Baixada Fluminense e os políticos armados na terreno dos assassinatos
11 min read“Se houver medo, vai ser três vezes pior! Vou meter o [Batalhão de] Choque, o Bope e o Bac”, vocifera um varão branco ao microfone sem fio, trajando um colete balístico sobre sua blusa polo aurora, enquanto caminha ao lado de um caveirão da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ).
“É cá, ó, o caveirão cá! Não tem história irmão: se vier, vai tomar no…”, prossegue ele, ao passo que o impenetrável roda lentamente pelo bairro Jardim Leal, em Duque de Caxias, o principal município da Baixada Fluminense. O varão ao microfone é ninguém menos que Marcelo Dino, o deputado estadual e logo candidato a vice-prefeito da cidade pelo União Brasil, em dupla com o político Celso de Alba. Eles não foram eleitos.
A cena foi filmada por moradores no dia 26 de setembro deste ano, a poucos dias das eleições municipais, e faz segmento da fanfarronada do político contra traficantes que, supostamente, estariam tentando impedi-lo de realizar sua campanha em determinadas favelas de Duque de Caxias. Antes de estar envolvido com a política, Marcelo já era policial militar, situação cada vez mais generalidade no Brasil: nestas eleições, ao menos 6,6 mil candidatos são militares ou ligados a forças de segurança. A reportagem procurou o candidato, que não respondeu.
Violência é tradição na política da Baixada
O uso de armas ou a instrumentalização do sumptuosidade policial para erigir sua imagem política é uma tradição da política da Baixada. Segundo José Cláudio Alves, sociólogo e professor da Universidade Federalista Rústico do Rio de Janeiro (UFRRJ), esse fazer político ligado ao belicismo tem uma história que vem lá da dezena de 1930, com o Tenório Cavalcanti, deputado federalista da região que andava pelos bairros com uma metralhadora à qual apelidou carinhosamente de Lurdinha. Soma-se a isso o aumento dos conflitos por terras durante a dezena de 1950 e o recrudescimento da repressão na ditadura militar e você tem um cenário no qual a arma se torna um artefato basilar da política na Baixada, conforme explica o pesquisador.
Por que isso importa?
- Desde 1988, os municípios da Baixada Flumimense registraram 89 assassinatos ou tentativas contra políticos e pessoas que trabalham com política, uma vez que jornalistas, blogueiros e assessores.
“Ter armas e dominar essa dinâmica violenta que a arma possibilita a imposição de vontade, de solução de conflitos, de participar de confrontos, isso tudo começa a projetar, a ser uma vez que uma espécie de credencial para essas pessoas construírem trajetórias políticas. Hoje essas figuras se lançam candidatos, se projetam com essa plataforma do ‘bandido bom é bandido morto’, do ‘vamos armar a população’, que estabelece violência para enfrentar a violência, uma vez que se isso fosse verosímil, uma vez que se de indumento resolvesse alguma coisa”, conclui.
Houve um totalidade de 89 casos de homicídio ou atentado a políticos entre 1988 e o primeiro semestre de 2024 na Baixada, segundo um levantamento que a Escritório Pública fez a partir de uma base de dados do pesquisador Huri Sossego, do Afro-Cebap, e outra do Instituto Incêndio Cruzado. Algumas dessas histórias mostram uma vez que o próprio porte de arma dos políticos da região gera maior instabilidade na região e dita o tom das campanhas eleitorais.
A coronhada que custou custoso
Às vezes, o político morre por consequência da sua própria arma. Nelson Gomes de Souza, vulgo Nelson Lilinho, tinha 52 anos quando, em 16 de dezembro de 2015, foi morto na rua Tancredo Neves, no bairro Tomazinho, em São João do Meriti (RJ), depois um conflito iniciado por ele mesmo.
Segundo o processo relativo ao delito, a situação começou por volta do meio-dia, quando ele, ex-vereador do município pelo Partido Social Cristão (PSC), secretário e policial militar reformado, parou seu Saveiro branco no meio de uma curva da rua ao notar seu colega que fora da Polícia Social Francisco José Costa Machado na frente de seu estabelecimento, o “Lava Jato do Chiquinho”.
O sege parado atrapalhou o trânsito, obstruindo o caminho do ônibus dirigido pelo guarda municipal José Carlos Luiz da França, que, segundo consta em seu interrogatório, atuava uma vez que agente de trânsito havia três anos. Naquela manhã, França dirigia o transporte da prefeitura, com crianças das escolas de todo o município. O guarda logo começou a buzinar e tirar fotos do Saveiro, o que instigou uma discussão entre ele, que gritava de dentro do ônibus, e Lilinho, que decidiu pôr o cabelo pequeno e o bigode grosso para fora do sege a término de se justificar melhor.
