Brigada indígena voluntária combate incêndios sem escora de autoridades no Pará
13 min readO som de sirene toca no celular de um indígena da povoação Kyikatejê (“povo do rio supra” na língua Timbira). É o sinal solene para reunir a brigada indígena voluntária, composta por homens do povo Gavião das 30 aldeias instaladas no território. A reportagem da Sucursal Pública chegou ao território, que fica no município de Bom Jesus do Tocantins, no Pará, no dia 25 de setembro, quando os focos de incêndio haviam atingido seu vértice. Uma força-tarefa composta por integrantes do IBAMA, da Resguardo Social, do Tropa Brasílico e do Corpo de Bombeiros foi montada para combater as chamas, mas só atuou no território por muro de uma semana, quando foi deslocada para outras áreas do estado. Restou aos indígenas a missão de combater o queimação.
Os incêndios na Terreno Indígena (TI) Mãe Maria ocorrem todos os anos, a partir de julho, quando o tempo se torna mais sequioso. Mas a proporção que se viu em 2024 foi inédita: segundo dados do MapBiomas, em setembro foram queimados 7.691 hectares do território, um aumento de 6.707% em relação ao mesmo período do ano anterior. Considerando a série histórica, o proporção de devastação em Mãe Maria foi proporcionalmente maior do que se viu na TI Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), que teve 47.545 hectares queimados em setembro, registrando aumento de 665% em relação ao mesmo período do ano anterior.
O cacique Katê Parkatejê, da povoação Kateiokuare Parkatêjê, que faz secção do território, conta que se viam labaredas por cima de árvores de copas altas, porquê castanheiras. Em sua povoação, o queimação atingiu áreas produtivas e ficou próximo de casas. Ele estima que mais de milénio jabutis morreram com os incêndios, além de animais porquê preguiças, porcos e cachorros-do-mato. Na ingressão da povoação Kateiokuare, era provável ver o tronco de uma castanheira carbonizado. Essas árvores centenárias são símbolo da TI Mãe Maria.
A reportagem acompanhou o trabalho da brigada indígena no combate aos focos de incêndio, no dia 25 de setembro. Murado de 30 homens participaram. Na caçamba de um caminhão estava a maioria desse efetivo. A extensão identificada ficava distante muro de 40 quilômetros da povoação. O ramal de aproximação ao sítio onde foi identificado o foco de incêndio, com muro de 30 quilômetros de extensão, foi simples pela Vale, que executa obras para duplicar a ferrovia que atravessa o território. Durante o deslocamento, ao esperar o trem da mineradora passar, já era provável enxergar a fumaça subindo da floresta. Ao chegar em uma região aproximada dessa fumaça, Kokiniré, 37 anos, liderança da povoação, subiu o drone e elegeu a rota de aproximação.
Por que isso importa?
- Sem escora contínuo das autoridades ou equipamentos de proteção, moradores da Terreno Indígena Mãe Maria, em Bom Jesus do Tocantins, no Pará, estão enfrentando sozinhos os focos de incêndio na região, muito mais intensos leste ano.
- A reportagem acompanhou um dia de trabalho da brigada voluntária indígena formada para combater o queimação que ameaço casas, biodiversidade e tradições.
A brigada voluntária dos Gavião não dispunha de equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados para o combate ao queimação: cada varão portava um facão, para terebrar caminhos entre troncos e galhos; alguns usavam máscaras de farmácia, balaclavas ou camisas enroladas sobre o rosto para tentar amenizar os efeitos da fumaça tóxica. Somente um portava um soprador, equipamento utilizado em jardinagem e oficinas de carpintaria para remover objetos leves de superfícies. “Uma vez que não temos os EPIs, porquê bombas costais e abafadores, o que fazemos é o aceiro”, explica Jakuri Pepkrakte, rebento que carrega o mesmo nome do cacique da povoação Kyikatejê. O aceiro é uma espécie de cova rasa que serve para limitar a propagação do queimação. Para que funcione, é preciso remover todas as folhas, galhos e troncos que possam conduzir as chamas.
