Rio Grande do Sul: um ano depois das enchentes, monitoramento e alertas continuam falhos
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Enquanto a maior chuva já registrada no Rio Grande do Sul caía e os estragos causados pela combinação entre precipitação recorde e falta de preparo dos municípios se acumulavam, um gargalo medial ficava evidente: a rede de monitoramento e previsão de chuvas e do nível dos rios do estado era insuficiente para dar conta de um evento climatológico extremo daquela magnitude.
Muitas estações de monitoramento não estavam funcionando ou ficaram inoperantes com a força das águas, e os órgãos oficiais não tinham capacidade técnica e equipamentos que permitissem fazer as previsões necessárias para subsidiar a tomada de decisões, porquê evacuações e resgates.
Pretérito um ano da tragédia, a implementação de um sistema eficiente, com ampliação e recuperação da rede de estações hidrometeorológicas, mapeamento topográfico e modelagens, entrou nos planos do governo de Eduardo Leite (PSDB), mas ainda está longe de se concretizar na prática.
À exceção de um novo radar meteorológico já instalado em Porto Jubiloso em agosto do ano pretérito, os projetos de ampliação e recuperação da rede de monitoramento ainda não estão em realização e não há previsão de quando ocorrerá a implementação completa.
A morosidade no restabelecimento deste sistema é um dos principais pontos apontados por especialistas ouvidos pela Sucursal Pública para chegar a uma epílogo consensual: o Rio Grande do Sul não está pronto para uma novidade chuva porquê a que caiu entre o termo de abril e o início de maio do ano pretérito. Pesa também nessa avaliação a falta de avanços concretos no sistema de alertas (que falhou em 2024, como relatou a Pública na estação), na estrutura da Resguardo Social e na informação em desastres.
Um dos pesquisadores que compartilham dessa visão é Fernando Meirelles, que atua no Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federalista do Rio Grande do Sul (UFRGS), órgão que teve papel medial na resposta às enchentes do ano pretérito. “Não estamos preparados para um evento [como o de 2024]. Nós perdemos a rede de monitoramento e não a recuperamos. Ainda estamos na período burocrática, não na período operacional do processo”, aponta.
Para Meirelles, as ações tomadas até o momento em relação ao sistema de monitoramento estão ocorrendo de maneira “muito lenta”. “Dada a situação de emergência, poderíamos ter tomado outros caminhos, mas só agora que se começa a fazer alguma contratação. Vai se erigir uma outra rede [em vez de aproveitar a que já existia]. Não entendi por que não fizeram um contrato emergencial para restabelecer as estações que já estavam colocadas. Isso leva a um demora”, diz o perito em recursos hídricos e saneamento ambiental.
As deficiências no sistema de monitoramento, previsão e alerta contribuíram para que o sinistro tivesse a magnitude que teve, de pacto com os especialistas ouvidos pela reportagem. Com o aprofundamento das mudanças climáticas, causadas principalmente pela queima de combustíveis fósseis – e, no caso do Brasil, sexto maior emissor de carbono, pelo desmatamento–, a tendência é que eventos extremos se tornem cada vez mais frequentes.
No Rio Grande do Sul, estudos científicos sinalizam que haverá um aumento na ocorrência de chuvas intensas em curtos períodos de tempo, o que reforça a valimento de medidas de prevenção, mitigação e preparação para desastres. Um estudo científico lançado no ano pretérito já atribuiu as fortes chuvas às mudanças climáticas.
Segundo a estudo, o aquecimento global causado por atividades humanas, aliado à falta de infraestrutura, tornou a tragédia duas vezes mais provável de sobrevir e aumentou sua intensidade numa graduação de 6% a 9%.
“Não tinha porquê a gente impedir a ocorrência dessas chuvas, mas um sistema de previsão e de alerta permite um tempo de reação maior e seria verosímil minimizar as perdas, tanto de vidas quanto econômicas”, aponta Daniel Caetano, doutor em Meteorologia pela Universidade Federalista de Santa Maria (UFSM).
As enchentes e os deslizamentos de terreno que atingiram o estado no ano pretérito afetaram quase 2,4 milhões de pessoas em 478 dos 497 municípios gaúchos, de pacto com o último boletim publicado pela Resguardo Social do Rio Grande do Sul, em agosto do ano pretérito. 183 pessoas morreram, 27 seguem desaparecidas e outras 806 ficaram feridas. O Aeroporto Internacional Salso Fruto, em Porto Jubiloso, ficou mais de cinco meses fechado e organismos internacionais calcularam prejuízos em quase R$ 90 bilhões.

A Pública enviou uma lista de perguntas para o governo do Rio Grande do Sul e reproduz trechos das respostas ao longo da reportagem. A íntegra, assim porquê uma nota complementar enviada pela assessoria de informação podem ser conferidas neste link. O material destaca as ações tomadas pelo governo estadual durante e posteriormente o sinistro, centralizadas no Projecto Rio Grande, que inclui medidas de reconstrução, adaptação e resiliência climática – e que também é escopo de críticas por secção de especialistas.