A porta do motorista ficou ensejo e, conforme os testemunhos coletados pelos policiais, enquanto os dois debatiam, chegou um terceiro veículo: uma moto CG vermelha 2014 com dois ocupantes, pega de surpresa pela obstrução da via. Ela colidiu contra a porta do sege, fazendo com que caísse. O condutor da moto, Rodrigo de Siqueira Moura, preocupava-se em levantar a motocicleta e checar o estado do veículo enquanto Alexandre Magno de Aquino Sampaio, o garupa, armava uma discussão com Lilinho.
Foi logo que o motorista do Saveiro irritou-se e puxou uma revólver calibre 40. Os motoqueiros saíram. O político permaneceu junto ao possuinte do lava-jato e o guarda municipal discutindo o que havia terminado de suceder. Machado, preocupado, aconselhou-o a ir embora, pois acreditava que os dois voltariam armados para vingar-se da humilhação. Dito e feito. Um Kadett azul-marinho surgiu pela rua, dele saiu o garupa da moto, que teria disparado contra Lilinho, ferido fatalmente com dois tiros no rosto e um nas costas. As crianças que estavam no ônibus se assustaram ao ouvir o troada da revólver.
A família do condutor da moto ligou para a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense e explicou que o rapaz estava disposto a se entregar desde que descobriu que estaria envolvido com o homicídio do ex-vereador. Todavia, tenha colaborado com a Justiça e explicado não ter conhecimento do que seu colega pretendia fazer, foi sentenciado e recluso, enquanto o garupa permaneceu foragido até 2017, quando foi recluso em Minas Gerais em decorrência da divulgação de seu rosto no portal de procurados.
A arma que sumiu
Outras vezes, a posse de arma não impede alguém de ser executado por opositores. Assessor parlamentar na prefeitura de Queimados, também na Baixada Fluminense, Clayton Damaceno Pereira (sem partido) passara segmento do ano de 2023 iniciando sua pré-campanha para vereador do município, mirando a eleição de 2024. Ao seu lado nas investidas por comunidades e bairros da cidade, Paula Ribeiro Menezes Costa atuava uma vez que sua coordenadora de campanha.
Segundo todas as testemunhas próximas a ele ouvidas pela polícia, Clayton era muito muito quisto pelos bairros em que passava. Varão cimo, de porte atlético, o político atuava também uma vez que empresário do ramo de roupas na Uruguaiana, o principal camelódromo do núcleo da cidade do Rio de Janeiro. Porém, a extensão de suas boas relações e a facilidade de trânsito mesmo pelas regiões mais tensas da cidade levantavam suspeitas entre a população lugar.
No sindicância da Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, consta o relato de Eric, sobrinho de Clayton, que explica que a região do bairro Inconfidência tinha a reputação de ser influenciada por uma milícia e que milicianos buzinavam para seu tio quando o viram caminhando pela rua. Todavia, embora as suspeitas fossem fortes e vivessem na boca do povo, o suposto envolvimento nunca fora oficialmente reconhecido pela Justiça ou por ele mesmo, que, em vida, sempre negara.
Sua trajetória findou-se no dia 28 de outubro de 2023, quando, ao passar segmento da noite conversando com sua coordenadora de campanha, amigos e familiares numa loja de açaí no bairro Inconfidência, onde morava com sua esposa e filha de 10 anos de idade, foi executado por dois atiradores que pularam de motocicletas. Nos laudos cadavéricos do político e da sua coordenadora constam, respectivamente, uma vez que culpa da morte: “ferimentos transfixantes de tórax e abdómen com lesões em pulmão esquerdo, coração, fígado e embaciado” e “ferimento perspicaz de crânio com lesão encefálica”.
Cruzando relatos de testemunhas com imagens de câmeras, a polícia concluiu que a autoria do delito seria de três rapazes com passagem por envolvimento com tráfico: Cleiton “Binho” Alves Francisco, Anderson “Parazinho” Correia Ramos e Lucas “Monstrinho” de Souza Ignacio. A motivação, segundo a Justiça, seria que eles teriam agido em nome da partido Comando Vermelho em retaliação ao suposto envolvimento de Clayton com milícias.
Mal os motoqueiros e os executores saíram em disparada, um sobrinho de Clayton, que estava na lar de sua tia ali perto, voltou correndo para a loja de açaí. Ele encontrou o tio perto de morrer, sangrando no pavimento. Sabendo que ele costumava carregar consigo uma revólver em coldre, vasculhou a cintura dele e retirou de lá a arma, levando-a para lar de seu agora falecido tio. Essa situação foi toda relatada aos policiais que tomaram o testemunho.
Ao término, a arma do político assassinado, que não chegou a ser usada para resguardo durante o ataque devido ao fator surpresa, sumiu. “Indagado acerca do orientação da arma, o depoente disse que a levou para a lar de seu tio e que, chegando lá, alguém a tirou de suas mãos, mas que não se recorda quem foi.”