Ao entrar na extensão de floresta, os indígenas vão fazendo “pinicadas”, que é porquê chamam as marcações que fazem em árvores, e os cortes em troncos caídos, abrindo caminho para passagem do grupo. A estratégia deles é localizar o foco de incêndio e procurar circundá-lo com os aceiros.
“Ficamos com um pouco de terror no sexto dia de combate, porque a gente estava entrando em uma mata que a gente não utiliza muito. Mas o pessoal não reconheceu [a área] antes. O incêndio já estava pegando há muitos dias e tinha um pau queimando pela raiz que ninguém viu. A gente começou a fazer o aceiro e, do zero, o pau caiu em cima de onde o pessoal estava amolando a motosserra”, lembra Jakuri. Só não houve um prejuízo maior porque, ao ouvir os estalos, conseguiram transpor do sítio onde o tronco caiu. A partir do incidente, as equipes passaram a ter até duas pessoas na risco de frente para fazer uma reparo mais criteriosa enquanto o aceiro é feito. E, mesmo para os mais experientes, se ver sitiado de queimação é um temor: um brigadista morreu carbonizado ao combater um incêndio na TI Capoto Jarina, em Mato Grosso.
A operação desse dia foi considerada satisfatória: embora o queimação não tenha sido totalmente debelado até a saída da equipe, os indígenas avaliaram que ele não se espalharia para além da mediação feita. Ao tombar da noite, a equipe voltou para a povoação. No caminho para morada, a sensação era agridoce, junto ao orgulho por fazerem sua secção ao cuidar da terreno que consideram mãe, pairava ao lado a frustração de saber que as áreas de floresta densa e aproximação difícil sofriam com um queimação que a brigada não tinha chance de combater. O povo Gavião testemunhou neste ano uma ruína sem precedentes em sua suplente, e sabem que uma restauração é difícil.
“O queimação está causando um tanto em nossas vidas que vai permanecer marcado. Quando a gente anda nos locais que já pegaram queimação, que a gente observa que era um sítio de caçada nossa, dá uma tristeza na gente. Porque, até aquilo ali voltar a ser o que era antes, vai demorar. Temos uma imagem de uma castanheira novidade pegando queimação e só aguardando para tombar no soalho. É uma tristeza muito grande”, diz Jakuri, 37 anos, lembrando que os incêndios adiaram tradições das aldeias e a rotina dos moradores, com escolas sem aulas e plantações que deixaram de ser feitas.
Brigada voluntária indígena
Quando as queimadas se intensificaram, foi necessário remover praticamente todos os moradores da povoação Kateiokuare e instalá-los em hotéis nas cidades vizinhas de Bom Jesus do Tocantins e Marabá, distantes muro de 30 e 40 quilômetros, respectivamente. O cacique Katê Parkatejê relata que muitos anciões apresentaram problemas respiratórios mesmo posteriormente a situação controlada, já que múltiplos focos de incêndio de menor porte mantinham a região enxurro de fumaça. “Eu fiquei com a gorgomilos inflamada e esta noite tive dor de cabeça por respirar fumaça a noite toda”, disse.
Desde a segunda quinzena de setembro, a força-tarefa de combate aos focos de incêndio foi deslocada para outras regiões do Pará, estado da Amazônia que registrou o maior número de focos de incêndio neste semestre. A povoação Kyikatejê, a mais estruturada e numerosa das que estão instaladas na TI Mãe Maria, tornou-se uma espécie de meio de operações de combate aos focos de incêndio, hoje protagonizada unicamente pela brigada voluntária indígena, que faz o trabalho que seria das forças de segurança.
Os homens da povoação passaram a se reunir no recinto de onde funciona a escola para traçar a ordem do dia. Além do cacique Zeca Gavião, outras lideranças estratégicas surgiram para formular a operação de combate ao queimação: Jakuri Pepkrakte, Kokiniré Haraxare e Aiteti Gavião. Cada um deles tem uma função: Aiteti é bombeiro social e recebe informações do Corpo de Bombeiros de Marabá sobre localizações estimadas de focos de incêndio; Kokiniré é estudante de artes visuais e colocou sua afinidade com o drone a serviço da povoação: ao sobrevoar a mata com o aparelho, identifica o sítio do foco e, consequentemente, o ponto de ingressão na mata; Jakuri é rebento do cacique e fica responsável pela mobilização dos homens e lidera a ingressão na extensão de floresta para dar início ao combate ao queimação.