Só metade das estações de mensuração estava funcionando
Na estação da enchente, uma denúncia do pesquisador Fernando Meirelles, revelada com exclusividade pela Pública, mostrou que das 94 estações pluviométricas da Secretaria Estadual de Meio Envolvente e Infraestrutura (Sema), somente 60 estavam disponíveis no portal da Sucursal Pátrio de Águas e Saneamento Substancial (ANA). Destas, somente 12 estavam transmitindo os dados de maneira adequada.
Um levantamento mais espaçoso concluiu, depois, que das 732 estações de mensuração automática de chuva que em teoria cobriam o Rio Grande do Sul e secção de Santa Catarina, de responsabilidade de diferentes órgãos públicos, somente 372 estavam ao menos parcialmente funcionando, segundo Walter Collischonn, do IPH/UFRGS.
Um dos corpos hídricos que tiveram problemas no monitoramento foi o rio Guaíba, que circunda a capital Porto Jubiloso e atingiu seu maior nível da história em 5 de maio, chegando a 5,37 metros, muito supra da prestação de inundação, de 3 metros. Na ocasião, foi necessária a instalação de uma régua de mensuração emergencial, já que a do Cais Mauá, utilizada normalmente, foi danificada pela enchente.
Mas não foi só isso. Não havia, entre os órgãos oficiais, capacidade técnica de fazer previsões detalhadas do nível do rio para os dias seguintes, um pouco fundamental para orientar decisões centrais durante um sinistro. O Serviço Geológico do Brasil (SGB) até faz previsões de outros corpos hídricos do estado, porquê os rios Taquari, Caí e Uruguai, assim porquê faz em outros estados brasileiros, mas o Guaíba não era e continua não sendo contemplado.
Considerando o contexto emergencial, uma equipe de pesquisadores do IPH/UFRGS passou a fazer previsões de maneira voluntária, com base em uma metodologia que ainda estava em período de pesquisas. Pretérito quase um ano da tragédia, e descontinuada a iniciativa do IPH, ainda não há previsões do nível do Guaíba feitas por órgãos oficiais.

Collischonn labareda a atenção para outra deficiência que ficou evidente nas enchentes do ano pretérito e ainda não foi sanada: a falta de corpo técnico qualificado para operar e fazer a manutenção do sistema, o que dificultou ainda mais o monitoramento durante as enchentes. Segundo ele, até existem, por exemplo, pluviômetros instalados, mas não há gente suficiente para fazer a manutenção. “A equipe técnica era muito reduzida”, aponta o professor, que não vê avanços nesse sentido até o momento.
“Comprar um equipamento e botar ele em campo tem um dispêndio muito evidente e é fácil de fazer. A questão é manter ele funcionando. Neste ponto, tanto os órgãos estaduais quanto os federais às vezes falham”, diz. A estudo completa que Collischonn fez sobre os problemas do estado pode ser lida em um dos artigos da publicação “RS: Resiliência & Sustentabilidade”, construída a partir de uma parceria entre a Secretaria Extraordinária de Reconstrução, do governo federalista, e a Instauração Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp) com universidades públicas gaúchas.
Daniel Caetano, pesquisador da UFSM, aponta que o Rio Grande do Sul sempre esteve mais procrastinado do que os outros estados da região Sul quando se trata de monitoramento, alerta e preparo frente a eventos climáticos extremos. “A gente precisou de uma catástrofe para debutar a pensar mais sobre isso, mas as ações ainda são muito incipientes, ainda é tudo muito inicial”, diz.
Caetano é secção de uma equipe de pesquisadores que venceu um edital lançado pelo governo estadual e está desenvolvendo soluções para “tornar um pouco mais autossuficiente a meteorologia e a Resguardo Social do Rio Grande do Sul”. Ele faz coro, no entanto, à avaliação de que a velocidade de ação do governo estadual está aquém do necessário. “É tudo muito lento e essas respostas, pelo menos da nossa secção, não são para amanhã. Só que as alterações [climáticas] não estão na velocidade das nossas mudanças”, diz.

Segundo Fernando Meirelles, do IPH/UFRGS, o estado já teve uma rede de monitoramento “adequada”, mas o sistema foi se degradando com o passar dos anos e a manutenção necessária não foi feita. “A rede foi ficando sem contato com internet, sem contato com telefonia. Logo, mesmo que o sensor esteja funcionando, a gente não sabe o que está acontecendo”, explica.
Entre 2015 e 2018, Meirelles esteve avante da diretoria de Recursos Hídricos, órgão ligado à Sema. Foi justamente durante sua gestão em que o vetusto sistema de monitoramento foi implementado.
Foi também durante o período em que ele esteve no incumbência que foi formulado um anteprojeto de projecto de prevenção de desastres. O projeto, que poderia ter reduzido os danos enfrentados pelo estado no ano pretérito, na avaliação de Meirelles, parou na Mansão Social e acabou engavetado tanto pelo governo de ocasião, de José Ivo Sartori (MDB), quanto pelo seguinte, de Eduardo Leite, como mostrou a Pública sete meses antes da tragédia.
