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Fábio Comparato e a legado escravizadora do Rei do Moca - Mundo News
4 de Dezembro, 2024

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Fábio Comparato e a legado escravizadora do Rei do Moca

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Em entrevista, jurista comenta como descobriu ser herdeiro de um dos maiores proprietários de escravos do...

A investigação foi feita com escora do Pulitzer Center

“Não é verosímil que alguém tenha mais recta do que o outro. O brasiliano tem uma mentalidade racista, que precisa ser combatida.” Quem afirma é o jurista Fábio Konder Comparato, professor titular jubilado da Faculdade de Recta da Universidade de São Paulo (USP), hoje integrante da Percentagem Arns, organização da sociedade social que atua na resguardo dos direitos humanos. “O vício da desigualdade no país atinge sobretudo os negros. Os brancos possuem um rendimento 40% maior do que eles. É uma inferioridade evidente ainda hoje quanto à instrução, tarefa, saúde”, conclui.

Curiosamente, Comparato descende do comendador Joaquim José de Souza Breves (1804-1889), um dos maiores proprietários de escravos do Brasil Poderio, publicado também porquê o Rei do Moca. 

Segundo o historiador Thiago Campos Pessoa Lourenço, em sua tese O poderio dos Souza Breves nos Oitocentos, a família era dona de 20 fazendas, onde plantava majoritariamente moca, e de mais de 6 milénio pessoas escravizadas. Em 1860, 1,5% do volume de grãos de moca exportado pelo Poderio era produzido nas fazendas da família. Próximo do imperador d. Pedro I, o quinteiro adquiriu a insígnia de Comendador da Ordem da Rosa, um dos vários títulos honoríficos da Diadema naquela idade.

Diziam que era verosímil ir de Minas Gerais até o oceano Atlântico passando pelas terras do comendador Breves, que se estendiam pelos atuais municípios fluminenses de Mangaratiba, Resende, Barra Mansa e Rio Simples e pelos municípios paulistas de Bananal e Areias. Apesar disso, sua riqueza não resistiu à supressão da escravatura, em 1888.

O jurista soube do parentesco através de sua mãe, Maria Sulamita Konder Comparato, de prosápia alemã, que se casou com seu pai, Antonio Comparato, imigrante italiano vindo da Sicília, publicado por Antonino, dada a sua baixa estatura. “Minha mãe não tinha muito interesse nessa história. O que acontece é que a família Konder teve alguns casamentos com famílias tradicionais do Sul – ela nasceu em Santa Catarina –, e entre essas ligações há esse parentesco com o comendador Breves. Minha mãe deveria ser bisneta ou tataraneta dele”, ele calcula.

Os Konder eram mais abonados que os Comparato e davam mais preço à instrução. “Eles chegaram no início do século 19, e os Comparato, mais no final do século, em Santos, litoral de São Paulo, em 1893”, lembra ele, que nasceu na mesma cidade.

“Em Santos havia certa prosperidade para os imigrantes, mais tarde meu avô comprou o Grande Hotel Guarujá. Meu pai nunca foi um varão rico, nunca teve propensão para lucrar numerário, mas guardou tudo o que recebeu de legado. Ele não estudou, não era formado, era um varão conservador. Minha mãe foi uma das primeiras mulheres a cursar recta da USP. A família dela dava muita preço para a instrução, mas depois do conúbio acabou não se formando por culpa do meu pai. Seria impossível ela formada, ele, não”, diz.

A família de Maria Sulamita acabou se envolvendo com a política em Santa Catarina. Vitor Konder foi ministro da Aviação e de Obras Públicas de Washington Luís, de 1926 a 1930. Arno Konder se tornou diplomata. Antonio Carlos Konder Reis e Jorge Konder Bornhausen foram governadores de Santa Catarina, o primeiro entre 1975 e 1979 e o segundo entre 1979 e 1982. “Eu soube mais tarde, estudando história, que meu tio-avô tinha sido ministro da Aviação”, conta Comparato.

Vem do tempo em que cursava recta no largo São Francisco o interesse de Comparato por diferentes aspectos da vida da população negra no Brasil em relação à população branca – e, por isso, era denunciado de comunista. “Tinha alguns professores conservadores, reacionários, estávamos em plena ditadura, e eles me chamavam de comunista porque eu defendia os pobres.” Esse interesse veio também de sua proximidade com a Igreja Católica. Ele era um católico fervoroso portanto, hoje não mais, e com o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, vigário de São Paulo.

Durante o período mais difícil da ditadura, dom Paulo costumava procurá-lo para que defendesse pessoas perseguidas. “Eu o auxiliei em várias ocasiões, ele era um varão magnificente”, lembra. “Aliás, naquela idade a grande preocupação da Igreja era com os miseráveis, com aqueles que precisavam de auxílio. Foi quando entendi que os mais miseráveis eram, na sua grande maioria, os descendentes de africanos. E essa história é terrível.” 

O jornalista Laurentino Gomes, responsável da trilogia de livros Escravidão, calcula que, durante quase três séculos e meio, 12,5 milhões de africanos foram traficados para as Américas e, destes, 40% vieram para o Brasil, perto de 5 milhões de pessoas.

