão fortes e entram cá dentro de moradia, a gente não dorme recta… a isenção baixa”, relata.
Nos dois dias que antecederam a morte de Pereira, Simões se recorda de que o cheiro estava principalmente intenso. “Tinha chovido e tava aquele cheiro insuportável. A gente [Simões e o filho] tava com dor de cabeça, ela também.” Mesmo assim, decidiram permanecer em moradia. “A gente ia transpor, mas desistiu por motivo da chuva. Aí, quando foi pela manhã, quando eu acordei, já foi ela assim, se batendo já na leito.” Pereira morreu em 2019, antes de receber atendimento. “Morreu dentro de moradia, com a minha ajuda, da minha vizinha e do pessoal do Samu, mas morreu sem socorro.”
O atestado de óbito aponta “motivo ignorada”. Jorge afirma que o corpo foi levado ao Instituto Médico Lícito, mas ele nunca teve aproximação aos exames. O silêncio das autoridades e a rotina adoecedora o revoltam. “A gente mora cá há anos. Essa refinaria chegou depois, e desde portanto a gente não vive em sossego. Quando os gases estão fortes, não dormimos, a isenção baixa, vem a tosse, a dor de cabeça.”

Entre 2014 e 2024, foram registrados 992 casos de intoxicação exógena [por causas exteriores] no município de Ipojuca, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, através da base de notificações do sistema de saúde. Desses, 32 estão associados diretamente a compostos derivados do petróleo. Cinco desses casos estão ligados às emissões, ou seja, componentes de petróleo que se misturam na atmosfera, a exemplo de gases oriundos do processamento. As demais notificações têm uma vez que causas o petróleo em sua constituição bruta e são identificados uma vez que “petróleo cru”, “óleo de praia”, entre outros.
O sanitarista José Marcos da Silva, que estuda os impactos do petróleo na saúde pública, esclarece que esses dados são limitados, mas relevantes. “Intoxicação exógena é um evento que a pessoa deu ingresso numa emergência. Isso é um adoecimento grave, não é uma coisa geral”, afirma.
O pesquisador destaca ainda que a privação de estrutura para diagnóstico e seguimento contribui para a subnotificação. “Mais preocupante ainda é a inexistência de uma política pública de vigilância específica para escoltar essa população exposta às emissões da refinaria. “Não tem treinamento de médicos para mourejar com exposição a químicos nesse território. Não tem treinamento para enfermeiros. Não tem sequer para o pessoal da vigilância”, alerta.
Ele aponta que as quatro áreas da vigilância em saúde – sanitária, epidemiológica, ambiental e do trabalhador – deveriam atuar juntas, mas isso não ocorre. “O SUS fica com os danos, e a empresa fica com os lucros. O empreendedor não se responsabiliza e joga para o poder público”, critica.
Em sua avaliação, a privação de respostas diretas por segmento da Petrobras é inadmissível. Sobre a morte de Elisângela, esposa de Jorge, diz que “não é ele [o viúvo] que tem que provar que a esposa morreu por motivo do petróleo. É o contrário. A empresa é quem teria que provar que essa exposição não motivo mortes, não motivo adoecimento”.
A contaminação por gases emitidos durante a produção de derivados do petróleo é bioacumulativa, ou seja, quanto mais a pessoa se expõe, maior é a quantidade desses componentes químicos no organização, explica o sanitarista. Há uma dez a população do entorno da refinaria está exposta a esses gases, não há dados que meçam a contaminação, tampouco a bioacumulação dessas substâncias em seus organismos.
A reportagem entrou em contato com a Vigilância Epidemiológica de Ipojuca para obter dados sobre contaminação exógena por compostos de petróleo em todo o município e nos bairros do entorno da Refinaria. São eles: Jagata, Vila Califórnia, Vila do Estaleiro, Talento Inundado, Talento Guerra, Talento Amazonas, Campo do Avião, Comunidade Califórnia, rua do Cemitério, rua da Santa, Rurópolis, Núcleo do Ipojuca. Posteriormente uma semana ligando diariamente para o órgão, os representantes do órgão disseram que “só poderiam liberar os dados com a autorização da Secretária Municipal de Saúde”.
O que o pretérito ensina
O histórico da indústria petrolífera brasileira mostra que esses riscos não são hipotéticos. Em 25 de fevereiro de 1984, um vazamento de gasolina na Vila Socó, bairro de Cubatão (SP), causou um incêndio de grandes proporções que vitimou dezenas de pessoas. O sinistro ocorreu nas imediações da Refinaria Presidente Bernardes, portanto um dos maiores polos petroquímicos do país, e expôs falhas graves nos sistemas de segurança e monitoramento ambiental.
O caso teve repercussão internacional e consolidou a imagem de Cubatão uma vez que “uma das cidades mais poluídas do mundo”, uma vez que indigitado por diversas reportagens. A tragédia gerou pressão por regulamentações mais rígidas e investimentos emergenciais em segurança ambiental.
A reverência das informações apresentadas pela reportagem, a Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco (SES-PE) informou, em nota, que “tem empreendido esforços contínuos para monitorar e mitigar os impactos à saúde da população residente no entorno da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca, principalmente no que diz reverência à exposição contínua a poluentes atmosféricos”.
Outrossim, que “reconhecendo a premência de fortalecer a rede de assistência toxicológica, a SES-PE tem promovido a capacitação de profissionais da atenção primária para aprimorar o reconhecimento e o manejo de casos de intoxicação por poluentes atmosféricos” e que, até o momento, “não há registro de informação formal à SES-PE sobre possíveis impactos ambientais decorrentes da implementação do sistema SNOX ou da expansão da refinaria”.
Leia aqui a nota na íntegra.