Questionado sobre a falta de capacidade técnica para fazer previsões dos níveis dos rios, o governo estadual afirmou que “o monitoramento hidrológico [do estado], com a tendência dos níveis dos rios, riscos de extravasamento ou declínio dos mesmos não sofreu interrupção” e que “houve a divulgação de boletins diários por secção da Sala de Situação”. A Pública mantém a informação apurada.
Em relação à falta de corpo técnico qualificado, afirmou que “abriu processo seletivo para a contratação de mais de 2 milénio servidores temporários, distribuídos em 58 especialidades diferentes”. O governo disse ainda que “a recepção dos novos servidores representa o compromisso da atual gestão com a superação dos efeitos dos eventos meteorológicos adversos que atingiram o território gaúcho em 2024″. A resposta não especifica se os servidores temporários resolveram as lacunas apontadas pelos especialistas.
Órgãos de prevenção e resposta a desastres ainda têm falhas
A enchente do ano pretérito também escancarou as falhas do sistema de alertas do Rio Grande do Sul, assim porquê as deficiências dos órgãos de Resguardo Social – também não solucionados até o momento.
No caso da Resguardo Social, um dos principais problemas apontados pelos especialistas é a falta de profissionais capacitados, principalmente nos pequenos municípios.
“Ao longo dos anos, esses órgãos foram sempre organizados porquê lugar de disposição política”, aponta Abner de Freitas, fundador da startup Hopeful, que trabalha com ensino em desastres. “Se a Resguardo Social não é estruturada, se tem uma pessoa [no comando] que não entende zero do tema, qualquer outra coisa é só publicidade. Se nós formos expostos a uma novidade chuva intensa, a resposta vai ser a mesma [de 2024]”.
No ano pretérito, reportagem da Pública mostrou que militares e políticos sem experiência estavam avante dos órgãos de Resguardo Social no Rio Grande do Sul. Com poucas exceções, o cenário segue o mesmo, com secretários municipais sem vínculo com a extensão acumulando a coordenação dos órgãos com suas demais funções em vários municípios.
“A Resguardo Social no Rio Grande do Sul tem poucos especialistas em desastres, é muito focada na resposta depois que o sinistro aconteceu. Quando a gente vai para o interno, o responsável pelo órgão é alguém que conhece muito a cidade, mas não tem uma capacidade técnica tão boa”, afirma Walter Collischonn, do IPH/UFRGS.
Com déficit de especialistas na Resguardo Social e nos demais órgãos de prevenção e resposta a desastres, somado a um sistema de monitoramento e previsão desmantelado, o que se viu ao longo das enchentes de 2024 foi uma informação falta, com alertas vagos e tardios. Aliás, mesmo quando os alertas chegavam em tempo oportuno, a falta de cultura de prevenção e de orientações claras deixou a população sem saber o que fazer ou para onde ir – e isso gerou um dispêndio de vidas.

“Receber um aviso na sua morada de que vai chover muito no seu estado não é a mesma coisa do que manifestar que às sete horas da noite você vai ter que transpor de morada porque ela vai ser inundada. Esse é outro nível de precisão na informação. Pintar o estado com uma mancha vermelha e manifestar que foi oferecido alerta é muito pouco”, diz Collischonn.
Para Marcos Kazmierczak, doutor em desastres naturais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e fundador de uma startup focada em mudanças climáticas, as medidas planejadas em relação ao sistema de monitoramento e previsão precisam ser acompanhadas de maior preparação dos órgãos, incluindo a Resguardo Social, e da população. “Dados precisam gerar informação que precisa virar conhecimento. Esse conhecimento tem que ser disseminado e tem que virar ação. Senão, não adianta zero. Não adianta encher os rios de sensor e estação meteorológica, coletar os dados e não usar. Tem que gerar conhecimento”, aponta.
“Não vai levar 80 anos para [um evento extremo como o de 2024] sobrevir de novo. Se vai sobrevir ano que vem ou daqui cinco ou dez anos, eu não sei, mas vai sobrevir. E se sobrevir amanhã [os órgãos de resposta] não vão estar preparados, vão escadeirar cabeça que nem barata tonta”, afirma o perito.
Em relação às críticas sobre a estrutura da Resguardo Social, o governo gaúcho destacou a realização do “Curso Substancial de Proteção e Resguardo Social”, em parceria com o Ministério Público, que pretende capacitar todos os coordenadores municipais ainda no primeiro semestre de 2025. Afirmou também que a contratação de servidores temporários “agregou profissionais técnicos nas áreas de meteorologia, hidrologia, geologia, engenharia, arquitetura e outras áreas de interesse, fortalecendo o corpo técnico, além do reforço das equipes com militares, que também ocorreu nos primeiros meses de 2025.”
Sobre falhas na informação, o governo estadual disse que “desde o início, muito porquê no discurso do sinistro, foram adotadas medidas para exprimir o risco às populações potencialmente afetadas” e que “o trabalho da Secom foi além da informação e se tornou uma utensílio de ajuda humanitária”. Questionado sobre medidas para aprimorar a informação em desastres, não respondeu. Confira a íntegra das respostas neste link.