Poder local: tão perto e tão longe
3 min readCom as eleições autárquicas à porta, é ainda mais oportuno debater políticas locais que possam contribuir positivamente para o bem-estar das pessoas e para um quotidiano mais feliz. A questão que cá gostaria de levantar diz saudação à participação cívica, que, aliás, está muito presente nos discursos públicos, mas bastante ausente nas práticas.
Em cada território cruzam-se interesses distintos, que devem ser discutidos e negociados. Basta pensarmos que a idade das pessoas as pode levar a valorizar determinados aspectos em detrimento de outros. No espaço público, as crianças que brincam na rua podem sonhar com parques infantis — talvez até mais ousados —, enquanto pessoas idosas podem desejar bancos à sombra, onde corra a brisa do término da tarde. Tal uma vez que a idade, há outras categorias que se entrecruzam e influenciam os anseios das pessoas, uma vez que, por exemplo, o que as leva a privilegiar os transportes públicos ou, pelo contrário, a proporcionar o veículo privado.
Se os anseios e as necessidades das pessoas são distintos, é fundamental que possam participar democrática e directamente nos processos decisórios. Há, portanto, que contrariar as lógicas que tendem a promover pessoas providenciais, uma vez que as campanhas hiperpersonalizadas frequentemente fazem, exacerbando as características individuais. Se um candidato ou uma candidata se sentir capaz de interpretar a vontade de todas as pessoas, só porque foi quem teve mais votos, na veras poderá somente ser alguém muito poroso a alguns interesses — quantas vezes muito poderosos — raramente centrados na promoção do muito geral.
Entre as medidas fundamentais da democracia sítio está a urgência de promoção de espaços de participação democrática. Não se trata somente de votar de quatro em quatro anos, ou daquelas iniciativas, tantas vezes burocratizadas e feitas para satisfazer calendário, uma vez que as (ditas) consultas públicas, com baixíssimas taxas de participação. Há que perguntar por que razão as pessoas não participam e evadir ao argumento fácil e desresponsabilizador — aliás, muito disperso — de que são as próprias pessoas que não querem participar. Há planos directores municipais, planos para as alterações climáticas, para a habitação, para a paridade, etc., mas onde está a participação? Tutelar que se trata somente soluções “técnicas” e não o resultado de escolhas políticas é uma cilada que ajuda a deixar de fora a pluralidade de vozes — que, aliás, até podem ser incómodas quando as decisões já estão tomadas.
O território é um espaço público fundamental para a feito colectiva e, hoje, a dificuldade societal exige novos modelos de gestão pública. As autarquias podem ser um pilar precípuo da democracia participativa e estimular que as pessoas se sintam segmento da sociedade, sendo reconhecidas nos seus anseios e preocupações. Temos de nos perguntar que espaços de participação real existem e que processos de compromisso democrático são, de facto, estimulados.
Mais do que lamentos sobre o desenvolvimento da extrema-direita e da intolerância, há que combater o esvaziamento dos espaços cívicos e democráticos, e continuar a tutorar valores que, até há pouco tempo, considerávamos estabilizados.
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