Cancro, malformação, “viroses”: a crise de saúde puxada por agrotóxicos na terreno do agro
8 min readNo “Nortão” de Mato Grosso, o uso de agrotóxicos é generalidade em cidades dominadas pelo agronegócio uma vez que Lucas do Rio Virente, Sinop e Sorriso. Moradores relatam que pelo menos duas vezes por ano passam pelo mesmo problema de saúde: náuseas, vômitos e diarreia. Para trabalhadores rurais e quem vive nos limites dessas cidades, ao lado das lavouras de algodão, milho e soja, o mal-estar se repete mais vezes a cada ano, geralmente na mesma estação do plantio das novas safras. Mas há outros casos, ainda mais graves e recorrentes, neste trecho da rodovia BR-163.
Multiplicam-se episódios de malformação de bebês, com mortes de recém-nascidos e internações, sem sucesso, em unidades de tratamento intenso (UTI). Ocorrem ainda repetidos casos de monstruosidade natural no início da prenhez, entre a 9a e 12a semanas.
Mas no protocolo de perguntas às pacientes que perdem seus bebês, por exemplo, não há orientação para que se questione sobre a exposição da paciente a substâncias químicas, uma vez que os agrotóxicos despejados sistematicamente nas lavouras que invadem as cidades.
Para pesquisadores e profissionais de saúde ouvidos pela Dependência Pública na região, tanto os casos graves quanto a recorrência de episódios de mal-estar provariam uma intoxicação em tamanho pelo agravo de agrotóxicos. Mas para o agronegócio e grande secção da escol sítio a resposta é outra: são unicamente “viroses” e fatalidades que naturalmente acometem a população.
“Na estação do plantio das novas safras, é normal as pessoas passarem mal sem procurar atendimento médico. Por cá, tudo não passa de ‘virose’ que se trata em morada mesmo, com uma dipirona ou paracetamol, e não uma intoxicação em tamanho”, disse à Pública um dos profissionais de saúde ouvidos na requisito de anonimato, por temor de retaliações.
“Infelizmente, cá é generalidade que pessoas sejam diagnosticadas com cancro do sistema nervoso meão, cancro linfático e leucemia, por vezes fulminantes, com pacientes levados a óbito em poucas semanas em seguida o diagnóstico. Os sinais de algumas destas doenças graves são ignorados – uma vez que por exemplo fortes dores de cabeça, que são vistas uma vez que coisas corriqueiras, ao invés de servirem de alerta para a realização, com urgência, de exames de subida dificuldade para um diagnóstico rápido e preciso”, afirmou à Pública outro profissional de saúde que atua na região.
Epidemia de cancro em crianças e adolescentes
Estudos recentes agravam o cenário quanto à saúde da população em diversas das cidades na rota da BR-163 em Mato Grosso. Enfermeira, professora e pesquisadora da Universidade Federalista de Mato Grosso (UFMT), Mariana Soares estuda casos de cancro infantojuvenil no estado, principalmente em regiões marcadas pelo uso ostensivo de agrotóxicos uma vez que Lucas do Rio Virente, Sinop e Sorriso.
Segundo Soares, o foco em crianças e jovens se explica pela exiguidade de hábitos associados a outros tipos de cancro, uma vez que consumo de substâncias alcoólicas ou obediência de nicotina, por exemplo – o que dificultaria uma estudo precisa das causas da doença nos pacientes infantojuvenis.
“A partir de dados oficiais do Ministério da Saúde e do IBGE, já identificamos que, quanto maior o uso de agrotóxicos em uma região, proporcionalmente aumenta a incidência de cancro infantojuvenil no mesmo sítio”, disse à Pública a pesquisadora.
Os estudos dela evoluíram para uma pesquisa com pacientes já diagnosticados e em tratamento contra o cancro, para identificar a exposição de adultos a substâncias tóxicas por justificação de suas profissões.
“Quem foi exposto a agrotóxicos e intoxicado tinha associação com determinados tipos de cânceres, o que foi importante para provar que pessoas expostas ocupacionalmente tiveram maior incidência de câncer”, afirmou Soares.
Segundo ela, prontuários oficiais e dados territoriais de incidência da doença revelam que 68% dos pacientes infantojuvenis do Hospital do Cancro em Cuiabá (MT) vêm do interno – principalmente de regiões tomadas pelo agronegócio, uma vez que Lucas do Rio Virente e outras cidades no eixo da BR-163.
“Nossas pesquisas atuais já sugerem que, quando os pais dos pacientes infanto-juvenis têm ocupações expostas a agrotóxicos, aumentam as chances de cânceres uma vez que leucemias e linfomas”, disse Soares.
“Mais grave ainda é notar que crianças de 0 a 4 anos representam 26%, mais de um quarto do público atingido, o que reforça a possibilidade de eventuais mutações genéticas nos progenitores antes mesmo da prenhez dos bebês”, afirmou a pesquisadora da UFMT.