Atirar é uma vez que trovar
Há ainda vezes em que a arma é um objeto tão generalidade para os políticos que eles já estão preparados para trocar chumbo para tentar salvar a sua vida. André Luís de Oliveira Cristino, vulgo Andrezinho do Japeri, estava na última semana de sua primeira campanha pelo Partido Republicano Progressista (PRP) para prefeito de sua terreno natal na Baixada Fluminense, quando sofreu uma emboscada quase inevitável.
À estação com 39 anos de idade, Andrezinho tinha vasta experiência na PMERJ: ele já tinha vivido um cadinho de tudo, tendo sido atirador de ponta do Tropa pelos cinco anos em que serviu; policial do 14º Batalhão, por onde trabalhou no Multíplice Prisional de Gericinó; membro do Batalhão de Operações Especiais (Bope); possuinte de empresa de rastreamento de veículos e pessoas sequestradas; e segurança do político e empresário Benedito Amorim, que fora prefeito de Itaguaí, cidade contígua a Japeri, entre 1993 e 1996.
Embora legalmente um policial não possa trabalhar uma vez que segurança privado em seu horário de folga, Andrezinho iniciou seu aprendizagem sobre política ao escoltar a campanha de Benedito: “Acho que quase 100% [naquela época] fazia segurança. O dispêndio de vida de um policial militar é cimo. Não pode morar em qualquer lugar, entendeu? Ele tem que caminhar de sege. Hoje em dia, tá mais cimo, [pois] o policial hoje militar tem que caminhar de sege impenetrável”, justifica.
Seu desempenho uma vez que segurança chamava atenção de Benedito, pois se diferenciava dos outros graças ao treinamento que recebeu do Tropa e do Bope. Segundo ele mesmo descreve, o político ficava impressionado com a frieza e o profissionalismo dele, sempre com a arma em mãos, observando qualquer versão no meio urbano, pronto para um ataque-surpresa em potencial. Sua vida, nessa estação, envolvia pouco sono e muita tensão.
“Tiro é dom. É igual trovar. O face tem a voz boa, ele só precisa ouvir para aprender as notas, né? Ele já canta [naturalmente]”, explica.
O dito dom facilitou sua vida e fez com que sua progressão de curso dentro da polícia fosse simples e mais destro do que para outros colegas que almejavam perceber o panteão de soldados do Bope. Isso, por sua vez, ajudava-o a conseguir bicos externos, por fim, a reputação de policial desse batalhão sobressai no cenário da segurança privada e até mesmo no mercado de palestras.
E foi também o tal dom, em sua avaliação, o que o salvou na madrugada de 23 de setembro de 2016. Ele havia recebido uma epístola de intimidação para largar a campanha política poucos dias antes, quando, naquela noite, escoltado de seu motorista, na lar dos 40 anos de idade, e do profissional de colagem de adesivos de campanha, cuja idade, conforme lembra, não passava dos 20 anos, Andrezinho pretendia parar numa lanchonete para remunerar a comida deí seus dois funcionários e comemorar o término do longo expediente daquela sexta-feira. Estavam os três dentro da Pajero blindada, com o carro parado na rua Santo Antônio, próximo do largo da Chacrinha, a postos para dar ré e seguir para o estabelecimento que visavam quando um Honda City parou primeiro e dele saíram quatro rapazes que passaram a atirar contra.
Andrezinho sempre carregava consigo uma espingarda, escondida no interno do sege. Ele abriu o vidro do passageiro e por uma pequena fresta passou o canudo da arma e desferiu dois tiros, percebendo que talvez fosse melhor trocar para uma arma mais apropriada para média-longa intervalo. Guardou a arma de calibre cimo e pegou uma revólver, tornando a atirar pelo mesmo lio de janela. A troca de tiros durou poucos minutos. O silêncio no sege indicava o nervosismo de seus companheiros, tensos com os ribombos de pólvora. O segurança notou que os rivais haviam recuado suas armas e estavam imóveis. Aproveitou a folga e ordenou que o motorista atravessasse a barreira rumo ao posto da Polícia Militar.
Quando retornaram acompanhados das autoridades, encontraram unicamente um boné azul perfurado e duas poças de sangue no pavimento, indicando que, de indumento, ele havia ferido dois dos quatro atiradores. “A gente começou a investigação [informal] no outro dia; [dois homens] tinham oferecido ingresso num hospital. Tinha sido dois baleados. Eu fiquei sabendo que vieram a óbito, mas assim, não sei onde foi o enterro, não sei de zero.”
Desde logo, não voltou a concorrer a cargos eletivos, mas segue na pretensão de se candidatar a prefeito de Japeri na próxima eleição municipal, em 2028.