Políticos negros no Brasil: o que sabemos sobre seus ascendentes
8 min readA investigação foi feita com suporte do Pulitzer Center
A Dependência Pública pesquisou a genealogia de todos os atuais senadores, governadores e ex-presidentes posteriormente a ditadura militar para o projeto Escravizadores. Não tivemos dificuldade em encontrar políticos cujas famílias detêm o poder há centenas de anos, com patrimônios de ascendentes construídos à custa do trabalho de pessoas escravizadas. Mas não encontramos ninguém no caminho inverso – ou seja, que descendem de escravizados – na atual legislatura.
Analisamos as genealogias dos políticos que se declaram pretos ou pardos. Atualmente, 21 dos 81 senadores e nove dos 27 governadores se classificam nessas categorias. Nenhum presidente ou ex-presidente se entende uma vez que preto – aliás, o único da história brasileira foi Nilo Peçanha, que assumiu a Presidência em 1909.
Já mostramos em uma reportagem do projeto uma vez que é difícil traçar a genealogia de pessoas negras no Brasil. Ao serem sequestradas e forçadas a trabalhar uma vez que escravizadas no Brasil, suas identidades e culturas foram apagadas. Secção dos registros nos cartórios e outras fontes oficiais se refere a elas exclusivamente com o primeiro nome ou com o sobrenome de seus “donos”, fazendo com que se torne praticamente impossível entender suas origens.
Ainda assim, esse é o tipo de informação que poderia ser pretérito de pai para fruto ao longo de gerações. Em casos em que os registros oficiais ignoram populações marginalizadas, os relatos orais ganham valia. No entanto, nenhum dos parlamentares declarados negros ou pardos que responderam à Pública sabem sobre os seus ascendentes mais antigos. Recebemos as respostas de seis dos 30 políticos.
O senador Paulo Paim (PT-RS) é um dos três senadores que se declara preto. Ele não sabe a origem de ascendentes mais antigos que seus bisavós, que trabalhariam cuidando de cavalos. “Provavelmente [os antepassados eram escravizados], mas eu teria que pesquisar e me aprofundar mais. Realmente não sei”, disse.
Paim nasceu em 1950 em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, em uma família com nove irmãos. O pai era metalúrgico, e a mãe, dona de morada e analfabeta. Ele relata ter pretérito por vários episódios de racismo.
“Um dia, eu menino ainda, com 7 ou 8 anos, cheguei em morada e falei para a minha mãe: ‘Mãe, me chamam de preto para lá, preto para cá’. Ela disse: ‘Não dá globo. Sabe por que eles dizem isso? Porque eles têm ciúmes de ti. Porque você era um príncipe na África’”, o senador já contou. Disse também que um professor lhe informou que não passaria de “um servente, um colocador de paralelepípedos.”
Em um discurso na Câmara em 1996, Paim contou sobre outro incidente de racismo, mas dessa vez sofrido por seu pai: “Meu pai, Ignácio Alves Paim, viajava com meu irmão quando capotou o coche. Foi levado para um hospital, e lá notamos que o médico não estava dando o atendimento devido a ele. Quando interpelamos o médico sobre o atendimento prestado ao meu pai, ele nos disse: ‘Se fosse uma mulher formosa, eu estaria cá todos os dias. Agora, um preto velho e que está morrendo, tenho mais o que fazer’. No momento houve uma reação da família contra aquele médico, que foi simplesmente semoto do paciente. Meu pai faleceu; esse roupa aconteceu há 20 anos, e o triste é ver que isso continua acontecendo sem que os culpados sejam punidos”.
