Pais buscam autoridades para tratar filho autista e acabam deportados nos EUA: “Enganados”

“Papai, eles estão falando que nós vamos embora para o Brasil”, disse Brayan, de 10 anos, aos pais, Alisdete Santos e Sandra Souza. A família havia acordado cedo para chegar às 8h30 em um Núcleo de Remoções da Polícia de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE), em Miramar, sul da Flórida, a respeito de 53 km de onde viviam. Uma vez que os adultos não falam inglês, coube ao fruto mais velho do par entender o que diziam os agentes migratórios. 

“Eu desabei, sabe? Eu não esperava”, disse Sandra à Dependência Pública. “Eu não me considerei uma ameaço para eles”, acrescentou.

“Fomos enganados”, resumiu Alisdete. Quando o fruto o comunicou do real motivo da visitante, ele se arrependeu de seguir as regras: “Desde quando eu cheguei, eu sempre andei manifesto. Nos Estados Unidos, quem anda manifesto, vocês podem ter certeza, a maioria é deportado. Eles falam que é quem apronta, [mas] é o contrário, porque quem apronta já sabe que está aprontando e fica sempre correndo. A gente que está sempre [se] apresentando vira intuito”, desabafou. 

Além da premência de se apresentar periodicamente ao ICE, o brasílio era escoltado pelas autoridades desde que entrou no país e solicitou refúgio. Antes da deportação, ele usava tornozeleira e era rastreado via aplicativo – medidas comuns para escoltar o deslocamento de migrantes indocumentados no país. A família se mudou para os EUA em 2021, quando a pandemia dificultou a procura por ofício. “Tinha muita coisa para remunerar e não estava dando”, disse Sandra. Eles combinaram a viagem pela fronteira com México por meio de um coiote – porquê são conhecidos os contrabandistas de pessoas.  

A história da família de Alisdete e Sandra contrasta com a narrativa defendida pelo presidente republicano Donald Trump, que tem criminalizado os migrantes para justificar sua ofensiva de deportações. Em 27 de janeiro, por exemplo, ele disse sobre os deportados: “Cada um deles é um malfeitor, um traficante, qualquer tipo de chefão do transgressão, um director da máfia ou um membro de gangue”.

Do sítio, naquele dia 23 de janeiro, a família seguiu direto para o avião, para uma viagem que só terminaria no dia 26. Não houve tempo de passar em lar nem de restaurar pertences conquistados durante os mais de três anos nos Estados Unidos. O projecto de comemorar o natalício do fruto caçula do par, Gael, que fazia 4 anos naquele mesmo dia, acabou cancelado.

“Emboscada” usou esperança de família por tratamento de menino

Quando saíram de lar, na cidade de Pompano Beach, por volta das 7h, Sandra e Alisdete tinham outra expectativa para o dia. A família já havia recebido uma ordem de deportação em 2022, mas estava em processo de recurso e acreditava que havia conseguido uma oportunidade de apresentar argumentos e documentos probatórios para buscar o recta de permanência lícito por mais tempo no país sob justificativas “humanitárias”. Os brasileiros alegavam a premência de continuar um tratamento para Gael, que tem autismo e dificuldade de notícia.

O encontro com as autoridades na manhã daquela quinta-feira havia sido marcado 15 dias antes por meio de uma chamada telefônica. Entretanto, diferentemente das outras visitas, na qual Alisdete compareceu sozinho representando a família, o agente pediu que todos se apresentassem “para tirar fotos”. O brasílio achou estranho, mas decidiu executar a ordem.

A instrução foi para que eles levassem documentos que comprovassem os pedidos, incluindo informações sobre a neurodivergência de Gael e seu histórico médico. Durante a preparação, os pais juntaram “500 folhas” com informes de saúde do caçula, além de registro de matrícula de Brayan na escola e depoimentos de amigos e outros integrantes da comunidade em obséquio de seu caráter e participação em atividades comunitárias. 

“Eu endoidei o neurologista dele, a pediatra, todo mundo. Todo mundo me deu um relatório falando da situação dele, que [o tratamento] já estava em curso, que já estava evoluindo muito, porque ele estava fazendo a terapia ABA [Análise do Comportamento Aplicada ao Autismo] em lar todos os dias. A moça ficava lá em lar horas, ficava de 9h às 14h, todos os dias”, explicou Sandra.

Apesar de ser o motivo primordial para o pedido de permanência no país, Gael não era o único em tratamento. Naquele dia, Sandra estava no meio de um vistoria para detalhar uma quesito relacionada ao estresse, caracterizada por convulsões e fortes dores de cabeça. Ela foi à reunião com a cabeça repleta de fios de ao menos oito cores, cobertos por uma trunfa branca e algumas gazes, ligados a um aparelho, que acompanharia sua atividade mental até o dia seguinte, enquanto uma equipe a acompanharia por meio de uma câmera. 