“Antes o incêndio não se espalhava porque a mata estava úmida. Hoje está seca, devido a esse processo climatológico que está tendo no mundo, o impacto está nas florestas, que estão secas. Os rios todos secaram”, lamenta Jakuri. Ele explica que o rio que dá nome à TI, o Mãe Maria, costumava suportar o período sequioso com um volume bom de chuva até setembro. Mas neste ano está sequioso. “Eu tenho pesadelos que estou na mata combatendo o queimação”, comenta Kokiniré.
Segundo Nandiel Promanação, coordenador municipal da Resguardo Social em Bom Jesus do Tocantins, as primeiras ocorrências de incêndios na TI Mãe Maria foram registradas entre 20 e 22 de julho. É da Resguardo Social o papel de declamar uma operação entre os órgãos de forças maiores, porquê o Tropa, Ministério Público Federalista, Corpo de Bombeiros, Resguardo Social Estadual, além de envolver a própria povoação indígena, organizando e fornecendo escora logístico e condições necessárias para a melhor atuação das equipes.
No primeiro momento, o combate aos incêndios se deu junto à Operação Fênix, do Corpo de Bombeiros, constituindo uma equipe de 15 homens para tentar controlar o queimação por via terrestre. Promanação estima que a Resguardo Social e o Corpo de Bombeiros atuaram por dois meses, período em que foi provável detectar a ação humana na motivo dos focos de incêndio, com derrubadas de árvores e fenda de clareiras na mata. A partir de setembro, a situação se intensificou e saiu de controle. Entre os dias 7 e 13 deste mês, as ocorrências aumentaram de forma muito rápida, e o combate terrestre se mostrou ineficaz na contenção do queimação. Casas foram queimadas em aldeias do povo Gavião e, àquela profundidade, Promanação estima que 10% da floresta havia sido queimada. “O incêndio estava descontrolado e o município teve que estatuir situação de emergência”, lembra.
A Resguardo Social pátrio foi acionada juntamente com o Tropa, a Força Vernáculo e o Ibama. O queimação passou a se espalhar por áreas de floresta densa, com grandes dificuldades de aproximação, sendo necessário o escora de aeronaves para combater a dissipação das chamas. O Tropa apoiou a operação com equipamentos porquê tratores, caminhões, carros-pipa e reservatórios de chuva; o IBAMA enviou um efetivo de brigadistas e uma equipe de fiscalização para monitorar e ajudar a traçar uma estratégia para a operação, de modo a evitar danos ambientais mais profundos; o governo do Pará enviou o escora do Grupamento Alheado de Segurança Pública (Graesp) da Polícia Militar, utilizando aeronaves e direcionando bolsões de chuva nos pontos de difícil aproximação. Juntou-se ainda à operação a Força Vernáculo.
No totalidade, muro de 60 homens das forças de segurança estiveram envolvidos no combate aos incêndios no período mais crítico. O número totalidade de combatentes chegou a respeito de século com o escora dos indígenas que atuaram de forma voluntária. “A operação com leste número de combatentes durou muro de 15 dias”, estima Promanação.
A ordem número um era evitar que o queimação chegasse perto dos aldeamentos, uma vez que as casas dos indígenas em sua maioria são de madeira e altamente inflamáveis. Os turnos de combate começavam cedo pela manhã e em vários dias entraram pela noite. Entre 10h e 15h, período em que o sol estava mais possante, os focos aumentavam tanto em número porquê em proporção, auxiliados pelo clima sequioso característico do segundo semestre na Amazônia. “Foi um tanto fora do normal, que nós não havíamos tido experiência no município de Bom Jesus”, disse Promanação. Foi provável proteger os aldeamentos, salvaguardar a vida dos indígenas aldeados e minimizar os estragos. Porém, o queimação não foi debelado.
