Roraima: indígenas venezuelanos são assassinados em abrigo desativado da Operação Acolhida
7 min read“Eu te senhor muito, papai. Não me deixe cá”, suplicava aos prantos, ao lado do caixão, um dos filhos de Yerffersson de Jesus Montilla Matos, de 39 anos. O indígena venezuelano, da etnia Warao, foi assassinado a tiros ao lado da esposa, Myiela Perez Cardona, de 34 anos, em 8 de janeiro, no abrigo desativado da Operação Acolhida chamado de Pintolândia, em Boa Vista, capital de Roraima. Cardona também foi atingida e faleceu no hospital.
As famílias se preparavam para dormir quando um varão armado entrou no abrigo e foi até o barraco de lona onde vivia o parelha e seus sete filhos e disparou contra Matos e Cardona. Um bebê, de quatro meses, fruto do parelha, também foi atingido na mão e segue internado no Hospital da Menino de Boa Vista, mas sem risco de morte.
O facínora do parelha indígena deixou sete crianças e adolescentes órfãos, que hoje estão sob a tutela da avó materna.
Segundo a Escritório Pública apurou, sete dias em seguida o assassínio, o boletim de ocorrência do caso ainda não foi despachado para nenhuma das equipes de investigação do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) de Roraima. O despacho é um ato importante para direcionar a meio da apuração do caso. Questionada, a diretora da secretaria, delegada Miriam Di Manso, disse à Pública que diligências estão em curso e o “despacho é mera formalidade”.
Por que isso importa
- A Operação Acolhida, que recebeu tapume de 1 milhão de pessoas, é a maior operação de migrantes da história recente do Brasil.
O caso está sob investigação pela Delegacia Universal de Homicídios (DGH) de Roraima, departamento subordinado ao DHPP, de responsabilidade do representante João Luiz Evangelista Batista dos Santos, que disse por meio de nota à Pública que “diligências estão em curso para identificar os autores do delito, a motivação e as circunstâncias”. Leia cá a nota na íntegra.
“Todo mundo com susto, preocupado, desesperado e assustado”, disse o indígena Pablo (hipotético), de 40 anos, morador do abrigo, cuja identidade não será divulgada em decorrência do receio de que o atirador volte.
As famílias que vivem no abrigo Pintolândia precisam enfrentar também inópia, fome e moradias precárias. Segundo os indígenas, ninguém havia observado a um incidente de violência semelhante a esse desde a sua inauguração, em dezembro de 2016, antes mesmo do início da Operação Acolhida.
Pelo menos sete tiros foram disparados
A equipe de perícia técnica da Polícia Científica de Roraima contabilizou dentro do abrigo, ao menos, sete projéteis de uma revólver de calibre 380, que, dependendo do protótipo, pode custar até R$ 12 milénio.
“Às 19h50, começaram a atirar e todo mundo, assustado, correu e abraçou suas famílias no soalho”, contou Rodriguez sobre o momento em que o atirador abriu queima dentro do abrigo.
Myiela Cardona foi baleada enquanto segurava o fruto de quatro meses no pescoço. Ela foi atingida por quatro disparos no braço, tórax, mamilos e pescoço. O bebê foi atingido na mão.
Na porta do abrigo, a indígena tentava resistir aos ferimentos enquanto a equipe de resgate não chegava. Segundo Pablo, a ambulância chegou em seguida duas horas. Ela foi socorrida e levada ao pronto-socorro do Hospital Universal de Roraima (HGR), mas não resistiu e morreu dois dias depois, na madrugada de 10 de janeiro.
Dentro de um barraco montado com lonas e madeiras, estava Yerffersson Matos já sem vida e com o corpo estendido sobre a leito. Ele estava com três ferimentos de arma de queima, disparados à queima-roupa.
Testemunhas disseram aos guardas civis municipais de Boa Vista que atenderam à ocorrência que o atirador era um varão tá, de cabelos claros, branco e com uma tatuagem de tigre no braço, mas o seu rosto não pôde ser visto, pois usava um cimeira. Depois ter efetuado os disparos, ele fugiu de moto com um suposto parceiro.
A DGH trabalha inicialmente com a hipótese de um acerto de contas, em virtude dos depoimentos colhidos na comunidade na noite em que o duplo homicídio ocorreu.
Na noite seguinte, enquanto a comunidade Warao ainda se recuperava do delito brutal, um grupo constituído por oito homens entrou no Pintolândia e questionou aos moradores se Yerffersson Matos havia mesmo morrido. “Desde que sucedeu a morte do parelha, começaram a entrar [homens armados] agora”, contou Pablo Rodriguez.
