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Ataque a Sérgio Pererê expõe aumento de denúncias de intolerância religiosa no Brasil - Mundo News
5 de Agosto, 2025

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Ataque a Sérgio Pererê expõe aumento de denúncias de intolerância religiosa no Brasil

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Artista foi à justiça após ataques virtuais; Disque 100 registra aumento de denúncias de intolerância religiosa...

Sérgio Pererê é músico, cantor, compositor e multi-instrumentista, considerado uma das maiores expressões da cultura afrodescendente em Minas Gerais. O artista, herdeiro das tradições afro-brasileiras, se apresentou em 1º de junho no altar da Igreja de Nossa Senhora das Dores, em Ouro Preto, cidade histórica mineira, a invitação da organização da segunda edição do Festival de Fado.

Com voz e violão num estilo MPB contemporâneo, a apresentação de Pererê, “Canções de bolso”, levou centenas de pessoas à igreja para festejar o evento. Mas o que era para ser um momento de celebração artística se transformou em tempestade do dedo contra o artista mineiro, que foi mira de uma vaga de ataques online que juristas e sociólogos, consultados pela Escritório Pública, classificam porquê racismo religioso.

Racismo religioso é quando há discriminação, ódio ou preconceito direcionado a indivíduos ou grupos devido às suas crenças, principalmente quando essas crenças estão associadas a religiões de matriz africana porquê Candomblé e Umbanda. Segundo dados divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos em 2024, o Disque 100 recebeu 2.472 denúncias de intolerância religiosa — um aumento de 76,8% em relação a 2023. 

Os estados com mais denúncias são: São Paulo (618); seguido do Rio de Janeiro (499) e Minas Gerais (205). “E vale lembrar: esses números estão muito aquém da veras porque muita gente tem temor de denunciar. Há estigma, risco de violência física, represálias. É geral pessoas de terreiro se identificarem porquê “espíritas” ou “sem religião” por temor”, explica a doutora em sociologia Carolina Rocha, do Instituto de Estudos da Religião (ISER).

Em Ouro preto: “não é cristão, é espiritualista”

Fernanda Rocha, uma mulher branca cristã, que se autointitula influenciadora no Instagram (com 32 milénio seguidores) acusou Pererê de “violar” um espaço sagrado ao se apresentar no templo religioso. Embora não mencione o nome do artista, o vídeo publicado por ela exibe a imagem do cantor na igreja de Ouro Preto. “Houve um show na frente do altar”, narra Fernanda, que diz que os trabalhos do artista “não condizem com a fé católica”. Referindo-se a músicas comuns ao repertório do artista porquê Samba de Preto Velho e Conversas de Terreiro, Fernanda insinua que a apresentação era uma ameaço: “não é cristão, é espiritualista”.

O vídeo que segue publicado foi amplamente compartilhado por perfis porquê “Guerreiro da Santa Igreja” (hoje, fora do ar), Osmar de Matos (59 milénio seguidores) e com colaboração do @sementesdafesdf (com mais de 400 milénio seguidores) gerando para Fernanda mais 5 milénio curtidas; 1.300 compartilhamentos e 600 comentários, divididos entre base à Pererê e discursos inflamados de desaprovação ao evento.

Entre os comentários, muitas pessoas questionam a permissão da igreja para liberação da apresentação: “temos que desenredar quem é o prelado e cobrar reparação”. Outras afirmam que “Quando chega no inferno, não sabe o porque (sic) de ter chegado lá”. Há, inclusive, a invocação à Virgem Maria que estaria em prantos: “O (sic) Virgem dolorísissima (sic) as vossas lágrimas derrubaram (sic) o poderio infernal! ”

Muitos comentários, no entanto, foram contra o posicionamento de Fernanda Rocha. Um deles traz uma reflexão: “(…) Jesus é paixão, é união, é partilha… quem tá inverídico, aí? A moça que critica no vídeo ou as pessoas que ocuparam a igreja para partilhar o paixão, a sabedoria popular e a cultura ”. Em outra postagem, uma pessoa destaca a relevância de unir arte e espiritualidade para se edificar pontes.

O caso foi levado à justiça de Belo Horizonte, que determinou em primeira instância, em 24 de julho, a quebra de sigilo dos perfis envolvidos, abrindo caminho para responsabilização judicial. O incidente, ocorrido no mesmo mês em que os Reinados, Congados e Congadas foram reconhecidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Pátrio (Iphan) porquê patrimônio cultural incorpóreo do Brasil, expõe as tensões entre memória, fé e intolerância religiosa.

Procurada pela reportagem, Fernanda Rocha não se manifestou. Ela usou a própria página do Instagram para rebater questionamentos sobre a conduta dela ao postar o vídeo.

Carolina Rocha: “Presença negra incomoda”

De concordância com Sérgio Pererê, sua trajetória de vida e artística não pode ser compreendida fora da matriz cultural afro-brasileira que sustenta sua obra — e nem fora da história dos reinados, tradição de origem banto que fincou raízes profundas em Minas Gerais. Rebento de benzedeira, rei do Congado e fanático das expressões que uniram resistência e fé no corpo da cultura negra, Pererê conta ser herdeiro e agente de uma memória coletiva que sobreviveu à escravidão de povos africanos e ao silenciamento histórico.

“Desde muito novo, eu compunha canções que remetem ao sagrado da cultura africana-brasileira. Aos nove anos, já me expressava assim”, relembrou à reportagem. O artista conta que sua conexão com a ancestralidade é religiosa, estética, existencial e política — e que sua apresentação em Ouro Preto foi escolhida justamente pelo tom ligeiro e introspectivo. “Nem era um show sobre religiões afro. Foi só voz e violão. Fui convidado pela Igreja.” 