“A incerteza e a tensão emocional causadas pela nossa situação de imigração tiveram um impacto significativo na minha saúde física”, argumentava ela em um dos documentos.

Alisdete também estava sendo escoltado, pois no término de 2024 havia pretérito três dias hospitalizado com suspeitas de um ataque cardíaco. “Esta situação adicionou um impacto emocional significativo e pressão financeira sobre a nossa família”, explicou a família em um dos documentos. 

Enquanto as duas crianças haviam sido incluídas no Medicaid, projecto público dos EUA, os adultos pagavam por seus tratamentos no sistema de saúde mais custoso do mundo, segundo o Commonwealth Fund.

“Mais uma vez peço misericórdia em nome dos meus filhos e da minha esposa, que são a minha vida. Eu sigo todas as regras do ICE e minha família não representa nenhum risco para os Estados Unidos. Pelo contrário, sempre nos esforçamos para dar o nosso melhor à nossa comunidade e trabalhamos duro para retribuir o base que recebemos desde a nossa chegada”, pedia Alisdete em um documento. 

O esforço foi em vão. As autoridades não os ouviram nem analisaram os documentos. “A gente foi atraído com essa esperança do caso de Gael ser aceito para gente permanecer mais um tempo. Chegou lá e acabou tudo”, finalizou Sandra. 

Além dos argumentos médicos, a família pedia uma segunda chance às autoridades, pois teria tido seu processo de regularização do status migratório supostamente lesado por um jurisperito, que não teria prestado os serviços combinados e perdido prazos do processo. Denúncias de emprego de golpes a migrantes por pessoas que se dizem advogados são comuns e afligem uma população já vulnerável. 

A reportagem pesquisou o nome do suposto jurisperito e de seu escritório na lista de profissionais credenciados na Flórida e a procura não gerou resultados. O site indicado por ele em seu email não existe. Posteriormente o retorno da família com cobranças, ele teria parado de responder.

Um golpe que atinge muito mais que uma família

Passadas algumas horas, as pessoas começaram a sentir falta dos quatro integrantes da comunidade brasileira. Quando as preocupações dos amigos e vizinhos começaram a chegar ao pastor Marcelo Pompeu, responsável pelos cultos para a comunidade brasileira na Church on Atlantic Português, em Margate, na Flórida, ele pensou que a família deveria ter viajado a qualquer lugar ou saído para comemorar o natalício do caçula. “E o pessoal da igreja me ligando: ‘Cadê eles? Cadê eles?’.” 

No outro dia, Marcelo resolveu ir à lar da família. “Eu passei lá às seis e meia da manhã, não vi o carruagem deles. E o Brayan também não foi à escola, que a minha filha não viu ele lá. Aí realmente eu fui ficando mais apavorado.”

Parado na frente da lar, o pastor chamou a polícia e decidiu entrar na antiga moradia da família. Logo na ingresso, assustou-se quando viu uma câmera ligada, segmento do seguimento do vistoria de Sandra. Seguiu para os quartos, sala, cozinha, tudo normal, mas entrou “realmente em parafuso” quando encontrou os passaportes do par. “Toda pista que eu tinha, eu não tenho mais”, pensou. Cogitou fazer um boletim de ocorrência, mas o policial disse que, naquele caso, não faria diferença. As autoridades migratórias também disseram não saber se alguma coisa havia ocorrido.

A angústia da comunidade durou até o dia 25, dois dias depois do início da deportação, quando Sandra, em um grupo de WhatsApp, explicou o que se passou. Às 19h do sábado, ele fez uma nota solene da igreja e informou a comunidade.

Nesse pausa de dois dias, o laboratório possuidor do aparelho que examinava Sandra também estava preocupado, já que ela havia encerrado o vistoria sem comunicá-los. Às 14h13, eles enviaram uma mensagem pedindo que ela os informasse logo que chegasse em lar posteriormente reunião. O retorno só veio dois dias depois: “Fomos deportado [sic]”.

Volta ao Brasil: calor, lazeira, uma longa espera e um susto coletivo

Foi quando esperavam o momento de embarcar para Belo Horizonte, na madrugada do dia 24, no estado da Luisiana, que Sandra ficou mais tensa. Eles já haviam voado da Flórida na noite anterior e não tinham do que reclamar, mas o cenário era outro. “No aeroporto, eu vi aquele pessoal tudo subindo, manante no pé, na mão, de todo jeito. Aí eu surtei.” 

Uma das últimas a embarcar, a família e algumas outras pessoas não foram algemadas, pois estavam com crianças. O uso de algemas na deportação de migrantes indocumentados não está ligado ao cometimento de crimes. Trata-se de uma imposição antiga dos EUA, que já foi questionada pelo Itamaraty algumas vezes, sem resultados. 