Uma vez que forma de prometer a segurança dos moradores da comunidade, os tuxauas – lideranças indígenas entre os Warao – optaram por colocar cadeados e trancar os portões todos os dias a partir das 20h.
“Ninguém vem cá [fazer] segurança […] Qualquer sonido de moto, nós ficamos com susto”, disse o Warao.
O governo do estado disse que “a Polícia Militar de Roraima ressalta que realiza policiamento da espaço, por meio do 2º Batalhão de Policiamento Militar e unidades especializadas, uma vez que Grupamento Independente de Mediação Rápida Ostensiva (Giro), Força Tática, Batalhão da Polícia de Choque e Canil”.
Povo Warao ofídio investigação em meio ao luto
O dia 11 de janeiro, pela manhã, era de sol em Boa Vista. Em contraste, o velório e sepultamento do parelha foram marcados por comoção e choros histéricos, que demonstraram a indignação pelo delito brutal que enlutou a comunidade indígena que vive no Brasil.
Na noite seguinte ao duplo homicídio, o sege do Serviço Funerário Municipal de Boa Vista deixou o caixão de Yerffersson Matos no abrigo Pintolândia, onde foi conduzida a cerimônia de velório.
Três dos sete filhos do parelha se aproximaram da urna funerária mal ela foi posicionada em um espaço talhado à celebração da memória de Matos. Um deles clamava pelo pai morto enquanto segurava a borda do caixão.
Representantes do povo Warao no Brasil emitiram uma nota de repúdio ao assassínio de Matos e Cardona, na qual lamentam o delito e exigem das autoridades brasileiras que “conduzam uma investigação rigorosa e transparente sobre leste delito hediondo, que não pode permanecer impune”.
“Nós, do povo Warao, viemos a público expressar nosso profundo repúdio e indignação pelo brutal assassínio de uma mulher Warao, ocorrido na noite de quarta-feira, no abrigo Pintolândia, em Boa Vista. Oriente ato de violência, que também resultou na morte de seu consorte, é uma tragédia que não unicamente ceifou vidas, mas também deixou sete crianças desprovidas de seus pais e em situação de vulnerabilidade extrema”, diz o documento. Leia na íntegra.
Abrigo desativado
As primeiras famílias Warao chegaram ao ginásio desativado em Pintolândia, bairro de Boa Vista, em dezembro de 2016, antes de o governo brasiliano implementar a Operação Acolhida, iniciada em 2018, uma vez que resposta à chegada massiva de migrantes e refugiados no estado de Roraima, em virtude da crise política e econômica da Venezuela.
Pablo contou que, quando as famílias chegaram ao ginásio, o lugar estava esquecido, sujo e repleto de insetos. A limpeza e a ramificação do espaço foram feitas pelos Warao.
Com a chegada do Cimo Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o espaço passou a ser governado pela ONU e o Tropa Brasílio, que eram responsáveis por repartir vitualhas, facilitar os indígenas venezuelanos na retirada de documentos para estadia permanente ou de refúgio no Brasil e a segurança do espaço.
No entanto, Pablo narrou que os indígenas perderam autonomia ao longo dos quatro anos em que a Operação Acolhida ficou avante do Pintolândia. Eles reclamam também de terem sido restringidos no recta de praticar os seus costumes e passaram a mourejar com a violência dos militares das Forças Armadas. A Pública ouviu relatos de xenofobia por secção de vigilantes, militares e funcionários dos abrigos da operação, que foram contestados pela organização.
“Vimos o maltrato dos militares e da ONG, o Acnur. Eles não nos respeitam uma vez que humanos e povos indígenas. Para eles, o tuxaua não tem autonomia”, denunciou o indígena.
Em março de 2022, no entanto, um novo abrigo indígena foi crédulo pelo Acnur e houve a proposta de que os Warao, que moravam no Pintolândia, se mudassem. Mas a comunidade resistiu e optou por manter-se no ginásio de forma autônoma.
Procurada, a Secretaria do Trabalho e Muito-Estar Social (Setrabes) do governo estadual disse que “tem escoltado e implementado ações contínuas de proteção e assistência aos indígenas venezuelanos da etnia Warao residentes na ocupação espontânea”. Leia a nota na íntegra.
O Acnur, por sua vez, respondeu que “não administra o abrigo Pintolândia desde 2022” e que o “abrigamento é emergencial e temporário, não sendo uma solução duradoura”. Leia a nota na íntegra.
O Ministério da Resguardo, pasta que supervisiona a Operação Acolhida, disse, por telefone, que o abrigo Pintolândia não é mais de responsabilidade da operação.