A produção do festival confirmou que o show fazia segmento da programação solene e que todas as autorizações foram concedidas previamente pela Arquidiocese. Ainda assim, a viralização do vídeo associou a presença de Pererê à teoria de “profanidade” e até invocação de entidades demoníacas, mesmo sem qualquer menção direta às práticas religiosas afro-brasileiras, que segundo especialistas são condenadas e temidas, em universal, por muitos brasileiros por falta de conhecimento sobre o tema.

Para Carolina Rocha, do ISER, o incidente é mais do que intolerância: trata-se de racismo religioso, uma forma específica de violência que se disfarça de resguardo da fé para criminalizar corpos negros, saberes e culturas negras. “O exposição de ódio contra Pererê reforça estigmas históricos e reverbera perigosamente num envolvente do dedo já tomado por desinformação e extremismo”, alerta.

Segundo ela, as tradições afro-brasileiras, porquê os congados e os reinados, são expressões culturais legítimas e profundamente brasileiras — e o incômodo com sua presença em espaços porquê igrejas católicas revela a tentativa de restabelecer barreiras raciais invisíveis. “O que vimos, no caso de Pererê, foi a tentativa de expulsar a cultura negra de um lugar que também é seu por recta (a igreja católica), por história e por presença. É uma violência racial travestida de ‘resguardo da fé’. ”

“Assinatura do Satanás” é a peça-chave do processo

Embora a juíza responsável pelo caso em primeira instância na comarca de Belo Horizonte, Adriana Garcia Rabelo, tenha indeferido inicialmente o pedido de retirada imediata do vídeo das redes sociais, alegando treino de liberdade de sentença por segmento da autora do teor, a Justiça mineira reconheceu a sisudez da situação e determinou a quebra de sigilo dos perfis envolvidos, além de marcar audiência de conciliação pelo Núcleo Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania – (CEJUSC).

O jurisconsulto que compõe a equipe de resguardo de Pererê, Joviano Gabriel Maia Mayer, critica a decisão inicial que relativizou os danos. “A liberdade de sentença não é missiva branca para cometer crimes. Seu limite é o patrimônio jurídico do outro. A honra, a moral e a distinção da vítima (no caso Sérgio Pererê) foram publicamente atingidas”, pontua.

A novidade lanço do processo conta também com a atuação do jurisconsulto Hédio Silva Jr, que já representou povos de religiões de matriz afro-brasileiras em ações no STF e na Namoro Interamericana de Direitos Humanos. Ele considera levar o caso a instâncias internacionais, se necessário. “Oriente precedente não pode ser perdido. É uma questão de saudação e sobrevivência da ancestralidade negra”, afirma.

Segundo Hédio Silva, a postagem em que a autora do vídeo se refere à apresentação de Pererê porquê uma “assinatura do Satanás” é a peça-chave do processo. A sentença, usada de forma para descrever a performance e o artista, foi classificada porquê a prova mais contundente da intolerância. “Isso supera a resistência inicial que o Judiciário costuma ter para reconhecer o racismo religioso”, observa.

O jurisconsulto faz, ainda, uma confrontação sobre porquê a satanização de religiões afro-brasileiras tem efeitos semelhantes ao exposição nazista que atribuía aos judeus todos os males da humanidade. “Quando se diz que tudo de ruim vem dessas práticas, está se criando um inimigo imaginário, legitimando a perseguição”, explica. Para ele, o caso de Pererê escancara a forma porquê o racismo religioso continua operando — agora, com ainda mais força, nos ambientes digitais.

A ação movida por Pererê contra os perfis de Fernanda Rocha, Osmar de Matos, “Guerreiro da Santa Igreja” e as empresas Meta (Instagram e Facebook) e Bytedance (TikTok) agora segue com novo fôlego. A Justiça determinou que as plataformas forneçam dados cadastrais dos envolvidos e convocou as partes para uma audiência, com possibilidade de multa em caso de privação injustificada. Caso não haja conciliação, os réus deverão apresentar resguardo em até 15 dias. Os próximos passos incluem a consolidação das provas digitais e, dependendo da resposta das plataformas, o progressão para ação social ou penal. 

Pererê: “É esgotante ter que provar nossa presença”

Para a socióloga Carolina Rocha, o incidente envolvendo Pererê não é só. Trata-se de mais uma revelação de um racismo estrutural que se reinventa nas plataformas digitais. “A fala preconceituosa ganha alcance. A mordacidade viraliza. E os danos são profundos: à imagem, à curso, à segurança física e mental deste artista, que é uma pessoa pública, foram profundamente atingidas.”

A socióloga também labareda atenção para o quanto o Brasil ainda está longe de se tornar uma pátria plural. “Esse mesmo racismo aparece quando professores tentam infligir a Lei 10.639/2003 e enfrentam resistência sob o argumento de que estão ensinando ‘macumba’. Quando, na verdade, estão ensinando Brasil, sobre a ancestralidade”.

Enquanto aguarda a tramitação do processo, Pererê segue sua jornada artística. “O que me entristece não é só o ataque — é a dificuldade de convencer a Justiça de que é violação. É esgotante ter que provar nossa presença.” Para ele, o problema é mais profundo. “A internet amplifica, mas o problema é anterior. É um país que ainda não se reconciliou com sua história e com a venustidade da multiplicidade de sua fé.” 

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