Perseguição contra pesquisadores de saúde
Há 12 anos, o médico e professor da UFMT Wanderlei Pignati revelou a contaminação por agrotóxicos do leite materno de mulheres em Lucas do Rio Virente, uma das cidades mais importantes para o agro no Nortão.
Ao término, a pesquisa resultou na proibição da presença dele e de pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (Neast), da UFMT, na cidade dali em diante – com riscos à integridade física dos pesquisadores uma vez que um todo.
“Não se trata do agronegócio em Mato Grosso desacreditar a ciência: ele trabalha incansavelmente para desregulamentar todas as leis de proteção à população, aos animais, às águas e ao meio envolvente”, disse o professor da UFMT.
“Anos detrás, quando percorri a região com uma colega da Fiocruz, fomos ameaçados, sim. Houve cidade que saímos às pressas, quando pessoas de lá souberam do objetivo de nossa pesquisa, e depois soubemos que profissionais que apoiaram nossos estudos tinham sido demitidas”, disse Pignati à Pública.
Entre as pesquisas realizadas por ele e sua equipe, destaque também para a identificação de resíduos de glifosato – agrotóxico associado a casos de depressão, infertilidade, Alzheimer, Parkinson e cancro, usado em lavouras de soja – nos bebedouros de escolas em locais com produção agrícola de víveres em grande graduação.
“Já divulgamos inúmeros dados alarmantes quanto à incidência, supra da média vernáculo, de casos de intoxicação aguda, cancro infantil, malformação de recém-nascidos, mas a consequência foi uma repressão ainda maior por secção do agronegócio – diretamente ligada aos poderes Executivo e Legislativo na região – para que servidores ‘subnotificassem’ casos nos anos seguintes”, afirmou o pesquisador da UFMT.
Bolsonarista quer alargar legislação de agrotóxicos
Enquanto eleitores de Mato Grosso voltavam suas atenções para a corrida eleitoral de 2024, deputados estaduais deram sinal virente para um projeto de lei sobre agrotóxicos que traz riscos à saúde de todos.
Proposto pelo varão de crédito do clã Bolsonaro no Nortão, o deputado Gilberto Cattani (PL), o projeto quer reduzir as distâncias mínimas para a emprego terrestre de agrotóxicos em áreas próximas a cidades e mananciais de chuva, dos atuais 300 metros para meros 25 metros.
Aliás, o projeto quer substituir o termo “agrotóxicos” por “defensivos agrícolas”, uma mudança que “alinha-se às tendências atuais do setor e reflete os avanços tecnológicos na produção de produtos menos tóxicos”, segundo o relator da proposta, o deputado Carlos Avalone (PSDB) – que emitiu um parecer favorável ao projeto no último dia 13 de agosto.
“Na prática, estamos pensando unicamente em melhorar as condições dos pequenos produtores, que estão com dificuldades em manter suas produções”, disse à Pública o responsável pela proposta, Gilberto Cattani.
Indagado sobre o impacto de seu projeto, caso autenticado, na saúde coletiva da população de Mato Grosso, considerando-se o progresso de casos graves e a suspeita de silenciamento e subnotificação de intoxicações, Cattani minimizou quaisquer danos.
Sem apresentar evidências, o deputado disse que alertas quanto aos malefícios do uso ostensivo de agrotóxicos no Nortão são “mentiras”.
“Não é uma questão ideológica, é uma questão de lógica: se isso [doenças ligadas ao abuso de agrotóxicos] não acontece com nenhum dos meus parentes e meus amigos, que trabalham com lavradio, só pode ser alguma coisa ‘montado’ para culpar o agronegócio”, afirmou o deputado.
A tentativa de alargar a legislação estadual quanto à proibição de uso de agrotóxicos em áreas urbanas e mais povoadas em Mato Grosso segue a risco do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
À estação da gestão da hoje senadora pelo Mato Grosso do Sul Teresa Cristina (PP), o Ministério da Lavradio reduziu a intervalo mínima em relação a vilas, povoados e cidades para emprego de produtos do tipo – de 500 metros para 250 metros. A decisão saiu no Diário Oficial da União logo no início da pandemia de covid-19.
Para o pesquisador da UFMT Wanderlei Pignati, a proposta do deputado bolsonarista revela a voracidade do agronegócio em Mato Grosso, ao mesmo tempo que pode gerar consequências não previstas pelo setor.
“Nós pesquisamos as condições de saúde em três municípios marcados pelo agronegócio no Nortão e, neles, quem mora a até 300 metros de onde há emprego de agrotóxicos tem o duplo de chances de desenvolver diabetes, aumentam as chances de malformação de bebês e casos de cancro infantil… Isso na legislação atual. Se o limite minguar para 25 metros, eles vão empregar nos quintais, ao lado dos mananciais, nas escolas. O problema só vai aumentar”, afirmou Pignati.
“Se essa lei passar, haverá um retrocesso muito grande não só cá no estado, uma vez que para o agronegócio vernáculo, de modo mais extenso. Vai repercutir negativamente nas exportações de commodities, nos índices de saúde do trabalhador e da própria população… Temos um agronegócio insaciável e inconsequente”, disse ainda.