O senador foi o responsável do projeto de lei que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, a partir do qual vieram políticas uma vez que a lei de cotas em universidades e para o funcionalismo público. O conjunto de regras previa a obrigatoriedade do ensino da história negra em escolas, o reconhecimento da capoeira uma vez que esporte e linhas de crédito para quilombolas, entre outros.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA), autodeclarada parda, diz que até os seus bisavós não há registro de pessoas escravizadas em sua família e que antes disso ela não sabe sobre os outros ascendentes. O governador Paulo Dantas (MDB-AL) afirmou, por meio de sua assessoria, que “não tem registros completos de sua genealogia e, portanto, não pode precisar sua ancestralidade”. Elmano de Freitas (PT-CE), governador do Ceará, também respondeu que “infelizmente” não tem conhecimento sobre a sua genealogia. Os dois se declaram pardos.
Assessores dos senadores Magno Mamparra (PL-ES) e Eduardo Gomes (PL-SE) informaram que eles não tinham tempo para responder sobre as suas genealogias. Os demais senadores autodeclarados pretos e governadores autodeclarados pretos e pardos também foram procurados, mas não responderam até a publicação desta reportagem.
Os senadores Jader Barbalho (MDB-PA) e Jayme Campos (União Brasil-MT) já apareceram em uma outra reportagem da série que tratou de descendentes de supostos escravizadores que foram, recentemente, investigados por trabalho análogo à escravidão em suas fazendas. Ambos se autodeclaram pardos. Procurados, não deram retorno.
A governadora Fátima Bezerra (PT-RN) é a única da lista de governadores autodeclarados negros a ter registro de supostos escravizadores entre os seus ascendentes. Há indícios de que um de seus tataravós, José de Góes de Mendonça, teria escravizados que foram declarados uma vez que bens no inventário de sua esposa, Inácia Joaquina, conforme o documento original registrado pelo Laboratório de Documentação Histórica da Universidade Federalista do Rio Grande do Setentrião. Ela não respondeu à Pública.
O primeiro deputado federalista preto
O primeiro político preto e com oração racial positivo no Brasil foi Manoel da Motta Monteiro Lopes, eleito deputado federalista em 1909, duas décadas depois da supressão da escravidão. Ele nasceu livre em 1867, de pais africanos – a mãe trabalhava uma vez que mercante e o pai era alfaiate.
Um dos poucos “negros letrados” de Recife em sua idade, Monteiro Lopes se formou em recta e se candidatou a deputado pelo Rio de Janeiro, logo capital do país. Ele sofreu diversos protestos da sociedade branca para impedir que fosse diplomado e foi ridicularizado por sua cor. Um jornal da idade disse que a sua candidatura era uma “mancha negra no horizonte”. Outro dizia que tudo iria “permanecer preto” no dia da eleição.
Um jornal apontava que uma associação de classe de ex-senhores de escravizados liderava o movimento para impedir a sua diplomação. Apesar disso, Monteiro Lopes foi o terceiro mais votado e recebeu protestos populares em seu obséquio para que assumisse o missão. No dia da posse, seu partido soltou uma pomba branca e outra preta uma vez que símbolo dos novos tempos, uma vez que registrado na prelo. Ele morreu um ano depois, de complicações decorrentes da diabetes.
O Brasil teve outros políticos negros depois dele, mas poucos falaram ativamente sobre o pretérito ligado à escravidão. Um deles foi Abdias do Promanação, ex-senador falecido em 2011 e cujas duas avós foram escravizadas no período do Poderio. Eleito em 1991, Promanação foi saudado uma vez que primeiro senador preto do país. Mas ele mesmo contestou a informação.
No discurso de posse, ele disse que havia feito uma pesquisa histórica e teria encontrado 22 senadores com origem negra antes dele, mas que passaram à história uma vez que brancos. A Dependência Senado registrou o seu levantamento. “Tive de usar de uma sagacidade de pesquisador à borda da astúcia, indo a dezenas de fontes, cruzando vários dados, cotejando muitas informações, para chegar a esse número. Isso porque aqueles 22 senadores não assumiram etnicamente a sua requisito de afro-brasileiros, muito menos as causas da negritude”, disse ele na idade.