Essa consciência a reverência das diferenças socioeconômicas entre os brasileiros brancos e negros o levou a montar uma importante livraria sobre a escravidão. “Fui o único da minha família a ter esse tipo de preocupação. Meu pai, por exemplo, imigrante siciliano, sempre teve um desprezo profundo pela população negra. Não sei por quê. O racismo não tem nenhuma racionalidade. Ele não tinha vergonha de manifestar que era racista, achava que era visível pensar assim. Isso me impactou”, relembra.

Ilustração de grãos de café

Um dos livros que leu, ainda jovem, foi Lar-grande & senzala, do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, publicado em 1933, que durante décadas disseminou a teoria de que o Brasil era uma democracia racial, um país onde não havia racismo. “Eu acreditei nisso, depois fui me aprofundando no ponto. Penso que existe certa confusão. O brasiliano acredita que o racismo foi horroroso nos Estados Unidos porque lá eles não escondem minimamente o racismo. E há quem sustente que tivemos uma escravidão branda. O nosso racismo sempre foi meio encoberto e ainda hoje está no subconsciente dos brasileiros. É um sentimento cruel e dissimulado. Ele está sempre escondido”, reflete.

E completa: “Nesse privado eu acho que o velho Montesquieu tinha razão: em se tratando de costumes e mentalidades, a lei é absolutamente inócua. O que muda é a instrução. E a instrução no Brasil sempre foi desprezada”, ele diz, fazendo referência ao filósofo, político e plumitivo francesismo que viveu entre 1689 e 1755.

De conciliação com o último recenseamento, de 2022, hoje o país tem pouco mais de 203 milhões de habitantes, dos quais 45,3% são pardos, 43,5% são brancos e 10,2% são pretos. “Penso que esses números podem não ser exatos porque certamente há muitos negros que não dizem que são negros.” Comparato comenta, referindo-se ao roupa de que no Brasil é o tipo que declara a sua cor para pesquisas do Instituto Brasiliano de Geografia e Estatística (IBGE). É a chamada autodeclaração racial, e ele pode escolher entre cinco opções: branca, preta, amarela, parda ou indígena. Nos Estados Unidos, os negros são 13% da população.

A história da escravidão no Brasil e nos Estados Unidos é muito dissemelhante, a debutar pelo tempo em que existiu em cada um dos países. Enquanto africanos foram mantidos porquê escravos no Brasil durante quase quatro séculos, nos Estados Unidos a escravidão durou 140 anos e foi abolida em 1863. E se cá os negros (pretos e pardos) são 55,5% da população, portanto, a maioria, nos Estados Unidos eles são somente 13%. “O Brasil sempre esteve mais voltado para os povos europeus, agora nos aproximamos dos americanos, ou seja, não queremos ser amigos de povos pobres, queremos ser amigos dos ricos.”

Embora tenha se devotado ao ponto, doutor Comparato não participou de grupos ou de movimentos antirracistas. “Nunca fui de me aproximar das pessoas. Tive poucos amigos na vida”, ele conta. Mas teve longas conversas a reverência do ponto com o emissário Rubens Ricupero, um de seus grandes amigos, com quem dividia as mesmas preocupações em relação ao racismo vigente no Brasil. “Ele foi meu colega de turma na São Francisco, também era progénito de italianos, do sul da Itália, também era católico. Ele vinha à minha moradia, trocávamos livros.”

Hoje, passados 136 anos desde a supressão da escravatura, ele vê avanços em relação à luta antirracista no país. Mas não muitos. “Avançamos, mas muito lentamente. As cotas foram uma boa medida, embora tenham sido atacadas por brancos reacionários. Elas não visam dar qualquer superioridade para os negros, mas sim colocá-los em situação de paridade. Ainda existe na mentalidade brasileira um desprezo pelos negros, consequência evidente dos mais de três séculos de escravidão. O branco ainda se considera superior, e não é verosímil alongar esse sentimento por uma imposição”, diz.

Ele reforça sua crença na preço da instrução para que a sociedade finalmente mude e se transforme. “Não tive colegas negros na classe, mas a maior secção das empregadas domésticas eram negras. Falta instrução ao Brasil. Sempre faltou. Falta compreender a preço que os negros tiveram na história do Brasil.” Comparato exemplifica: no Brasil Poderio, os escravizados não estudavam, só trabalhavam: “Até a metade do século 19, até 1850, a economia brasileira era quase que exclusivamente movida pelo braço servo. Outra coisa que sempre me incomodou é que a escravidão tinha uma lei penal incomparavelmente mais cruel para os negros. A pena de pingalim, que provocava lesões graves, foi abolida no Brasil em 1885, ou seja, três anos antes da supressão”.

Se a sociedade porquê um todo avançou tão pouco, o que deve ser feito? “Eu nunca vivi na quesito em que a população negra vive, tive privilégios. Para que o racismo seja eliminado é preciso guerrear os privilégios dos brancos. É preciso que os brancos entendam que negros são seres humanos. É preciso que o governo faça porquê a Igreja fazia na idade de dom Paulo, quando ela olhava para os pobres. É preciso política educacional.”

É longa a lista para que o Brasil se torne menos injusto. Apesar dos avanços da luta antirracista, ainda hoje a pele negra chega antes e define destinos de vida ou morte em relação aos pretos e pardos.

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