Foi a natureza que remediou os problemas dos Gavião, quando não restava mais saída: no início do mês de outubro, as chuvas voltaram e apagaram o queimação que consumiu muro de 10% do território.
TI é atravessada por risco de transmissão
Segundo um estudo realizado pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ), 99% dos incêndios florestais são causados por ação humana e em unicamente 1% dos casos o queimação acontece por razões naturais, porquê a incidência de raios em áreas de mata, por exemplo. A Polícia Federalista tem 101 inquéritos instaurados para apurar incêndios criminosos no Brasil, mas nenhum deles investiga os incêndios que aconteceram na TI Mãe Maria.
A Terreno Indígena Mãe Maria é atravessada de ponta a ponta por uma risco de transmissão de pujança elétrica da Eletronorte, na mesma extensão do trecho da rodovia Transamazônica, que corta o território e serve porquê via de aproximação às aldeias. Próximo ao limite sul da TI passa também a ferrovia da Vale, que escoa o minério produzido nas minas da região sudeste do Pará. As torres da Eletronorte ficam próximas às entradas das aldeias, em uma extensão onde há ocupação humana e de vegetação rasteira.
Segundo o cacique Katê Parkatejê, seria prática de uma empresa terceirizada da Eletronorte limpar a vegetação rasteira que cresce junto às torres de pujança para facilitar a manutenção, em vez de roçar. “Se você andejar por toda a extensão, você vai ver que o queimação está concentrado debaixo do linhão. Por que isso? Só que o queimação nunca entrava na povoação e nesse ano entrou”, diz o cacique. A assessoria da Eletronorte enviou nota à reportagem, na qual afirma que a “Eletrobras Eletronorte e todas as demais empresas Eletrobras não fazem uso de queimação para supressão de vegetação, fazendo essa manutenção sempre de forma mecanizada com tratores de roda e demais equipamentos. Importante alertar que ações com queimação poderiam promover, inclusive, severos danos ao sistema”.
O cacique considera que a situação da TI Mãe Maria está envolta em um descaso compartilhado entre vários órgãos. E que a voz do povo Gavião não tem apanhado a Secretaria de Estado dos Povos Indígenas do governo do Pará, o Ministério dos Povos Indígenas ou a Instalação Vernáculo dos Povos Indígenas (Funai). “Eu fiz vídeo para o Ministério dos Povos Indígenas, para a Sonia Guajajara, a ministra. Fiz para a Funai também. Em nenhum momento nós tivemos resposta deles. Foi criada essa organização indígena que era para estar olhando para nós. Infelizmente continua do mesmo jeito. Uma coisa é eu me filmar, colocar nas redes sociais o que está acontecendo, outra é vir cá entender”, disse.
O Ministério dos Povos Indígenas enviou uma nota informando que “atua conjuntamente com a Instalação Vernáculo dos Povos Indígenas (FUNAI) e demais órgãos governamentais no monitoramento, prevenção e combate aos incêndios florestais nas Terras Indígenas”. E também que “a atual temporada de incêndios é uma das mais severas já registradas na história do país e pode se aumentar, devido a ondas de calor e baixa umidade” e que “tem procurado prometer que todos os recursos disponíveis sejam enviados para a proteção dos territórios indígenas”. O MPI não respondeu, entretanto, se participa ou colabora com investigações para encontrar os causadores desses incêndios, se há qualquer planejamento para restaurar as áreas degradadas e também para prevenir ocorrências futuras.
O Ministério do Meio Envolvente e Mudança do Clima também enviou nota à reportagem, em que frisa que “o Brasil passa pela maior estiagem dos últimos 75 anos, o que agrava a situação dos incêndios florestais”. Segundo a nota, foi instituída, em junho, uma sala de situação para ações de prevenção e controle de incêndios e secas, liderada pela Mansão Social e com integrantes dos Ministérios do Meio Envolvente e Mudança do Clima, Saúde, Resguardo, Justiça e Segurança Pública, Povos Indígenas e Integração e Desenvolvimento Regional.
Ainda segundo a nota, em setembro, foi assinada uma medida provisória que autoriza crédito de R$ 514 milhões para o combate aos incêndios na Amazônia, que inclui R$ 114 milhões para o MMA.