No mesmo oração, ele disse que, além de Nilo Peçanha, outros ex-presidentes também seriam negros: Rodrigues Alves e Tancredo Neves. Mencionou outros políticos de origem supostamente negra mesmo na idade da escravidão. No caso de Tancredo, ele explicou que se baseou na fisionomia com traços negros de dom Lucas Moreira Neves, ex-arcebispo da Bahia e primo do ex-presidente que morreu antes de tomar posse.
“Biógrafos e historiadores tentaram mascarar identidades, driblar genealogias, omitir ascendências, dissimular traços e características étnicas. Retratistas, pintores e fotógrafos, por ordem dos senadores ou de seus familiares ou mesmo por moto próprio, falsificaram, europeizaram fisionomias, criaram cabelereiras, procurando esconder o ‘estigma africano dos retratados’, disse. “Talvez eu seja o primeiro, sim, a assumir orgulhosamente sua etnia, sua cultura e religião, suas origens africanas e, sobretudo, a luta coletiva do povo africano em nosso país.”
Sub-representação histórica
A sub-representação de negros na política brasileira é histórica. Houve exclusivamente duas eleições na história brasileira com mais candidatos autodeclarados negros do que brancos: em 2022 (50,2%) e 2024 (52,7%), de concórdia com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas isso não se traduziu em vitória. Exclusivamente 32% dos candidatos negros de 2022 foram eleitos. Em 2024, um terço dos prefeitos e 45% dos vereadores negros obtiveram vitória.
“É um contrassenso tendo em vista que a população brasileira tem 56% de pessoas que se declaram negras”, afirma Alexandre Braga, mestrando em recta na Universidade Federalista de Minas Gerais (UFMG) e ex-presidente da União de Negros e Negras pela Paridade em Minas.
Para ele, mecanismos da Justiça Eleitoral impedem o aproximação mais espaçoso de pessoas negras à política. Um dos fatores é a autodeclaração racial, que, instituída em 2014, não depende de uma carteira avaliadora para ser confirmada. Em outras palavras, basta que o candidato se autodeclare preto ou pardo para que seja considerado uma vez que tal.
Cinco dos nove governadores negros eleitos em 2022 haviam se autodeclarado brancos em eleições anteriores e depois migraram para pardos. “Temos que respeitar a autodeclaração racial, mas algumas candidaturas certamente seriam contestadas caso houvesse uma carteira uma vez que nas universidades”, diz Braga, que já fez segmento da carteira de Ações Afirmativas da UFMG. Uma estudo do UOL mostrou que pelo menos metade dos parlamentares eleitos em 2022 não passaria numa carteira de heteroidentificação racial.
As eleições de 2022 foram as primeiras em que partidos foram obrigados a destinar uma segmento proporcional de seu fundo eleitoral para candidaturas negras, que naquele ano chegou a quase R$ 5 bilhões. Isso causou um boom de candidatos autodeclarados negros. Em alguns casos, houve polêmica. Antônio Carlos Magalhães Neto, o ACM Neto, sofreu desgaste posteriormente ter pretérito de branco a pardo, e acabou perdendo.
Outrossim, não é simples quanto a mais de moeda os candidatos autodeclarados negros recebem do fundo eleitoral. Cada partido pode produzir as suas regras, e em alguns casos os critérios são pouco transparentes. Braga acredita que o TSE deveria produzir regras para isso e publicar quanto cada candidato recebeu por quota racial.
“Sem uma política efetiva de financiamento de candidaturas negras, com programa de incentivo, você abre espaço para pessoas mal- intencionadas, que podem se aproveitar do sistema para engordar o caixa da campanha e para a perpetuação de famílias que dominam o poder há séculos”, afirma Braga. “A gente vê na TV sobre o apartheid na África do Sul e fica escandalizado. De negros não terem os mesmos direitos que brancos. Mas isso acontece no Brasil na questão do poder desde sempre.”