O avião parou duas vezes em sua viagem de volta ao Brasil. A primeira paragem foi no Panamá, para reabastecimento, onde o avião que trazia 88 migrantes indocumentados ficou por algumas horas antes de levantar voo – o que fez com dificuldade. Pouco depois, o voo pousou em Manaus, já em terras brasileiras, por problemas técnicos. Foi na segunda paragem que segmento dos migrantes, algemados há horas, começou a reclamar contra as condições às quais estavam sendo submetidos. Dentro do avião fazia muito calor e alguns migrantes relataram ter ficado horas sem manducar. 

“Ficou mais de três horas lá parado e não resolvia zero. [O avião] ficava andando pra lá e pra cá e não fazia zero. Aí as crianças começaram a chorar. O meu maior, ele tem asma. Ele tava sentindo muita falta de ar, e aí os meninos lá detrás começaram a xingar: ‘Não tá respeitando nem as crianças’”, explicou Sandra.

Para Alisdete, a situação foi apavorante. “A gente viu que tinha alguma coisa inexacto. Quando o avião pousou, a gente viu que não estava tendo força para decolar, e eles tentavam decolar. Eles pegou a pista para estrear a decolar e o avião não estava seguindo, não estava tendo força para pegar voo, mas eles tentou [sic] de toda forma, aí essa hora que começou todo mundo apavorar, aí não deixou o avião decolar”, explicou.

Quando alguns migrantes saíram do avião, a Polícia Federalista (PF) foi chamada e o governo decidiu enviar um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para buscar os migrantes e levá-los até o orientação, em Minas Gerais. Entretanto, mesmo já desembarcado, Brayan seguia passando mal. A exposição ao calor intenso e ao caos na aeroplano fez com que ele tivesse de ser levado por seu pai ao pronto-socorro em Manaus, onde ele foi medicado. 

Gael também ficou muito assustado. “Se gritar cá dentro de lar, ele já fica apavorado, imagina 80 pessoas gritando, 100 pessoas, não é fácil”, disse Alisdete.

Naquele dia, a família dormiu no aeroporto, em colchões que foram colocados no solo. A viagem continuou na tarde seguinte. Posteriormente chegar em Belo Horizonte por volta das 21h, o grupo ainda enfrentaria ao menos mais nove horas de viagem de ônibus para chegar à cidade onde viviam, Itambacuri (MG), no Vale do Mucuri. Sem base governamental, os migrantes que chegam até o aeroporto de Belo Horizonte têm que buscar seus próprios meios de viajar até suas cidades, sejam elas no estado ou não. A família viajou até Itambacuri com passagens compradas a partir de uma doação.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmou que o governo está atuando “para prometer volta digno e seguro” dos migrantes deportados. Posteriormente os incidentes no voo que trouxe a família de Alisdete e Sandra, o Executivo criou um grupo de trabalho com membros brasileiros e estadunidenses para discutir os futuros procedimentos. O último voo de deportados que chegou ao Brasil, em 7 de fevereiro deste ano, pousou em Fortaleza, no Ceará, para reduzir o tempo em que brasileiros permanecem algemados. Um avião da FAB terminou o translado até a capital mineira. 

A reportagem questionou o MRE se haveria alguma mudança na política de guarida dos migrantes para levá-los à sua cidade de origem, mas o ministério não respondeu a essa questão. 

O par e outros migrantes agora pretendem processar a empresa que conduziu as deportações em nome dos Estados Unidos, a Global X. “Faltou o reverência, a gente não teve distinção”, justificou Alisdete. “A gente não pode esperar que outras pessoas façam [essa nossa defesa], logo a gente mesmo que tem que fazer isso”, concluiu Sandra. 

Veras e recomeço no Brasil

Já em sua cidade natal, Alisdete e Sandra agora estão em procura de resolver as primeiras burocracias da volta à vida, porquê encontrar um auxílio médico para Gael e se reorganizar em sua novidade moradia. Algumas dúvidas, sobre porquê remunerar o resto da dívida com o contrabandista contratado para a ida aos EUA em 2021, seguem. “Tem que conversar, porque agora não tem mais de onde transpor”, disse Sandra.

Assim porquê outros migrantes brasileiros entrevistados pela Pública antes da posse de Donald Trump, tanto Alisdete quanto Sandra duvidavam de que o atual presidente fosse impor as políticas anti-migratórias que prometeu em campanha, porquê a promessa de deportar 1 milhão de migrantes por ano.

“Eu achei que aquilo fosse só coisa para lucrar politicamente. E também ele bateu muito na tecla que seria deportar a pessoa que tinha [cometido] um transgressão, alguma coisa que tivesse inexacto no Brasil ou lá. Mesmo que a gente tenha entrado de forma errada, mas eu não cometi transgressão, eu não imaginava esse sentido”, disse Sandra. 

Depois de passar por tudo isso, Sandra reforça a valor de não tratar migrantes porquê criminosos. “Mesmo aquelas pessoas que vieram acorrentadas, aquilo ali é pai de família, que foi tentar comprar uma lar para a sua família, foi tentar remunerar um estudo para o seu fruto. Aquilo ali é um sonho”, afirmou.